Desinformação, conservadorismo e narrativas transfóbicas orientam projetos de lei com conteúdo antitrans entre 2019 e 2023
Por: Democracy Reporting International e FGV Direito Rio
Por: Democracy Reporting International e FGV Direito Rio
- O presente relatório observa a relação entre a propositura de projetos de lei antitrans na Câmara dos Deputados e as postagens de seus autores e autoras sobre eles nas redes sociais, com suas respectivas repercussões.
- Dos projetos analisados, destacaram-se aqueles sobre os temas: linguagem não-binária, participação de mulheres trans em competições esportivas e realização de cirurgias de transgenitalização e/ou de tratamentos hormonais;
- O perfil dos principais autores e autoras dos projetos revela uma predominância de homens brancos, muitos dos quais são membros de frentes parlamentares com perfil religioso;
- Dentre as principais palavras-chave associadas às propostas legislativas, “mulher(es)”, “homem(ns)”, “família” e “sexo biológico” demarcam a presença de um discurso conservador e binário, em convergência com análise anterior do projeto “Mídia e Democracia” em relação às características do debate sobre pessoas trans no Facebook;
- No Twitter, os projetos mais repercutidos pelos Deputados e Deputadas estão relacionados a cirurgias de redesignação sexual e à participação de mulheres trans em esportes, e a expressão “ideologia de gênero” é recorrentemente acionada.
No período de 2019 a 2023, pelo menos 60 projetos de lei com conteúdo antitrans foram propostos perante a Câmara dos Deputados. Dentre os temas abordados, destacam-se, quantitativamente: linguagem não-binária (com 26 projetos), participação de mulheres trans em competições esportivas (11) e realização de cirurgias de transgenitalização e/ou tratamentos hormonais (10). Cerca de 30% dos(as) 42 parlamentares autores(as) desses projetos utilizaram seus perfis no Twitter para repercuti-los e mobilizar sua audiência online. Na Câmara e na rede social, a predominância (50% e 41,6%, respectivamente) é de parlamentares homens, brancos e com perfil religioso. É o que mostra levantamento da Democracy Reporting International e do Programa de Diversidade e Inclusão da FGV Direito Rio.
Metodologia
Este relatório analisa 60 projetos de lei (PLs) com conteúdo antitrans propostos na Câmara dos Deputados e 64 publicações feitas por alguns de seus(suas) autores(as) sobre os respectivos PLs no Twitter entre 1º de janeiro de 2019 e 30 de abril de 2023. Seus objetivos são: compreender os temas associados aos projetos; identificar o perfil dos(as) parlamentares que os propuseram, e a forma como os apresentam online; e verificar a interação entre o conteúdo dos PLs e aquele de debates no Facebook sobre direitos de pessoas trans, abordados em relatório anterior.
Para a identificação dos projetos de lei, foi realizada busca no portal da Câmara, utilizando uma regra de filtro linguística orientada por levantamentos anteriores com o mesmo objetivo que o do presente relatório e pelos principais temas atuais relacionados a transgeneridade e direitos de pessoas trans no Brasil. Para o conteúdo do Twitter, partimos de uma amostra de 186.968 tweets, que corresponde ao número total de postagens dos(as) autores(as) dos PLs na rede social durante o período de análise, e a filtramos com base nos números e palavras associadas a cada projeto de lei.
A partir da lista de PLs, foram identificados os(as) principais proponentes, seus partidos, e temas abordados. Para categorizar cada um dos projetos, os autores e autoras deste relatório leram seu conteúdo e identificaram seis principais tópicos: 1) “Ideologia de gênero”; 2) Linguagem não-binária; 3) Mulheres trans em esportes; 4) Cirurgias de transgenitalização e/ou terapia hormonal; 5) Banheiros neutros quanto a gênero; e 6) Outros.
