Michelle e Janja protagonizam narrativas sobre lideranças femininas na política

Por: FGV ECMI 

 

Por: FGV ECMI 

 

  • A noção de que Michelle Bolsonaro teria deixado um legado, agora “destruído” pelo governo Lula, é acionada pelo campo alinhado ao ex-presidente Bolsonaro. Enquanto isso, apoiadores do atual governo direcionam críticas à senadora Damares Alves, responsabilizando-a pela crise dos Yanomamis;
  • No Twitter, a ex-primeira-dama é associada a casos de corrupção e assédio moral, ao passo em que a atual primeira-dama é criticada por sua aparência e por uma suposta “falta de postura”. Comparações entre ambas são bastante comuns;
  • Veículos de mídia alternativos dominam os links que mencionam Michelle e Janja no Facebook. Se Michelle aparece em notícias com forte apelo político, Janja é enquadrada, em sua maioria, por uma lente mais pessoal e privada, embora este recorte também seja, por si só, político. 
  • Entre as ministras do atual governo, Marina Silva e Simone Tebet são destaque no Telegram, enquanto Marina Silva e Nísia Trindade são recorrentemente mencionadas no Twitter.

 

O debate sobre mulheres com proeminência no cenário político é pautado de modo bastante equilibrado, com uma leve predominância de perfis alinhados ao ex-presidente Bolsonaro sobre aqueles que convergem com o atual governo Lula. É o que mostra o levantamento da Escola de Comunicação da FGV, que analisou postagens sobre o tema no Twitter, Facebook e Telegram entre 13 de janeiro e 13 de fevereiro de 2023. 

 

Inicialmente, foi considerado um recorte mais geral, tratando das menções a mulheres com forte atuação no cenário político nacional. Neste ponto, aparecem figuras como Damares Alves, Janja da Silva, Michelle Bolsonaro e Gleisi Hoffmann, além das ministras do atual governo. Em um segundo momento, levando em conta a proeminência da ex-primeira-dama e da atual, traçamos análises que permitem comparar as menções a Michelle e a Janja em diferentes plataformas. Por fim, focamos nas citações às ministras do Governo Federal.

 

Nota-se uma considerável diferença no modo como Michelle Bolsonaro e Janja da Silva são enquadradas no debate. Enquanto a ex-primeira-dama é associada à religiosidade, fomentando a constituição do que seria uma “mulher ideal” e, simultaneamente, uma pessoa com altas capacidades políticas, a atual primeira-dama é, não raro, classificada como pouco “refinada” e com baixa influência política. De modo mais lateral, ambas são alvo de críticas generificadas, seja em comentários sobre a prótese mamária de Michelle, seja em postagens sobre as roupas de Janja. 

 

Entre as ministras do atual governo, Marina Silva, Nísia Trindade e Simone Tebet se destacam em plataformas como Twitter e Telegram. Há, por um lado, uma noção de que tais mulheres seriam pouco qualificadas para os seus respectivos cargos. Por outro, nomes como Marina Silva e Nísia Trindade são elogiados, principalmente, pela atuação na crise humanitária do povo Yanomami.

 

Mulheres com proeminência no cenário político 

Mapa de interações do debate sobre mulheres com proeminência no cenário político

Período: de 13 de janeiro a 13 de fevereiro de 2023

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Fonte: Twitter | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

                                                                                                                                                                                         

Grupo alinhado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (Azul) - 45,3% perfis | 48,8% interações

Grupo formado por atores políticos e perfis de notícias alinhados ao ex-presidente @JairBolsonaro. O mote central do conjunto é a defesa do legado social atribuído à ex-primeira-dama, @MichelleBolso22. Circula a ideia de que o Partido dos Trabalhadores (PT) teria descontinuado as ações sociais de Michelle, o que é lido como a interrupção de um trabalho compatível com preceitos cristãos. Críticas à atual primeira-dama, @JanjaLula, também obtiveram destaque. Tendeu-se a se questionar o “refinamento” de Janja e a classificar sua união com o atual presidente como um relacionamento de “cadeia”. Críticas às ministras @MarinaSilva, @MagaAfroPop e @LucianaSantos também tiveram alcance relevante. Foram pontuados, especialmente, dados supostamente equivocados sobre a fome no país apresentados por Marina Silva em Davos, supostos recursos indevidos destinados para a Lei Rouanet no ministério de Margareth Menezes e um encontro entre Luciana Santos e uma aliada do presidente venezuelano Nicolás Maduro. O tom geral adotado nessas mensagens é de que as atuais ministras não teriam credibilidade o suficiente para atuar no cargo que ocupam. Os perfis de notícias @TerraBrasilNot, @RevistaOeste e @ATrombeta tiveram influência relevante.

