Crise humanitária dos povos Yanomamis domina debate indígena no primeiro trimestre do governo Lula

Por: FGV ECMI 

 

Por: FGV ECMI 

 

  • No Twitter, o grupo ambientalista alinhado ao governo concentrou a grande maioria de perfis e interações, com acusações frontais a Bolsonaro e Damares Alves, enquanto a oposição bolsonarista focou na desresponsabilização destes atores políticos em relação à crise;
  • Atores associados ao governo, como Lula e Janja, tiveram centralidade na discussão. Reforçando tendência de anos anteriores, nomes como Beto Marubo e Mayalú Txucarramãe estão entre lideranças indígenas que contribuíram para pautar e fortalecer debate;
  • Com relativa baixa circulação no Facebook, links da mídia bolsonarista afirmam que indígenas afetados pela crise humanitária seriam venezuelanos e que o governo Lula estaria “perseguindo” cristãos por restringir o proselitismo religioso em territórios indígenas.

A crise humanitária envolvendo os povos Yanomamis reforçou a disputa entre campos políticos antagônicos no âmbito do debate indígena. Somados, os conjuntos de perfis ambientalistas e/ou alinhados ao governo Lula concentraram 72,5% dos perfis e 78,7% das interações frente à oposição bolsonarista, que, embora mais recuada, se manteve articulada para mobilizar o discurso de desresponsabilização de Jair Bolsonaro e Damares Alves pela situação dramática. É o que mostra levantamento da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV, que analisou postagens sobre o tema no Twitter, Facebook e YouTube entre 1º de janeiro e 31 de março de 2023.

Embora ainda tenham menos destaque do que perfis de atores diretamente ligados ao governo Lula, no âmbito do debate, lideranças indígenas vêm ampliando seu raio de alcance na discussão. Nomes como Beto Marubo e Cristian Wari’u se destacam como perfis que seguem fortalecendo a mobilização indígena digital que vem sendo fortalecida de maneira mais marcada desde os últimos anos do governo Bolsonaro. Esta tendência foi observada em estudos anteriores desenvolvidos pela FGV ECMI, que analisaram a formulação do debate indígena nos meses de abril de 2020, 2021 e 2022 a partir das óticas dos perfis alinhados ao então presidente Bolsonaro e dos grupos ambientalistas que formavam a oposição ao governo anterior.

 

 



Twitter

 



Mapa interações do debate sobre indígenas no Twitter

Período: de 1º de janeiro a 15 de março

 

grafo-twitter

Fonte: Twitter | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV



Ambientalistas (Laranja) - 53,1% perfis | 70,2% interações

Protagonista do debate socioambiental no Twitter, o cluster de ambientalistas reúne perfis como o ativista @fiscaldoibama, o presidente @LulaOficial e o jornalista @andretrig, confirmando uma tendência observada pelo menos desde 2020, quando o campo aglutinou diversas frentes e grupos. Houve, no entanto, uma diminuição do cluster em relação ao ano de 2022, quando a mobilização digital se intensificou visando o período eleitoral. Pode-se indicar, nesse sentido, que a atuação do grupo nas redes estava, desde 2020, muito direcionada à construção de uma frente de oposição ao então presidente Jair Bolsonaro. Mesmo com a mudança na Presidência, esta tendência se manteve nos primeiros meses de 2023, com um debate voltado às consequências negativas do governo Bolsonaro na agenda socioambiental. A crise humanitária do povo Yanomami e as políticas de desmonte da Funai se destacaram, com Bolsonaro, Damares Alves e Ricardo Salles sendo diretamente responsabilizados. Elogios à gestão de Lula apareceram de modo mais lateral.                                           

Oposição Bolsonarista (Azul) - 25,7% perfis | 20,9% interações

Liderado por @jairbolsonaro, o grupo é composto por aliados políticos, como @Biakicis e @DamaresAlves, além de veículos de mídia, como @TerraBrasilnot. Apresentando uma queda de 2020 a 2022, o cluster voltou a crescer em 2023, atuando de modo bastante defensivo, em relação às críticas do cluster ambientalista. Assim, o grupo se mobiliza para circular o que seria “a verdade sobre os Yanomami”, compartilhando narrativas que indicam que a gestão Bolsonaro não seria a responsável pela crise humanitária em território indígena. Nota-se, pois, que a tendência observada desde 2020 de divulgar as ações do governo junto a estes povos se intensifica em 2023, assumindo um certo tom de “prestação de contas”. Esses tuítes também dão continuidade a argumentos que, mapeados nos anos anteriores, criticam a atuação de ONGs, citando uma suposta ameaça externa e uma agenda globalista. 