Estruturalmente, o relatório conta com quatro seções: (I) "O que é proposto" — que aborda os principais temas dos PLs antitrans e sua distribuição temporal; (II) "Quem propõe" — que analisa o perfil dos partidos e autores(as) dos PLs; (III) "Como se propõe" — que explora as interações entre os PLs antitrans, os debates sobre transgeneridade no Facebook e o uso de palavras-chave; e (IV) "Comunicação online" — que investiga como os(as) parlamentares se comunicaram no Twitter sobre seus projetos de lei.
De forma quantitativa, realizamos comparações temporais entre a quantidade de propostas e as discussões online no Facebook para três temas específicos: “Ideologia de gênero”, Linguagem não-binária e Banheiros neutros quanto a gênero. Também identificamos a frequência de menções de “palavras-chave”, selecionadas pelos autores e autoras deste relatório, em cada projeto de lei, a fim de compreender como os textos abordam questões contemporâneas relacionadas aos direitos das pessoas trans. Além disso, utilizando métricas de engajamento, avaliamos o número de postagens dos(as) principais autores(as) dos PLs e sua repercussão no Twitter.
O que é proposto: Descrição dos Projetos de Lei antitrans e sua distribuição temporal
No âmbito da Câmara dos Deputados, ao menos cinco tópicos relacionados à limitação dos direitos da população trans foram discutidos em forma de PLs entre 2019 e 2023 (Tabela 1): linguagem não-binária (26 projetos), mulheres trans em esportes (11), cirurgias de transgenitalização e/ou terapia hormonal (10), “ideologia de gênero” (7) e banheiros neutros quanto a gênero (3). Ainda houve outros quatro PLs que tiveram como foco a imposição do sexo biológico dos indivíduos em documentos oficiais para fins de identificação civil, matrimônio e questões previdenciárias. Em sua maioria, tratam-se de projetos de leis com potencial de impacto direto em relação a elementos como a representatividade e a inclusão de pessoas trans na sociedade e à autonomia sobre seus corpos e ações.
Tabela 1: Descrição dos PLs com conteúdo antitrans propostos perante a Câmara dos Deputados
Período: de 1° de janeiro 2019 a 30 de abril de 2023
Gráfico 1: Distribuição de Projetos de Lei Antitrans entre 2019 e 2023
Fonte: Câmara dos Deputados | Elaboração: Democracy Reporting International
- Os tópicos linguagem não-binária (25 projetos), mulheres trans em esportes (11) e cirurgias de transgenitalização e/ou terapia hormonal (10) motivaram o maior número de PLs de teor antitrans entre 2019 e 2023. No período analisado, foram registrados dois grandes picos em relação à propositura dos PLs em questão: ao longo do ano de 2021 e nos primeiros meses de 2023, marcados pelo início de um governo de caráter mais progressista que contrasta com uma nova configuração parlamentar, formada nas mesmas eleições, caracterizada por um aumento de parlamentares conservadores.
- Com os números mais expressivos de todo o período observado, a movimentação registrada em 2023, em termos de apresentação de PLs antitrans, sugere uma possível reação dos parlamentares que passaram a constituir a “nova oposição” ao governo no âmbito da Câmara dos Deputados e a explicitação de seus posicionamentos anti-gênero de extrema-direita.
- Em 2023, chama a atenção a ênfase dirigida a tentativas de proibição da linguagem não-binária e, em menor número, as cirurgias de transgenitalização e/ou terapia hormonal. No caso dos PLs que propunham a proibição da linguagem não-binária, uma possível motivação para esse impulsionamento teria sido a discussão acionada pelo uso de termos não-binários por parte do presidente Lula, da primeira-dama Janja da Silva e de ministros do novo governo na cerimônia de posse do mandatário, em janeiro, e pela adoção de termos inclusivos por parte da Agência Brasil, produtora estatal de notícias capitaneada pelo Governo Federal.
