Ataques a lideranças indígenas e discurso nacionalista marcam oposição à Cúpula da Amazônia
Por: FGV ECMI
Por: FGV ECMI
- Evento pauta o debate nas plataformas digitais, potencializando negacionismo ambiental, ataques e deslegitimação de lideranças indígenas e ONGs estrangeiras, sob argumento de proteção aos interesses nacionais;
- Ministros e lideranças políticas aliadas ao Governo repercutem o evento de modo positivo e destacam benefícios para o Brasil, enquanto oposição critica ONGs estrangeiras e associa Lula a Maduro;
- A Cúpula da Amazônia também mobiliza veículos locais do Pará e do Amazonas, que repercutem de maneira positiva o encontro.
A Cúpula da Amazônia foi o tema central das publicações de maior destaque no debate ambiental desde o início de agosto. Tratado com grande expectativa por perfis governistas, o evento motivou novas comparações sobre a condução da pasta ambiental nos governos de Lula e Bolsonaro e foi mobilizado pela oposição para criticar a atuação de ONGs estrangeiras e a relação do atual presidente com Nicolás Maduro. É o que mostra o levantamento da FGV Comunicação Rio, que analisou publicações no X (antigo Twitter), Facebook, Instagram e Telegram.
O debate em torno da Cúpula foi mais substancial no X e no Instagram, redes nas quais a disputa entre os campos políticos foi mais acentuada, e teve menos centralidade no Facebook e no Telegram. No geral, prevaleceu a perspectiva entusiasta difundida por perfis governistas a respeito dos avanços que podem ser proporcionados pelo evento, embora tenham sido registrados ataques a indígenas, publicações atreladas a negacionismo ambiental e críticas a ONGs que atuam na Amazônia.
Debate geral
Evolução do debate ambiental no X (antigo Twitter)
Período: de 01 a 08 de agosto
Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI
- A Cúpula da Amazônia pautou parte considerável das publicações sobre os diferentes temas que compõem o debate ambiental, especialmente a respeito da Amazônia e do desmatamento. Parte significativa da discussão tendeu a ser polarizada entre apoiadores do governo e a oposição, que obteve visibilidade relevante com veículos de mídia hiperpartidária. Atribuiu-se, por exemplo, o aumento de queimadas na Amazônia a Lula e reiterou-se o argumento de que o bioma seria alvo de cobiça internacional, com menção à CPI das ONGs. Essa ideia também teve eco na discussão sobre indígenas, uma vez que a deputada federal da oposição Sílvia Waiãpi (Pl-AP), que é indígena, afirmou que ONGs estrangeiras estariam colocando a soberania do Brasil em xeque;
- Na discussão sobre o agronegócio, opiniões divergentes sobre a CPI do MST ilustram a polarização do debate: enquanto parlamentares governistas apontam que a oposição não teria conseguido apresentar provas para criminalizar o movimento social, a oposição sugeriu que o MST estaria envolvido em crimes de corrupção;
- Operações do Exército contra o garimpo ilegal na Amazônia também tiveram destaque no período, além de prisão de fazendeiro associado ao garimpo e a práticas de grilagem que ameaçou assassinar o presidente Lula. Ainda teve repercussão um alerta de indígenas Yanomamis sobre o retorno de garimpeiros e o aumento de casos de malária em territórios amazônicos.
Principais termos sobre o debate ambiental no X (antigo Twitter)
Período: de 01 a 09 de agosto, às 10
Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI
- A centralidade da Cúpula da Amazônia no debate ambiental no X fica explícita ao observarmos os termos mais frequentes desta discussão. O debate foi pautado, sobretudo, por atores governistas, como Lula, Janja e Geraldo Alckmin, que ressaltam a importância do evento para o Brasil e para o mundo. Na oposição e de modo lateral, a Cúpula foi abordada com ênfase na possível vinda de Nicolás Maduro ao Brasil, com insinuações de que Lula estaria se aproximando de regimes comunistas;
- Entre os temas tratados de modo menos central, também há um predomínio de perfis progressistas, que abordaram, de forma positiva, a visita de Lula ao Rio Tapajós, demarcando oposição ao garimpo ilegal e apontando a suposta relação do ex-presidente Bolsonaro com crimes ambientais. Já a oposição se ancorou em perfis de parlamentares e influenciadores para questionar a legitimidade de lideranças indígenas, como o chamado Bira Sompré, e afirmar que Lula deseja entregar a Amazônia para países estrangeiros, como os Estados Unidos e a Noruega.
Principais links sobre o debate ambiental no Facebook
Período: de 01 a 09 de agosto, às 10h
Fonte: Facebook | Elaboração: FGV ECMI
- Entre os links em destaque no Facebook, há uma prevalência de menções à Cúpula da Amazônia, mas também a operações da Polícia Federal contra invasões de terras e o garimpo ilegal. Além do teor das notícias apontar para a relevância de atos de preservação do bioma e das terras indígenas, não mapeamos links com teor negacionista entre aqueles com maior volume de interações;
- Ao observarmos os atores responsáveis pela circulação destes links, destacam-se veículos mais tradicionais, como Band Jornalismo e CNN, mas sobretudo aqueles com atuação mais segmentada, como o Diário Online DOL, autodenominado o “maior portal de notícias da Amazônia”, TecMundo e a página Compre Rural;
- Vale ressaltar ainda a ausência de veículos hiperpartidários de direita nesta base. Embora tais sites tenham demonstrado forte relevância e participação em outros temas já monitorados pela FGV Comunicação Rio, não há evidências de que este interesse também se manifeste no debate ambiental aqui monitorado.
