Gênero e direitos das mulheres nas redes sociais: mobilizações, reações e sentimentos em postagens das candidaturas presidenciais em 2022

Por: Democracy Reporting International e FGV Direito Rio

 

Por: Democracy Reporting International e FGV Direito Rio

 

  • No Facebook, de todas as publicações dos(as) candidatos(as) à Presidência da República sobre assuntos relacionados a gênero, as de Jair Bolsonaro são as que possuem o maior nível de engajamento;
  • Das 10 postagens com mais interações do ex-presidente naquela rede social, quase a metade é sobre aborto e/ou faz menção à “esquerda”, citando expressões como “ideologia de gênero”;
  • Ao fazer postagens cujo assunto está relacionado a gênero, a maioria dos candidatos e candidatas utiliza palavras consideradas mais negativas do que quando se manifestam sobre outros assuntos.

Conforme identificado em relatório anterior do projeto “Mídia e Democracia”, o debate sobre questões de gênero e direitos das mulheres ao longo do último ano eleitoral foi permeado por discussões sobre violência contra a mulher, empoderamento e representatividade, participação política, maternidade, acesso à educação e aborto. No presente relatório, utilizamos um modelo lexical para classificar como os(as) candidatos(as) discutem os tópicos acima, e identificamos que eles(as) usam palavras lidas como negativas para abordá-los, sugerindo que pautas associadas à igualdade de gênero ainda são temas críticos no debate político. 
Em termos de engajamento, Bolsonaro é o candidato com maior expressividade no Facebook, tanto para postagens sobre gênero quanto para aquelas sobre outros assuntos. O engajamento quando o tema é gênero, porém, foi significativamente maior do que quando tratou de outros temas. É o que mostra levantamento da Democracy Reporting International e do Programa de Diversidade e Inclusão da FGV Direito Rio.

 

 

Metodologia

 

Este relatório contém análises sobre a forma como os principais candidatos e candidatas à Presidência da República no Brasil abordaram questões de gênero e direitos das mulheres em suas comunicações online durante as eleições de 2022, e sobre as repercussões de suas respectivas abordagens. Com apoio em métodos de análise quantitativa e qualitativa, observamos as postagens dos perfis de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Vera Lúcia (PSTU), Sofia Manzano (PCB), Léo Péricles (UP), José Maria Eymael (DC), Soraya Thronicke (União Brasil) e Felipe D’Avila (Novo).

Para a abordagem quantitativa, nosso objeto de análise foram postagens feitas pelos(as) candidatos(as) no Facebook e Twitter, no período entre 1º de março a 30 de novembro de 2022, ou seja, também antes de serem formalmente candidatos(as). Medimos o nível de engajamento das postagens e utilizamos a técnica de análise de sentimento para identificar as principais tendências nas comunicações de mídia social dos candidatos e candidatas. Com uma base de dados de 8.817 postagens no Facebook e 16.424 no Twitter, criamos um subconjunto de dados a partir de uma lista de termos relacionados a gênero e direitos das mulheres. Esta lista foi criada pelos autores e autoras deste relatório, a partir de discussões que interseccionam, por exemplo, gênero, política e violência.

 

 

Nível médio de engajamento por candidato em postagens discutindo questões de gênero e direitos das mulheres no Facebook

 

O gráfico abaixo mostra a diferença entre a média de reações entre postagens sobre temas gerais e temas relacionados a gênero. Os valores das reações médias são números absolutos, calculados pela soma do total de reações, comentários e compartilhamentos de todas as postagens divididas pelo número total de postagens por candidato(a). 

Gráfico 1: Diferença entre a média de reações em postagens gerais e em postagens relacionadas a gênero no Facebook
Período: de 1° de março a 30  de novembro de 2022

 

gráfico 1

Fonte: Facebook | Elaboração: Democracy Reporting International (DRI) 

 

Os valores negativos indicam que as postagens que discutem questões de gênero receberam menos reações, em média, do que aquelas sobre outros tópicos. Os valores positivos, por sua vez, sinalizam a média do aumento de reações em postagens de gênero. Ou seja, cada postagem feita pelo ex-Presidente Jair Bolsonaro relacionada a gênero recebeu em média 32 mil reações a mais do que uma postagem sua sobre outros assuntos.