- Nesses PLs, a maior preocupação expressada pelos proponentes é de que a linguagem não-binária seja vetada sobretudo em escolas, tanto no ensino em si quanto em materiais pedagógicos. Ainda há PLs que estendem a vedação a instâncias governamentais, culturais, esportivas e publicitárias. Essa tentativa de proibição dialoga diretamente com os PLs que se posicionam contra a chamada “ideologia de gênero”, uma vez que existe uma ênfase na coibição de expressões cisheterodissidentes diversas especialmente no âmbito escolar, mas também nas instâncias governamentais e midiáticas.
- Ainda que em menor número, PLs que vedam a participação de mulheres trans em competições esportivas femininas e banheiros neutros quanto a gênero também foram protocolados em 2023, mantendo o padrão temático com teor antitrans observado em PLs desde 2019.
Quem propõe: Perfil dos partidos e autores(as) associados a Projetos de Lei antitrans
Dentre as 60 propostas de lei analisadas neste relatório, 42 parlamentares foram identificados como proponentes. Entende-se como proponentes os(as) autores(as) que identificamos como autores(as) no texto do projeto de lei. Alguns projetos analisados são co-autorados, entretanto, para esta análise, focamos apenas no(a) parlamentar identificado(a) como principal autor. O gráfico abaixo destaca o perfil destes(as) parlamentares levando em consideração as seguintes categorias: gênero, raça, perfil religioso e se o parlamentar faz parte de alguma Frente religiosa na Câmara dos Deputados.
Gráfico 2: Perfil dos Parlamentares Proponentes de Projetos de Lei Antitrans
Fonte: Câmara dos Deputados | Elaboração: Democracy Reporting International
- Observar a interação das dimensões de gênero, raça e religião dos parlamentares que propõem leis antitrans possibilita mapear um perfil e entender quais são os grupos que impulsionam essas leis no âmbito legislativo. Ao examinar as interseções desses marcadores, podemos identificar suas posicionalidades sociais que indicam possíveis motivações e visões de mundo que podem influenciar suas posições e ações políticas.
- Em relação ao gênero, dos 42 autores principais dos projetos de lei identificados neste relatório, 33 são homens, enquanto apenas 9 são mulheres. A predominância de parlamentares masculinos, representando 78% do grupo analisado, evidencia o perfil do grupo de parlamentares que impulsiona projetos de lei antitrans. No entanto, essa predominância também reflete a atual disparidade de gênero existente na Câmara dos Deputados, onde apenas 17% dos membros são mulheres.
- Quando observamos a raça dos proponentes dos projetos de lei, percebemos uma maioria branca, com 29 parlamentares. Os pardos vêm em segundo lugar, com 8 representantes, seguidos pelos parlamentares pretos, com 4, e amarelo, com 1. É notável que, ao observar as dimensões de gênero e raça, dos 42 autores, verificamos uma presença expressiva de homens brancos, totalizando 21. Os homens são maioria também entre os pardos, onde, dos 8 parlamentares autodeclarados pardos, 7 são homens e 1 é mulher. É importante notar que nenhuma mulher preta ou amarela faz parte do grupo de autores de projetos de lei antitrans.
- Para determinar o perfil religioso dos proponentes dos PLs, os autores deste relatório se basearam em duas fontes. A primeira se refere à autodeclaração religiosa dos parlamentares. Para esse parâmetro neste relatório, consideramos o/a parlamentar como alguém “com identidade religiosa” quando a sua religião era expressa em seu perfil nas redes sociais (Facebook, Instagram e/ou Twitter). Muitos políticos incluem sua religião na “bio” de seus perfis, como o deputado federal do Partido Livre, Fernando Rodolfo, que em sua “bio” do Instagram menciona ser “Cristão e conservador”. Além disso, os parlamentares que são pastores foram considerados religiosos em razão dessa sua ordenação institucional.
- Seguindo essa lógica, foram identificados 19 parlamentares que explicitam sua religiosidade em suas redes sociais, enquanto 23 não especificam sua religião. É importante ressaltar que os 23 parlamentares não autodeclarados como religiosos podem ou não pertencer a alguma religião e ter valores baseados nisso, mas sua posição perante a religião não está explicitamente mencionada em suas redes sociais.