Cúpula da Amazônia
Evolução do debate sobre a Cúpula da Amazônia no X (antigo Twitter)
Período: de 01 a 08 de agosto
Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI
- A presença do presidente Lula na Cúpula em Belém e as declarações do mandatário sobre o evento motivaram os posts de maior repercussão neste debate. Em geral, esses posts adotaram um tom entusiasmado, salientando a oportunidade para a discussão de soluções sustentáveis para o bioma em cooperação com outros países, com predomínio de atores governistas;
- Veículos hiperpartidários de direita, como Revista Oeste e Jovem Pan News, tiveram alto alcance nesta discussão. A crítica de Lula aos US$ 100 bilhões que teriam sido prometidos e não entregues para a Amazônia, por exemplo, foi ressaltada por esses perfis, assim como a possibilidade de Lula se encontrar com Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, no evento. Ainda afirmou-se que Lula se utilizaria da Cúpula para “doutrinar” crianças com a pauta ambiental, além de estar supostamente “vendendo” a Amazônia para governos e ONGs de outros países;
- Em menor grau de alcance, foram relatados protestos de indivíduos e organizações engajadas na pauta ambiental no evento, como o Greenpeace. Entre as pautas divulgadas nos protestos, estão pedidos de maior ênfase à combustíveis fósseis e as demandas práticas dos povos indígenas, que motivaram uma marcha em Belém em direção ao evento.
Principais termos sobre a Cúpula da Amazônia no X (antigo Twitter)
Período: de 01 a 09 de agosto, às 10h
Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI
- Ao detalharmos os principais termos do debate ambiental, destrinchando apenas aqueles que se relacionam às menções à Cúpula, nota-se uma variedade de narrativas em circulação. Repercutem avanços e propostas discutidas no evento Diálogos Amazônicos, sobretudo a partir de perfis governistas, além da importância da cooperação entre os chefes de Estados de países amazônicos;
- As pautas das mudanças climáticas e do desmatamento também adquiriram proeminência no debate digital, destacando o protagonismo dos povos indígenas e como tais mudanças podem afetar drasticamente diversos países;
- Vale ressaltar ainda que dissensos entre chefes de Estado também repercutiram, sendo enquadrados como entraves a qualquer ato de cooperação internacional. No centro destas discordâncias, a fala do presidente colombiano, Gustavo Petro, em repúdio ao uso de petróleo na Amazônia, foi classificada, tanto pela direita quanto por setores da esquerda, como uma fala “radical” demais;
- Entre a direita, circulam teorias que tratam de globalismo e se referem a Petro enquanto um “socialista” afinado a George Soros. O campo também fez menções à União Europeia ao tratar do Fundo Amazônia, indicando que Lula teria “corrido para embelezar” a capital do Pará para justificar a captação de recursos.
Principais posts sobre o tema no Facebook e no Instagram
Período: de 01 a 09 de agosto, às 10h
Fonte: Facebook e Instagram | Elaboração: FGV ECMI
- Em tom otimista, as declarações de Lula e de outros atores políticos governistas sobre o evento tiveram alta repercussão no Facebook. A ideia geral é de que o presidente e os demais líderes dos países participantes estariam fazendo história com a Cúpula. Na oposição, a principal crítica recaiu sobre a possível participação de Maduro no evento. O cancelamento da participação do presidente venezuelano também teve eco em veículos da mídia tradicional;
- O Instagram seguiu a mesma tendência do Facebook, mesclando atores políticos governamentais, especialmente Lula e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a atores políticos da oposição. No entanto, veículos hiperpartidários de direita tiveram alcance expressivo nesta rede. A não participação do presidente dos Estados Unidos no evento e o possível encontro entre Lula e Maduro foram os temas de maior alcance veiculados por estes perfis, além do suposto menosprezo de Lula por líderes indígenas durante a Cúpula. Embora Maduro tenha anunciado o cancelamento de sua ida ao evento, estes veículos não noticiaram ou não deram ênfase a este fato.
Posts de veículos de mídia local sobre a Cúpula da Amazônia no Facebook
Período: de 01 a 09 de agosto, às 10h
Fonte: Facebook | Elaboração: FGV ECMI
- As publicações de veículos de mídia local estão concentradas no Norte do país, sobretudo no Pará e no Amazonas, estados nos quais o volume de interações em tais posts também se destaca. Veículos e canais de São Paulo, do Alagoas e do Mato Grosso também demonstram interesse pelo tema;
- Nota-se, nesse sentido, uma certa diferença no modo como os veículos de cada estado tratam da Cúpula da Amazônia. No Pará, por exemplo, são evidenciados posts mais progressistas que pautam a luta de povos indígenas, enquanto no Amazonas repercutem diferentes ações contra crimes ambientais. Em ambos, o teor é majoritariamente favorável ao evento.
Mensagens sobre a Cúpula da Amazônia no Telegram
Período: de 01 a 09 de agosto, às 10h | Total de mensagens: 111
Fonte: Telegram | Elaboração: FGV ECMI
- No Telegram, as mensagens sobre a Cúpula da Amazônia não são significativas, em termos de volume, mas auxiliam a disseminar perspectivas negacionistas e conspiratórias, além de eixos desinformativos. Convém destacar, nesse sentido, o papel de algumas figuras políticas nesse processo, a exemplo do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ);
- O mote principal destas mensagens consiste em indicar que, no atual governo, os índices de crimes ambientais teriam piorado, além de conteúdos que sugerem desavenças entre Lula e outros líderes políticos, como Gustavo Petro;
- O papel e a relevância de lideranças indígenas também foi frequentemente questionado no Telegram. Nesse sentido, repercutem agressões e insultos a figuras como o Cacique Raoni, além de mensagens que contestam a legitimidade identitária de sujeitos como a liderança à frente da Secretaria dos Povos Indígenas do Pará, Bira Sompré.