  • Dentre as postagens analisadas, as do ex-Presidente Jair Bolsonaro foram as que mais se destacaram por apresentar níveis de engajamento substancialmente maiores quando o então candidato abordava questões de gênero e direitos das mulheres. O dado brasileiro converge com estudos teóricos realizados em outros países que sugerem o uso de gênero e dos direitos das mulheres para mobilizar sentimentos e afetos, bem como categoria mobilizadora e aglutinadora de apoio para pautas políticas de extrema-direita;
  • Ainda sobre os níveis de engajamento, Bolsonaro aparece muito à frente dos(as) demais candidatos(as) no Facebook. Enquanto a média de reações a postagens gerais (i.e., excluindo-se as que tematizam gênero) feitas pelo então candidato é de 100.000, a segunda maior, de Lula, é menos que a metade. Esta análise converge com o padrão que tem se delineado nos últimos relatórios do projeto “Mídia e Democracia” em relação à expressividade online de figuras públicas associadas ao espectro político conservador; 
  • Das dez primeiras postagens de Bolsonaro com maior número de interações, e que estão relacionadas a gênero, quase a metade (quatro) tematizam o aborto, tanto de forma contextual — quando ele comenta o caso da menina de 11 anos que foi estuprada em Santa Catarina no ano passado e que buscava fazer o aborto legal por meio de autorização judicial, afirmando que “o aborto só agrava ainda mais esta tragédia” — quanto de modo associativo à “esquerda” ou à imprensa. No total, Bolsonaro mencionou a palavra “aborto” em 25% das suas publicações relacionadas a gênero no Facebook; 
  • Outro padrão identificado nas dez postagens com maior engajamento do ex-presidente é a constante menção à “esquerda” (em regra, utilizada de forma ampla) como responsável pela defesa de pautas que colocariam em risco as mulheres. Exemplo disto é a publicação em que Bolsonaro alega que “a esquerda” defende o narcotráfico e que este último também opera por meio do assassinato e esquartejamento de mulheres (esta publicação sozinha somou 236.022 interações, sendo 189.501 reações, 17.730 comentários e 28.791 compartilhamentos);

 

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Fonte: Facebook | Elaboração: Programa de Diversidade e Inclusão (FGV Direito Rio)

  • No caso do candidato Eymael, que aparece em segundo lugar no gráfico (ou seja, também com maior engajamento quando tematiza gênero e direitos das mulheres), as referências a mulheres são feitas, em geral, para especificar seu gênero, sem indicar uma pauta específica (e.g. quando menciona “homens e mulheres”); para abordar suas iniciativas destinadas a mulheres no mercado de trabalho e mencionar mulheres empreendedoras; para repercutir candidaturas femininas, incluindo a de sua filha, Teresa Eymael; e para tecer comentários elogiosos;
  • Ao olhar para as dez postagens de Eymael com maior interação no Facebook, verificamos que 60% delas foram classificadas como possuindo sentimento positivo, o que converge com a análise qualitativa segundo a qual o nível de engajamento do candidato não está associado a temas críticos, como no caso do ex-presidente;

 

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Fonte: Facebook | Elaboração: Programa de Diversidade e Inclusão (FGV Direito Rio)

  • O restante dos(as) candidatos(as) mantém médias similares entre si quanto a temas que abordam gênero e temas gerais que não abordam, sendo interessante notar como, no caso do Presidente Lula, o nível de engajamento com postagens cujo tema está relacionado a gênero no Facebook é menor que aquele referente a postagens sobre outros assuntos;
  • Dentre as postagens de Lula sobre gênero e com os maiores níveis de engajamento, há menções sobre a relevância das mulheres no processo eleitoral (e.g. “Uma mensagem para as mulheres brasileiras. Vocês são a maioria, vocês podem mudar os rumos do Brasil! #equipeLula”); e tematização das dificuldades enfrentadas especificamente por mulheres, que, de acordo com o então candidato, estariam se endividando e relatando dificuldades para “encher o carrinho” em razão da situação econômica e social do país. 

 

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Fonte: Facebook | Elaboração: Programa de Diversidade e Inclusão (FGV Direito Rio)

 

 

Análise de Sentimento no Twitter e Facebook

 

A análise de sentimento é uma técnica de processamento de linguagem natural que tem como objetivo identificar a polaridade emocional em um texto, geralmente classificando-o como positivo, negativo ou neutro. Utilizando um modelo pré-treinado para análise de sentimento, analisamos as postagens dos candidatos e candidatas para entender o sentimento atrelado às mensagens. Este modelo combina métodos qualitativos e quantitativos para produzir, e depois validar empiricamente, um léxico de sentimentos. Assim, é possível analisar características lexicais que incorporam conceitos gramaticais que usamos ao expressar ou enfatizar a intensidade dos sentimentos.