- A segunda categoria está relacionada à participação dos proponentes dos PLs nas frentes parlamentares com perfil religioso da Câmara dos Deputados. Atualmente, as duas frentes são: Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional e a Frente Parlamentar Católica Apostólica Romana. Dos 42 parlamentares analisados, 34 fazem parte de pelo menos uma dessas bancadas, sendo que 10 parlamentares fazem parte de ambas. Os parlamentares que estão nas duas frentes são Bia Kicis (PL), Carla Zambelli (PL), Caroline de Toni (PL), Coronel Chrisóstomo (PL), Eli Borges (PL), Fernando Rodolfo (PL), Kim Kataguiri (UNIÃO), Lincoln Portela (PL), Otoni de Paula (PSC) e Pastor Eurico (PATRIOTA). Apenas oito parlamentares não fazem parte de nenhuma das frentes parlamentares, sendo seis homens e duas mulheres.
- A maioria religiosa identificada nos ajuda a compreender o panorama religioso dos proponentes das leis e a investigar possíveis influências religiosas na formulação de suas posições políticas. Além disso, é importante compreender o perfil dos parlamentares que fazem parte dessas frentes parlamentares. O Gráfico 3 apresenta a distribuição de gênero e raça entre os 34 parlamentares incluídos nessas frentes.
Gráfico 3: Gênero e raça dos(as) parlamentares que integram as Frentes Parlamentares Evangélica e/ou Católica
Fonte: Câmara dos Deputados | Elaboração: Democracy Reporting International
- A análise dos dados apresentados no gráfico acima revela algumas tendências importantes. Primeiramente, observa-se uma maioria branca significativa, com 28 parlamentares. Além disso, há uma predominância masculina, com 17 homens em relação a 7 mulheres. É importante ressaltar que as mulheres, amplamente subrepresentadas na política e nos demais espaços de poder, são minoria em todas as categorias analisadas. No caso das mulheres, são identificadas apenas 7: 6 parlamentares brancas e 1 parlamentar parda, enquanto nenhuma mulher preta ou amarela faz parte do grupo analisado.
- Essa análise nos ajuda a mapear um perfil mais completo e a compreender como diferentes identidades estão representadas no grupo que impulsiona essas leis antitrans no âmbito legislativo. Ao considerar a interseccionalidade entre gênero, raça e religião, podemos ter uma compreensão mais abrangente das dinâmicas envolvidas na proposição de leis antitrans.
Gráfico 4: Heatmap de tópicos com maior número de Projetos de Lei Antitrans por Partido
Fonte: Câmara dos Deputados | Elaboração: Democracy Reporting International
- O gráfico acima é nomeado heatmap, também conhecido como mapa de calor. Ele foi criado a partir do número de projetos de lei propostos por partido. Essa representação permite identificar tendências e padrões em relação aos temas em relação aos quais os partidos propõem mais leis. No gráfico, as cores são usadas para representar diferentes valores, sendo que, quanto mais escura a cor, maior é o número de projetos de lei encontrados para cada partido e tema e, quanto mais clara, menor o número.
- A partir do Gráfico 4, é evidente que o Partido Liberal (PL) e o Partido Social Liberal (PSL) se destacam como os partidos com o maior número de projetos legislativos que apresentam uma posição restritiva em relação à questão de gênero e às pessoas trans. O PL lidera com 17 propostas no total, enquanto o PSL tem 13 propostas antitrans.
- Os dados revelam um engajamento significativo dos partidos em propor medidas que visam restringir e limitar os direitos e as identidades trans. Os principais temas de propostas de lei de autoria de parlamentares do PL são em relação à linguagem não-binária (7), restrições à cirurgia de transgenitalização e/ou tratamento hormonal (4) e mulheres trans em esportes (3). Em relação ao PSL, os números são 4, 3 e 2 respectivamente.