 

Grupo alinhado ao Governo Federal (Vermelho) - 34,5% perfis | 40,6% interações

Conjunto de perfis alinhados ao Governo Federal, que em geral orbitam em torno dos perfis de @LulaOficial e da primeira-dama @JanjaLula. O grupo teve como enfoque principal a ex-ministra do governo Bolsonaro e atual senadora, Damares Alves, a quem são atribuídos atos de violação de direitos humanos em relação à crise humanitária envolvendo os Yanomamis. A narrativa preponderante é de que Damares teria tido responsabilidade central para o desenvolvimento da crise, que foi classificada como um projeto sistemático do governo anterior. Falou-se, sobretudo, sobre supostas provas que apontam que Damares teria negado cuidados básicos aos indígenas durante a pandemia de Covid-19, a exemplo da privação de água potável, leitos de UTI e itens de necessidade básica. Publicações do deputado federal @AndreJanonesAdv e do médico @DrBrunoGino tiveram amplo alcance nesse sentido. De modo lateral, foi comentada, em tom jornalístico, a manifestação de apoio de @MichelleBolso22 ao nome de Rogério Marinho para a presidência do Senado Federal.

 

Perfis de entretenimento progressistas (Laranja) - 9% perfis | 5,5% interações

Com visível aderência ao cluster vermelho, o conjunto laranja orbita em torno dos perfis de entretenimento progressistas @Choquei, @PopTime e @tracklist. Em tom predominantemente bem-humorado, esses perfis promovem enquetes inusitadas que tendem a colocar o Governo Federal em primeiro plano, com especial enfoque para a primeira-dama @JanjaLula. Em uma das enquetes de maior alcance, é perguntado em qual das candidatas os usuários votariam para ocupar, hipoteticamente, a Presidência da República - entre Janja, @MichelleBolso22, @Gleisi e @SimoneTebetBR. Os comentários se dividiram, principalmente, entre endossos às candidaturas de Janja e de Tebet, e questionamentos acerca da ausência de @MarinaSilva na lista. Em menor escala, houve associação de práticas de corrupção à Michelle. De modo lateral, ainda teve relevância a atuação da ministra do Meio Ambiente na crise humanitária dos Yanomamis.

 

Mensagens sobre mulheres com proeminência no cenário político no Telegram

Período: de 13 de janeiro a 13 de fevereiro de 2023

 

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Fonte: Telegram | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

 

  • Entre as menções às mulheres políticas no Telegram, Michelle Bolsonaro, Marina Silva, Janja e Simone Tebet foram, nesta ordem, os nomes mais centrais;
  • Nota-se, de início, uma forte diferença entre as menções a Michelle e a Janja. Enquanto a ex-primeira-dama é retratada, em sua maioria, como uma mulher “ideal”, uma possível esperança para as eleições de 2026 e um exemplo de luta, a atual primeira-dama é enquadrada como uma pessoa com pouca influência política;
  • Para embasar esta perspectiva, diferentes situações são acionadas, como um episódio no qual Jill Biden, primeira-dama estadunidense, teria destratado Janja, em oposição à suposta recepção calorosa de Jill à Michelle. Isso não significa que a ex-primeira-dama seja uma unanimidade no Telegram. Mesmo em menor número, grupos e canais alinhados ao atual governo compartilham críticas contra Michelle, associando-a, principalmente, à corrupção;
  • Marina Silva, atual ministra do Meio Ambiente, também é constantemente mencionada no Telegram. Com uma ampla fragmentação temática, a ministra é enquadrada de formas diversas: por um lado, circulam mensagens que insinuam que Marina seria uma “traidora da pátria” que faria parte de uma “agenda globalista”; por outro, reitera-se o papel de Marina na crise humanitária dos Yanomami e no combate ao garimpo ilegal. Não é possível indicar a predominância de uma narrativa sobre outra, havendo um equilíbrio em relação ao modo como Marina é mencionada;
  • Além disso, parte das menções a Simone Tebet carrega pouco teor opinativo, trazendo apenas desdobramentos sobre as ações da ministra na pasta do Planejamento. Nota-se, no entanto, uma tentativa de afastar Tebet do governo Lula, por meio de mensagens que enfatizam as supostas diferenças entre Tebet e o chamado “governo vermelho”, personificado nas figuras de Fernando Haddad e Lula. Afirma-se que Tebet estaria insatisfeita com a repercussão das políticas econômicas do governo entre o mercado.