Entretenimento e ativismo ambiental (Lilás) -19,4% perfis | 8,5% interações

Dialogando com o cluster de ambientalistas, o grupo é composto por perfis comuns e páginas de humor e entretenimento, como @siteptbr e @choquei. Em paralelo a essas páginas, perfis de ativistas que repercutem temas ambientais, como a jornalista @JuliaDolce_ e o advogado @CapisFrancisco, também tiveram alcance importante no grupo. Aparecendo de modo mais disperso em anos anteriores, como em 2022, os perfis que compõem este cluster cresceram ao endossar as críticas à gestão de Bolsonaro na área socioambiental, acionando a crise Yanomami como principal exemplo. O grupo também vai contra a atuação do garimpo ilegal e elogia as ações do governo Lula para combater tais atividades. Lateralmente, também repercutem parabenizações à presença do Cacique Raoni Metuktire na posse de Lula e críticas à atuação de Damares Alves na pasta dos direitos humanos. 

 



Capital digital do debate sobre indígenas no Twitter

Período: de 1º de janeiro a 15 de março

 

capital digital do debate no Twitter

Fonte: Twitter | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

 

Com enfoque na ampla repercussão da crise humanitária dos Yanomamis, atores do campo progressista, muitos dos quais alinhados ao presidente Lula, lideraram o debate sobre os indígenas no período analisado. Denúncias de casos de desnutrição e contaminação por mercúrio em massa foram noticiadas no mês de janeiro e potencializaram a participação de atores políticos de relevo na institucionalidade. A ex-presidenta Dilma Rousseff, o próprio presidente Lula, o presidente do Senado Rodrigo Pacheco, a primeira-dama Janja da Silva e os deputados federais André Janones e Guilherme Boulos estiveram à frente da discussão, enfocando medidas de emergência do governo e publicações que criticavam o que classificaram como “projeto de genocídio indígena” do governo Bolsonaro, associado ao avanço do garimpo e do desmatamento ilegais. As críticas foram dirigidas, sobretudo, a Bolsonaro, à ex-ministra de Direitos Humanos Damares Alves e ao ex-presidente da Funai, Marcelo Xavier. Ainda tiveram relevância neste conjunto diversas lideranças indígenas, que, apesar de terem um alcance menor em comparação aos atores citados, desde ao menos 2020 vêm apresentando articulação consistente no debate. Nomes como Beto Marubo, Mayalú Txucarramãe e Cristian Wari'u se destacam.

Criticados nominalmente no cluster ambientalista, Damares Alves e Jair Bolsonaro foram os perfis que mais se destacaram no campo da oposição bolsonarista ao governo Lula. Foi frequente um posicionamento defensivo por parte de ambos, e de seus seguidores, frente às acusações e às evidências a respeito da crise humanitária Yanomami. Ainda compõem este cluster parlamentares alinhados ao ex-presidente, influenciadores da extrema direita e veículos da mídia bolsonarista, como Terra Brasil Notícias e Jornal da Cidade Online. Em parte significativa desses perfis, foi recorrente a tentativa de desresponsabilização do governo anterior pela situação crítica dos indígenas, perspectiva também adotada por Bolsonaro e Damares. O argumento de que os indígenas em situação de vulnerabilidade extrema seriam venezuelanos e, portanto, o suposto resultado de uma “ditadura de esquerda”, foi observado em muitas das publicações.

Agregado ao cluster ambientalista, o conjunto de perfis relacionados aos canais de mídia e/ou entretenimento também teve alcance relevante. Perfis como POPTime e Choquei endossaram as críticas a Bolsonaro e a expor detalhes da crise dos Yanomamis. Neste mesmo cluster, também foram relevantes jornalistas independentes, lideranças indígenas e militantes de direitos humanos.

