Regulação do ambiente digital: uma tarefa da nossa geração
Deputado federal Orlando Silva, relator do PL 2.630, participa de reunião do conselho
Deputado federal Orlando Silva, relator do PL 2.630, participa de reunião do conselho
O deputado federal Orlando Silva (PCdoB), relator do projeto de lei 2630 que trata da responsabilidade, liberdade e transparência no ambiente digital, o chamado PL das fake News, foi o convidado especial da Reunião Preparatória do Conselho Mídia e Democracia, nesta quarta-feira (24), que em seu primeiro ciclo de debates aborda a integridade dos direitos digitais e a qualificação do ambiente online no Brasil.
Orlando Silva classificou a aprovação do projeto que prevê a regulação das plataformas digitais no país como tarefa de uma geração. “Somos uma geração que vive um momento em que a diferença do virtual para o real é cada vez menor, ela tem obrigações com a democracia, com a civilização, é assim que eu encaro a tarefa de produção dessas normas. Nós cumprirmos uma tarefa de geração”, afirmou. O parlamentar fez o prognóstico de que o projeto possa entrar em votação na semana que vem e citou o caso do jogo chamado "Simulador de Escravidão", em que o usuário simula ser um proprietário de escravos para "extrair lucros e evitar rebeliões e fugas", como exemplo impactante da urgência de regular esse ambiente. A remoção foi feira pelo Google na sua loja de download de aplicativos, na tarde desta quarta-feira, após repercussão negativa. Para o deputado, o episódio revela uma atitude complacente por parte das plataformas digitais com relação a conteúdos ilegais.
Orlando Silva também foi relator da lei Geral de Proteção de Dados em 2020 e há praticamente três anos vem conduzindo as discussões sobre o PL 2630. Dentre os avanços que na sua opinião o projeto apresenta estão o regime de responsabilidade das plataformas digitais, as regras de transparência e a defesa da liberdade de expressão.
Responsabilidade e transparência
“A revisão do regime de responsabilidade das plataformas digitais que propomos é apontar responsabilidades quando as big techs forem omissas mesmo após serem notificadas acerca de conteúdos ilegais”, esclarece. Em outros termos, quando houver publicação de conteúdo ilegal, essas empresas devem ser notificadas, informadas, comunicadas a partir daí precisam tomar providências com celeridade e transparência. “Danos causados por esses conteúdos serão de responsabilidade dessas empresas”, afirma. Outro aspecto é relativo ao impulsionamento. “Você não pode ganhar, lucrar, receber pagamento para levar uma mensagem adiante. Se essa mensagem produzir dano, você não pode argumentar que foi apenas veículo. Você é sócio? Então deve ser responsabilizado pelos danos causados”, argumenta. Para o relator, esses são aspectos centrais da revisão de responsabilidades.
Segundo Orlando Silva, o Brasil é moderado nesse ponto em comparativo com outros países. “Eu alerto que nós somos aqui muito mais moderados do que outros países. Na Alemanha, o dever de cuidado corresponde a todo o código penal. “Aqui nós estamos falando de redobrar a atenção sobre crimes contra a infância, adolescência, induzimento ao suicídio, automutilação, crimes contra a mulher, racismo, ataques ao estado democrático de direito, terrorismo, infração sanitária. É bem mais modesto”, assegura.
Com relação às regras de transparência e à liberdade de expressão, o parlamentar argumenta que a sociedade deve ter o direito de conhecer a dinâmica de funcionamento da operação dessas instituições. “Quando falamos de algoritmo de recomendação, por exemplo, aqui se quer conhecer os critérios da utilização, porque são eles que estabelecem quem ouve no debate público feito nas redes. Nem tudo o que é falado, como vocês bem sabem, é ouvido nas redes. Aliás, eu tenho dito que a Liberdade de expressão não é apenas o direito de falar, é o direito de ser ouvido também e se você estabelece a própria plataforma, quem ouve, quem não ouve”, defende. Para Orlando Silva há, hoje, uma restrição à circulação de Ideias e ao pluralismo. “Não existe democracia sem debate. Não existe debate sem diversidade, sem pluralismo. Então, quando nós falamos de transparência, nós não estamos interessados em conhecer o segredo de negócio dessas companhias, mas sim que a sociedade possa passar pelo crivo da crítica, pelo olhar de especialistas, inteligência coletiva que avalia essas informações e ajuda no processo legislativo, na crítica ao funcionamento das próprias empresas, na elaboração de pensamento. Então, eu diria que obrigações de transparência são essenciais e eu agora não tenho uma vida mais fácil porque a minha visão é que nós temos que exigir no Brasil o que é exigido na Europa, no ato dos serviços digitais”, aponta o deputado.