 

A atual e a ex-primeira-dama: Janja da Silva e Michelle Bolsonaro

Links com maior interação associados a Michelle Bolsonaro no Facebook

Período: de 13 de janeiro a 13 de fevereiro de 2023

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Fonte: Facebook | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

 

  • Os links de destaque associados à Michelle Bolsonaro no Facebook indicam uma centralidade de veículos alternativos, como Jovem Pan, Pleno News, Portal BR7 e Jornal da Cidade Online. Em comum, estes sites demonstram um certo alinhamento ao ex-governo Bolsonaro, sendo assiduamente compartilhados, por exemplo, em grupos dedicados ao ex-presidente; 
  • Entre os tópicos debatidos, a possível candidatura de Michelle à Presidência, em 2026, foi bastante mencionada. Prevalecendo um teor positivo, estes links indicam apoio à ex-primeira-dama, caso ela venha a se candidatar;
  • Também foram mapeadas notícias sobre o posicionamento de Michelle após acusações de corrupção, elogiando a atitude da ex-primeira-dama de publicar uma série de notas fiscais para negar a suposta participação em um esquema de caixa 2;
  • Mantendo este viés positivo em relação à imagem de Michelle, nota-se que a ex-primeira-dama, quando citada sem comparações com Janja, é enquadrada, sobretudo, enquanto um sujeito político. Sua posição na eleição para a presidência do Senado Federal, por exemplo, foi noticiada entre os links de destaque. Isso pode indicar que questões pessoais e privadas não ganham tanto espaço quanto assuntos que realçam as capacidades políticas da ex-primeira-dama.

 

Links com maior interação associados a Janja da Silva no Facebook

Período: de 13 de janeiro a 13 de fevereiro de 2023

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Fonte: Facebook | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

 

  • Se Michelle Bolsonaro é enquadrada enquanto um sujeito político de relevância para a cena nacional, o oposto pode ser observado nos links de destaque associados à Janja. Pautado, principalmente, pelos mesmos veículos alternativos, Pleno News, Portal BR7 e Jornal da Cidade Online, o debate sobre a atual primeira-dama gira em torno de suas roupas, de um suposto uso de drogas ilícitas e de sua participação em eventos de lazer, como jogos do Flamengo; 
  • Vale dizer que estes veículos não ofendem Janja, apenas repercutem ofensas de terceiros, enfatizando a reação da primeira-dama frente a tais episódios. Trata-se, por exemplo, de um processo que Janja iniciou contra o conselheiro do Corinthians, Manoel Ramos Evangelista, após este xingá-la no Twitter, chamando-a de “putana”, “esgoto” e “lixo”, ou ainda de uma disputa judicial entre a primeira-dama e a comentarista da Jovem Pan, Pietra Bertolazzi, após insinuação sobre Janja ser usuária de drogas;
  • Embora os veículos mais alternativos sejam preponderantes, também há a presença de fontes tradicionais, como Folha de São Paulo e O Globo. O conteúdo das notícias não varia muito, com comentários sobre a presença de Janja no carnaval da Imperatriz e sobre o processo entre a primeira-dama e o conselheiro do Corinthians.

 

Principais termos sobre Michelle Bolsonaro no Twitter

Período: de 13 de janeiro a 13 de fevereiro de 2023 

nuvem de palavras



Fonte: Twitter | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

 

  • As críticas à ex-primeira-dama se concentraram em associá-la ao crime organizado, sendo sustentadas, sobretudo, por reportagens que relatam denúncias e investigações contra ela;
  • Chamada de “Micheque” por perfis alinhados ao Governo Federal, no período em questão, ela foi associada a supostos casos de rachadinha, assédio moral, caixa 2, gastos indevidos com cartão corporativo e roubo de moedas que turistas jogavam no espelho d’água do Palácio da Alvorada;
  • Comparisons with Janja were made mostly in terms of physical and behavioral attributes, which in this case are invariably related to gender and class aspects;
  • As comparações com Janja se dão sobretudo em termos de atributos físicos e comportamentais, que nesse caso são atravessados, invariavelmente, por recortes de gênero e classe;
  • Falou-se com frequência, por exemplo, que Janja teria sido esnobada pela primeira-dama dos Estados Unidos, Jill Biden, em decorrência do cancelamento do encontro entre ambas. Em comparação, Michelle teria sido recebida com honrarias por se vestir e se portar “bem”;
  • Nessa discussão, a questão de gênero aparece de maneira mais enfática, especialmente a partir da avaliação de ações de ambas e de elementos como o vestuário e a expressão de religiosidade adotados por elas. Na repostagem de um vídeo de tutorial de maquiagem feito por Michelle, por exemplo, é sugerido que Janja não saberia se vestir ou se maquiar. No mesmo contexto, Janja é classificada como “primeira pomba gira do Brasil”, em uma tentativa de associá-la pejorativamente a religiões de matriz africana;