 

 

Facebook

 



Principais links do debate sobre indígenas no Facebook

Período: de 1º de janeiro a 31 de março

 

principais links no Facebook

Fonte: Facebook | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

 

Imagens de crianças e adultos Yanomamis em estado de desnutrição severa divulgadas no início de janeiro mobilizaram a opinião pública em torno da crise humanitária que se acentuou ao longo do governo Bolsonaro. Em razão dessa mobilização, a maior parte dos links compartilhados no Facebook abordam desdobramentos do caso, ao exemplo de notícias sobre o falecimento de pessoas que haviam sido fotografadas ou filmadas em situação de vulnerabilidade extrema. 

Ações do governo eleito no combate ao garimpo ilegal após as denúncias também tiveram alcance relevante entre os links de maior circulação da plataforma, como a destruição de equipamentos ilegais e o transporte de suprimentos para os territórios atingidos pela crise. Em sua maioria, essas matérias de cunho denunciativo estavam associadas a portais da mídia tradicional, como g1, BBC News e UOL.

Links de mídia segmentada também tiveram ressonância importante no debate. Uma mobilização da classe artística para impulsionar denúncias e pedir o apoio da sociedade civil com doações foi destaque no site de esquerda Brasil 247. Já o site ambientalista O Eco teve visibilidade com reportagens em tom denunciativo a respeito de desdobramentos do episódio, como mensagens trocadas entre garimpeiros para se prevenirem de ações de combate à atividade ilegal que praticam.

Portais da mídia bolsonarista também tiveram inserção importante na plataforma. O Jornal da Cidade Online investiu na narrativa de que os indígenas atingidos estariam em territórios venezuelanos, o que implicaria que a responsabilização pela crise humanitária deveria ser atribuída ao governo de esquerda da Venezuela, e não à gestão de Jair Bolsonaro. Já o site Brasil Paralelo teve alto alcance com notícia sob o título “Pregação cristã é proibida na terra dos índios (sic) yanomamis”, que abordava a restrição de proselitismo religioso em territórios indígenas. O site levantou o argumento de que o governo estaria praticando “intolerância religiosa” e suposta perseguição a doutrinas cristãs.

 

 



YouTube

 



Principais vídeos do debate sobre indígenas no YouTube

Período: de 1º de janeiro a 31 de março

 

principais videos do debate no Youtube

Fonte: Facebook | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

 

A crise em território Yanomami ganhou absoluto destaque também no YouTube, sendo tratada por canais à esquerda, como Cortes do História Pública, veículos de mídia, como Vejapontocom, além de canais mais didáticos e voltados ao ensino, como Prof. Raphael Reis | O Mago da Redação. Destaca-se o fato de nenhum destes conteúdos ser veiculado por ou contar com a participação de lideranças e ativistas indígenas. 

Nesse sentido, os canais da TV Senado e do empresário Eduardo Moreira foram os únicos a ir em caminho oposto, seja transmitindo uma sessão que contou com a participação de lideranças indígenas com atuação institucional, como Joênia Wapichana, presidente da Funai, seja veiculando as opiniões do ativista indígena Junior Manchineri.

Todos estes conteúdos caminham em sentido similar, responsabilizando o governo Bolsonaro pela crise humanitária dos Yanomami. Cortes do História Pública, por exemplo, faz este movimento de forma mais direta, afirmando que a crise é, na realidade, um “projeto de extermínio”. Enquanto o canal da Veja opera de modo menos opinativo, mas, ainda assim, classifica a situação como “uma crise dramática e sem precedentes”, criticando o garimpo ilegal e veiculando as ações do governo Lula para solucionar tais problemas. 

Também em destaque, o canal de Marcelo Andrade é o único a defender uma narrativa diferente. Tratando de casos de extermínio e genocídio no continente americano de forma mais geral, o professor atua em uma linha negacionista, sendo comparado, nos comentários, com Olavo de Carvalho. 

Nos comentários dos vídeos em destaque, nota-se um equilíbrio de perspectivas: nos canais mais à esquerda, diferentes perfis criticam a atuação do governo Bolsonaro na pasta ambiental, no entanto, nos vídeos da Veja e do professor Marcelo Andrade, os comentários defendem o ex-presidente, criminalizando ONGs, “comunistas marxistas” e as gestões anteriores do PT.