Ainda sobre a liberdade de expressão, Orlando Silva insiste que a liberdade plena é também de escuta, é a possibilidade de falar e de ser ouvido, permitir que os próprios usuários possam contestar a moderação de conteúdo. “Não caberá tutela de partido, do Estado, de governo, de liderança, de igreja, de quem quer que seja. Nós queremos colocar no plano do próprio cidadão para que ele faça a defesa da sua Liberdade de expressão”, pontua.
Esse é um ponto bem sensível, de acordo com o relato do deputado, porque muitos dos detratores do projeto no parlamento argumentam que se trata do PL da censura, sendo que na verdade, na avaliação do deputado, é uma lei que procura estruturar mecanismos para que cada cidadão defenda a sua Liberdade de expressão.
“Esse eu diria que é o sentido geral da proposta. A defesa da Liberdade de expressão, a criação de obrigações de transparência para as plataformas digitais e a mudança do seu regime de responsabilidade. Evidentemente que é um conjunto de outras questões que envolvem esse tema”, sintetiza.
Como outros pontos de preocupação, Orlando Silva destaca que entre os deputados cresce a intenção de proteger crianças e adolescentes, parcelas da população mais vulneráveis aos efeitos colaterais dos discursos de ódio. Também há um debate importante sobre contas de interesse público, incluindo o debate sobre a extensão da imunidade parlamentar às redes sociais, pelas implicações que podem ter na desinformação. “Mas também há uma questão democrática. Importante lembrar que imunidade parlamentar não é invenção do Brasil e é direito de minoria contra o governo de turno. É que há muitas distorções hoje no debate público. Muitas manipulações da conduta, do comportamento equivocado, de muita gente e às vezes turva um pouco o olhar sobre determinadas instituições, que têm um profundo caráter democrático”, avalia.
Impasses
De acordo com o relator, há um impasse importante no tema, no debate, que diz respeito a como se fazer a regulação, a quem caberá a tarefa regulatória. Para ele, o melhor mecanismo seria criar uma autarquia, uma supervisão técnica especializada, com mandato, para que pudesse enfrentar os desafios de regulação em um setor tão sensível.
“Isso não é simples aqui na Câmara, pela sua composição, que vocês conhecem politicamente. Qual é o peso que o governo tem? A resistência que existe ao governo e tudo que é lido como a criação do governo gera um entrave brutal. Batizaram até de Ministério da verdade para tentar pôr na defensiva essa iniciativa. Há uma articulação forte para que a agência nacional de telecomunicações, Anatel, assuma essa responsabilidade”, informa.
O debate no Conselho
Orlando Silva destacou como fator determinante para avançar na discussão do projeto abrir o debate com a sociedade brasileira, sair da guerra política, considerando que esse tema não é do governo, nem da oposição. “Mas a fratura social e política que vive a sociedade brasileira faz com que toda a dinâmica política se baseie em narrativas que interditam o debate. A minha percepção é que um encontro como este é muito importante para que uma avaliação plural possa ser feita, elabore críticas, aponte limitações, virtudes do texto eventualmente, para que nós possamos ter a melhor elaboração. Mas a pretensão que eu tenho de participar aqui não é apenas acolher inteligência de vocês, é também convidá-los para participar do debate público. Importa participar do debate”, sustentou.
A pesquisadora Nina Santos, da organização Desinformante e da Sala de Articulação contra a Desinformação (SAD) manifestou que a regulação é essencial para sair da excepcionalidade. Nina referiu o documento propositivo produzido na SAD com a adesão de mais de 100 entidades e questionou sobre pontos que considera essenciais: criação de um órgão regulador, solicitando que o deputado aprofunde sua posição quanto à proposta articulada pela OAB; a responsabilização por conteúdo publicitário/impulsionamento e os pontos de gênero e racismo.
Já Amaro Grassi, coordenador do Projeto FGV/EU explicou a articulação e os eixos do projeto e perguntou sobre a perplexidade da deputada da União Europeia, Anna Cavazzini, líder do comitê que implementa a lei europeia de internet, com relação à oposição no Brasil feita de modo contundente pelas plataformas.
A questão da pesquisadora Ligia fabris Campos, que também compõe o projeto e trabalha com temas transversais de direito e gênero, se direcionou ao conceito de Liberdade de Expressão como um direito ilimitado ou absoluto.