- Entre os diversos tópicos abordados nas propostas dos outros partidos, destaca-se a linguagem não-binária como o tema que recebe a maior quantidade de propostas. Das 60 propostas analisadas, um total de 25 propostas estão relacionadas ao tema. O partido UNIÃO também se destaca, tendo 5 projetos de lei apresentados entre 2019 e 2023.
Como se propõe: Intercruzamentos entre projetos de lei antitrans, debates sobre transgeneridade no Facebook e identificação de palavras-chave
Ao compararmos os temas dos projetos de lei analisados neste relatório com aqueles que identificamos anteriormente no debate sobre transgeneridade e direitos de pessoas trans em grupos públicos no Facebook, vemos que alguns assuntos se intercruzam. São eles: “ideologia de gênero”, linguagem não-binária e banheiros neutros quanto a gênero. Nesses casos, é possível notar como reivindicações políticas associadas a pessoas LGBTQIA+ e, mais especificamente, a pessoas trans, são abordadas de forma similar tanto no campo político quanto online.
Os gráficos abaixo (5, 6 e 7) relacionam, por um lado, a média de postagens sobre os temas mencionados acima no Facebook, dado este que discutimos no último relatório, e, por outro, o número de projetos de lei sobre os mesmos temas. No eixo esquerdo, observa-se a média de postagens e, no direito, o número de PLs.
Gráfico 5: Correlação entre Projetos de Lei na Câmara dos Deputados e postagens no Facebook sobre linguagem não-binária
Fonte: Facebook e Câmara dos Deputados | Elaboração: Democracy Reporting International
- Em relação ao tema “linguagem não-binária”, dois padrões se destacam: em 2021, o pico convergente entre manifestações sobre o assunto no Facebook e a propositura de PLs que buscam proibir o ensino desta forma de linguagem em escolas; e, durante os primeiros quatro meses de 2023, a crescente de projetos de lei que chegaram à Câmara dos Deputados.
- Embora não tenhamos identificado a causa específica do primeiro pico, alguns eventos de 2021 sugerem o porquê de sua ocorrência. Naquele ano, pelo menos duas ações judiciais sobre linguagem não-binária chegaram ao STF, com repercussão na mídia: a primeira delas (ADI 6925), proposta pelo Partido dos Trabalhadores (PT) no mês de julho, questiona a constitucionalidade de Decreto do Governador de Santa Catarina que proíbe a utilização de “novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa” em escolas e por órgãos públicos do Estado; a segunda (ADI 7019), protocolada em novembro pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino, também alegou a inconstitucionalidade de uma lei do Estado de Rondônia com teor semelhante ao do Decreto catarinense.
- Para além disso, ainda em 2021, quando se iniciou a discussão sobre a volta às aulas presenciais — interrompidas por conta da pandemia de Covid-19 —, também se observou um pico de projetos de lei nas assembleias legislativas estaduais contra o ensino da linguagem não-binária. Foram pelo menos 24 PLs propostos em diferentes estados, muitos deles associados pela mídia a parlamentares de perfil bolsonarista após “uma malsucedida onda de projetos do Escola Sem Partido”.
- As movimentações dos poderes Executivo e Legislativo em tensão com o Judiciário, portanto, indicam que havia naquele momento um objetivo comum de regular o assunto na esfera legal. Isso se insere em um contexto de preocupação com o retorno às salas de aula que, até aquele momento, estavam majoritariamente transpostas para ambientes online que poderiam ser acompanhados pelas mães e pais.
- Nesse sentido, a razão anunciada para a propositura de alguns dos PLs de 2021 que analisamos seria a adoção, em escolas, de orientações para o uso da linguagem não-binária, o que estaria, supostamente, causando confusão. A principal linha de argumentação presente em suas justificativas é a de que a mudança proposta é fruto de uma “visão ideológica” (PL 173/2021), orientada por “critérios ideológicos” (PL 211/2021), que, propagando uma suposta invenção, uma “neolinguagem” (PL 3310/2021) que ameaçaria a Língua Portuguesa, deveria ser barrada para proteger o processo pedagógico de crianças e jovens.