A partir deste modelo, conseguimos classificar as postagens dos candidatos e candidatas, a partir dos termos e palavras que eles usaram, entre postagens negativas, neutras e positivas. Os gráficos abaixo mostram a diferença percentual entre a média de sentimento negativo que postagens relacionadas a gênero e direitos das mulheres, bem como a outros assuntos, receberam a partir do modelo utilizado. Quanto maior o percentual, maior o número médio de postagens classificadas como negativas.

O padrão identificado a partir da classificação de sentimento não indica, necessariamente, que as postagens sejam negativas em relação a mulheres (e.g. utilizando comentários ofensivos para atacá-las), mas sugere que as discussões de suas pautas políticas ou de episódios dos quais fazem parte estão reiteradamente associadas a assuntos ou termos lidos como negativos.

Gráfico 2: Diferença entre a média de sentimento negativo em postagens gerais e em postagens relacionadas a gênero no Facebook
Período: de 1° de março a 30 de novembro de 2022

 

gráfico 2

Fonte: Facebook | Elaboração: Democracy Reporting International (DRI) 

 

  • Em média, postagens do Facebook cujo tema estava relacionado a gênero e a direitos das mulheres foram classificadas pelo nosso modelo como sendo 70% mais negativas que aquelas sobre outros assuntos (apenas Soraya Thronicke desvia do padrão); no Twitter, a média baixou para pouco mais de 44%, sendo o desvio identificado nas postagens de Felipe D’Avila (cf. Gráfico 3, abaixo);

 

Gráfico 3: Diferença entre a média de sentimento negativo em postagens gerais e em postagens relacionadas a gênero no Twitter
Período: de 1° de março a 30  de novembro de 2022

 

gráfico 3

Fonte: Twitter | Elaboração: Democracy Reporting International (DRI) 

 

  • Grande parte dos tweets classificados como negativos fazem menção explícita a casos de violência, ao aborto — com destaque para Bolsonaro, Sofia Manzano e Vera Lúcia, consideradas as distintas abordagens, conforme explicado anteriormente —, à fome, à vulnerabilidade, ao racismo, ao feminismo e ao fascismo;
  • No Facebook, o padrão se repete, com publicações que abordam temas como violência doméstica, estupro, machismo e miséria. Além disso, dentre o conjunto de publicações classificadas como negativas, mais de 30% possuem a ocorrência da palavra “luta”, indicando que tematizam o caminho que ainda precisa ser percorrido para a efetivação dos direitos das mulheres, da população negra e dos relacionados à população LGBTQIA+;
  • De forma ampla, trata-se de um conjunto de publicações que denunciam práticas violentas contra mulheres e, paralelamente, endereçam formas de combatê-las — usualmente, pedindo pela eleição de candidaturas que se comprometem a enfrentar os problemas identificados;

 

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Fonte: Twitter | Elaboração: Programa de Diversidade e Inclusão (FGV Direito Rio)

 

  • Ao contextualizar a análise, portanto, também é possível compreender por que razão Vera Lúcia e Léo Péricles aparecem como principais candidatos(as) cujas postagens estão classificadas como negativas de modo geral. Isso é consequência da manifestação explícita de ambos a respeito de problemas sociais, políticos, econômicos e culturais que, no período das eleições, ganham ainda mais prevalência no debate público;
  • Por outro lado, importante destacar que as postagens de Bolsonaro dentro deste recorte — totalizando 15 no Facebook e 23 no Twitter — têm como temas principais o aborto e “a esquerda”. No caso do aborto, as ocorrências da palavra somam quase a metade do total de publicações no Twitter (onze) e pouco mais da metade no Facebook (oito), todas elas repudiando a prática, seguindo o padrão delineado ao longo deste relatório.

 

 

 

 

Elaborado por:
Ligia Fabris (Professora da FGV Direito Rio/ Programa de Diversidade e Inclusão)
Victor Giusti (Pesquisador da FGV Direito Rio/ Programa de Diversidade e Inclusão)
Beatriz Saab (Pesquisadora de Democracia Digital na Democracy Reporting International)