Orlando Silva esclareceu para Nina Santos, sobre a pergunta relativa a racismo e gênero, que na Câmara Federal existem palavras-chave que colocadas no texto causam imenso desacordo. Uma delas é gênero. O termo foi substituído por violência contra a mulher para não provocar polêmica. Outro termo é racismo. A inclusão de racismo no rol de crimes que exigem cuidado foi bastante controversa, mas foi mantida. “A minha resposta foi assim, olhe a minha condição, vocês vão suprimir o relator do assunto se racismo for excluído. Eu não tenho como relator, como retirar o crime de racismo da gravidade que possui”, revelou. Com relação aos anúncios publicitários/impulsionamentos apontados por Nina, Orlando Silva contou que há um debate em curso para substituir a responsabilidade subsidiária pela solidariedade solidária, o que poderia ser cabível. “Porque se você identifica o anunciante, você não corre o risco de deixar aberto o processo com riscos de identificação de autoria de algo que produziu dano”.
No que tange ao órgão fiscalizador, Orlando Silva é simpático à ideia proposta pela comissão de direito digital do conselho federal da OAB (que ele espera seja formalmente adotada pela OAB). “Eu vejo a proposta como a saída política possível, é uma proposta que pode ser uma solução diante de um ambiente de muita dificuldade, porque nós não temos maioria para aprovar a criação de uma entidade nova”, explica. A Anatel, contudo, está na mesa, alerta. “A Anatel é uma possibilidade. O argumento é que já existe financiamento, tem quadros técnicos, já regula temas conexos. A crítica é que não tem expertise, já tem problema para administrar que não dá conta e é capturada pelo mercado”, compara Orlando. E completa: sem regulador não existe regulação, é uma medida ineficaz.
Na resposta a Amaro Grassi sobre o comparativo entre a reação das plataformas no Brasil e na Europa, Orlando Silva relatou que conversou longamente com a deputada da União Europeia e que ela ficou impressionada com a ação das big techs. “Eles passaram de todos os limites, violaram os próprios termos de uso. A diferença entre remédio e veneno é a dose. A dose deles passou do ponto e convenceu muitas lideranças de que precisamos agir. Vejam vocês, o presidente da Câmara dos deputados que não é nenhum líder esquerdista fez uma representação criminal contra essas empresas. Foi uma conduta extrema”, sustenta Orlando.
Por fim, na resposta sobre liberdade de expressão, Orlando Silva reafirma que é uma discussão essencial. “A professora lembra que a Liberdade de expressão não é absoluta. O bem maior que é a vida não é absoluto. Imagine, é estranho falar isso, né? Mas a excludente de licitude no código penal brasileiro está no estrito cumprimento, dever legal, legítima defesa. São excludentes que não dão proteção absoluta nem à vida, quiçá a Liberdade de expressão”, argumenta.
Orlando Silva, no encerramento, repetiu a necessidade de participar e informar devidamente o debate público. “Eu concluo dizendo que se eu pudesse pedir algo para vocês, pediria intervenham no debate público, participem do debate público, porque esse é um desafio. Eu sou daqueles que crê que é uma batalha muito importante em curso. Eu não sei qual vai ser o resultado dela, mas nós estamos dando passos adiante. Se nós conseguirmos informar a sociedade Brasileira, nós avançaremos”, concluiu.
O que é o Conselho Mídia e Democracia
O Conselho Mídia e Democracia iniciou suas atividades em abril deste ano como espaço público para ativistas, pesquisadores e organizações da sociedade civil na promoção do diálogo e na concepção de diretrizes que garantam integridade dos ambientes digitais e fortalecimento da Democracia.
O conselho integra o projeto Mídia e Democracia, iniciativa da Delegação da União Europeia e da FGV Escola de Comunicação, Mídia e Informação, composto ainda por outras duas frentes de trabalho: monitoramento e análise de mídias digitais e checagem de informações, em colaboração com a FGV, Agência Lupa e o centro alemão de análise do debate público, Democracy Reporting International (DRI).
O Instituto Novos Paradigmas, INP, é o responsável pela formulação, articulação e operação do Conselho, sob coordenação da jornalista Sandra Bitencourt, Doutora em Comunicação e Informação, e do sociólogo Jorge Branco, doutorando em Ciência Política. O foco da composição do conselho é o de organizações e entidades da sociedade civil que combatem com ações midiáticas, especialmente no ambiente digital, a violência política contra mulheres, pessoas negras, indígenas, quilombolas e LGBTQIA+, além de combater a desinformação que afeta a Amazônia e a agenda climática.