 

Major terms about Janja da Silva on Twitter

Period: January 13 to February 13, 2023

 

nuvem de palavras

Fonte: Twitter | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

  • Existe um recorte temático de caráter interseccional quando se trata de Janja, especialmente no que tange aos aspectos de classe e gênero. No recorte de classe, é frequente a sugestão de que ela não saberia se portar como primeira-dama e estaria deslumbrada com privilégios atribuídos ao cargo;
  • Há uma comparação implícita em relação à Michelle Bolsonaro, a partir da ideia de que a ex-primeira-dama incorporaria um modelo de feminilidade “elegante” e ideal, condizente com os valores conservadores do governo anterior;
  • Foi enfatizado ainda que a primeira-dama dos Estados Unidos, Jill Biden, teria se recusado a receber Janja na Casa Branca, o que foi lido por perfis alinhados a Bolsonaro como uma evidência de sua suposta falta de classe e prestígio. Foi sugerido que Jill teria fingido mal-estar para não ser “roubada”;
  • Nessa discussão, a questão de gênero aparece de maneira mais enfática, especialmente a partir da avaliação de ações de ambas e de elementos como o vestuário e a expressão de religiosidade adotados por elas. Na repostagem de um vídeo de tutorial de maquiagem feito por Michelle, por exemplo, é sugerido que Janja não saberia se vestir ou se maquiar. No mesmo contexto, Janja é classificada como “primeira pomba gira do Brasil”, em uma tentativa de associá-la pejorativamente a religiões de matriz africana;
  • Ademais, a possibilidade de que ambas venham a concorrer ao cargo da Presidência da República em 2026 vem sendo aventada com frequência, o que dispõe ambas não apenas como modelos de feminilidade diametralmente opostos, mas também como representantes de projetos políticos antagônicos.

 

Mulheres no Governo Federal: ministras da gestão Lula 

Volume de menções as ministras do Governo Lula no Twitter

Período: de 13 de janeiro a 13 de fevereiro de 2023

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  • Ao longo do período indicado, Nísia Trindade e Marina Silva se destacam pelo volume de menções. Em menor número, acontecimentos relacionados às pautas dos ministérios impulsionaram o debate sobre Sonia Guajajara e Margareth Menezes. No dia 16 de janeiro, há um pico circunstancial e negativo sobre Daniela Carneiro, em torno das alegações de vínculos com milicianos e casos de corrupção;

 

  • O principal pico diz respeito à presença de Marina Silva no Fórum Econômico Mundial, em 18 de janeiro, e os efeitos da participação se estendem para as datas próximas ao evento. Em particular, o alto volume de menções se deve à repercussão fortemente negativa da declaração sobre o número de pessoas com fome no país. Os usuários questionam a reação da imprensa e do Judiciário quanto ao que classificam como fake news. Menções diretas à “mentira”, “vexame internacional” e “piada” se destacam, com um número reduzido de denominações ofensivas à ministra.

 

  • Nísia Trindade esteve em ênfase ao longo de todo o período, em função do destaque às ações do Ministério da Saúde, sobretudo na crise humanitária dos Yanomami. Nesses termos, predomina o enfoque noticioso. Na repercussão sobre a pasta, há um destaque positivo para a atuação de Trindade. Negativamente, evidencia-se a associação entre a ministra e a defesa do direito ao aborto e acusações relacionadas à crise Yanomami.

 

  • Em 21 de janeiro, o pico de menções à Sonia Guajajara gira em torno das ações do seu ministério na crise Yanomami, com destaque para suas declarações e anúncios. Já em 19 de janeiro, era Margareth Menezes quem estava em alta circunstancial, em virtude do anúncio de desbloqueio de verbas via Lei Rouanet. Acusações pejorativas quanto ao interesse de Menezes em “favorecer amigos” colocaram em dúvida a credibilidade da ministra. 

 

  • Os dados do período sinalizam o caráter relacional entre as menções às ministras e o debate político sobre as pastas do governo. Nesses termos, a foto de Daniela Andrade e Anielle Franco é fortemente comentada, o que serve para impulsionar críticas à figura de Franco e ao governo Lula. Sonia Guajajara e Nísia Trindade integram a repercussão das ações interministeriais na crise Yanomami, em conjunto com a presidente da Funai, Joenia Wapichana.