- Nesse sentido, os projetos acionaram discursos mais explícitos contra a linguagem não-binária, o que se diferencia do que identificamos anteriormente no Facebook; isso porque, na rede social, a maioria das postagens sobre o assunto o abordaram com tom de zombaria. Por outro lado, embora não seja possível dizer se as razões para o pico de publicações e o pico de projetos de lei são as mesmas, destaca-se a semelhança de que, tanto nos grupos públicos do Facebook quanto na Câmara, o tema é debatido reiteradamente de forma associada à educação.
Em 2023, ano em que identificamos o segundo pico, as propostas seguem com conteúdo semelhante, destacando o caráter patrimonial e cultural da Língua Portuguesa, rechaçando a alegada investida ideológica e indicando, algumas vezes, que este seria um movimento que levaria à “ditadura de uma minoria” (PL 493/2023), ameaçando a própria democracia. Nenhum desses projetos de lei, contudo, foi aprovado pelo Congresso Nacional; a desproporcionalidade entre PLs propostos e postagens sobre o assunto pode sugerir que o assunto continua sem repercussão online significativa.
Gráfico 6: Correlação entre Projetos de Lei na Câmara dos Deputados e postagens no Facebook sobre banheiros neutros quanto a gênero
Fonte: Facebook e Câmara dos Deputados | Elaboração: Democracy Reporting International
- Em termos quantitativos, as propostas legislativas para impedir a implementação de banheiros neutros quanto a gênero são poucas. Assim como nos grupos públicos do Facebook que analisamos anteriormente, também encontramos nos PLs referência a esses espaços como “banheiro unissex” (PL 4019/2021); nas outras propostas, a referência é feita como “banheiros que determinem o uso comum de pessoas de sexos biologicamente distintos” (PLs 4036/2021 e 1601/2023), demarcando o sexo biológico como critério diferenciador entre pessoas.
- Ao contrário da distinção identificada entre os PLs e postagens sobre linguagem não-binária, nesse caso, os dois últimos PLs mencionados acima replicam alguns dos argumentos que identificamos no Facebook, principalmente aquele segundo o qual mulheres e crianças estariam em risco caso banheiros como esses sejam disponibilizados para uso. Isso porque, em razão da suposta “lacuna” criada por esses espaços, “criminosos mal-intencionados” (PL 4036/2021) poderiam se aproveitar para cometer crimes de violência sexual.
- Enquanto os dois PLs de 2021 buscam proibir a criação desse tipo de banheiro em espaços como estabelecimentos comerciais e ambientes de trabalho, aquele proposto em 2023 é delimitado ao ambiente escolar. As justificativas deste último, contudo, não são significativamente distintas das demais. Sua principal diferença é a previsão de que, caso haja apenas um banheiro a ser utilizado pelo corpo docente, ele deve ser identificado como “banheiro único”.
Gráfico 7: Correlação entre Projetos de Lei na Câmara dos Deputados e postagens no Facebook sobre “ideologia de gênero”
Fonte: Facebook e Câmara dos Deputados | Elaboração: Democracy Reporting International
- O primeiro dos projetos de lei propostos em 2019, o PL 246/2019, tramita como apenso ao PL 7180/2014, sendo mais uma das tentativas de emplacar o “Programa Escola sem Partido” no Poder Legislativo. Embora não mencione, explicitamente, a expressão “ideologia de gênero”, declara como objetivo proibir que, em escolas públicas, haja “qualquer forma de dogmatismo ou proselitismo na abordagem das questões de gênero”. Temporalmente, o PL converge com o pico de menções à expressão no Facebook, valendo ressaltar que metade das propostas legislativas sobre o assunto foram apresentadas em 2019, no primeiro ano do governo do ex-Presidente Jair Bolsonaro.
- Para além deste, os PLs 258/2019, 4893/2020, 4520/2021 e 660/2023 também estão diretamente relacionados com a proibição da “ideologia de gênero” nas escolas. Estes projetos buscam proibir a “aplicação da ideologia de gênero”, ou “dos postulados da teoria ou ideologia de gênero”, ou que seja ministrado “conteúdo relacionado a ideologia de gênero” em instituições de ensino públicas.
- Nesse sentido, os projetos também procuram estabelecer limites à autonomia docente, estando explícito nas justificações dos PLs 246/2019 e 660/2023, por exemplo, que “Não existe liberdade de expressão no exercício estrito da atividade docente”. Os PLs 4893/2020 e 4520/2021, seguindo a mesma linha, propõem a tipificação penal do ensino de conteúdo relacionado à “ideologia de gênero” nas escolas, sugerindo que os principais autores dos supostos crimes seriam professores e professoras.
- Em todos os PLs, a “ideologia de gênero” é mencionada sem especificação de seu conteúdo. Para demarcar assuntos proibidos para o Poder Público e sugerir os contornos dados à expressão, usam termos como “opção sexual”, “gênero”, “orientação sexual” e “diversidade sexual”. De modo geral, contudo, sua aplicação parece ser feita com o mesmo objetivo de criação de “pânico moral” que pudemos identificar no Facebook, uma vez que seu conteúdo se alinha com o das postagens online, cujo principal objetivo parece ser inviabilizar o avanço de direitos e políticas que beneficiem a população LGBTQIA+ e, em especial, pessoas trans.
O gráfico abaixo mostra a quantidade de vezes que palavras-chave identificadas pelos autores e autoras deste relatório aparecem nos projetos de lei analisados. A lista de palavras foi criada a partir daquelas mais mencionadas nos PLs (a partir das quais fizemos a primeira seleção das mais relevantes de acordo com a temática do relatório), da leitura dos conteúdos dos projetos de lei, e das discussões atuais envolvendo direitos de pessoas trans no Brasil. A partir do resultado final (Gráfico 8), é possível identificar alguns elementos e posicionamentos centrais para justificar a propositura dos projetos de lei.
Gráfico 8: Número de menções de palavras-chave em Projetos de Lei Antitrans
Fonte: Câmara dos Deputados | Elaboração: Democracy Reporting International (DRI)
- As palavras “mulher(es)”, “homem(ns)”, “sexo biológico” e “testosterona” aparecem predominantemente nos projetos de lei agrupados pelo tema “Mulheres trans em esportes”. Neles, o argumento comum é o de que a divisão entre homens e mulheres nos esportes deve ser orientada pelo sexo biológico de cada um(a) e que mulheres trans, por supostamente aferirem vantagem em razão do desenvolvimento de seus corpos com níveis de testosterona mais elevados que os de mulheres cis, não poderiam competir com as últimas.
- As propostas legislativas, baseadas em supostas comprovações científicas sobre a vantagem alegada, são permeadas por afirmações transfóbicas ou desinformativas. Desse conjunto, destacam-se a “proibição da participação de atletas transexuais do sexo masculino (HOMENS TRAVESTIDOS OU FANTASIADOS DE MULHER” (PL 2200/2019) e as ressalvas de que não se pretende prejudicar as “opções pessoais” (PL 1728/2021) ou “opções de vida privada” (PL 2639/2019) de homens e mulheres, sugerindo que a transgeneridade é uma escolha.
- O segundo tema mais recorrente envolvendo as palavras “mulher(es)” e “homem(ns)”, que agrega também oito PLs com menções a “crianças”, é o de linguagem não-binária. Nesse caso, as primeiras palavras aparecem em passagens que questionam o uso de pronomes neutros, demarcando as diferenciações binárias entre feminino e masculino da Língua Portuguesa.
- A palavra “crianças”, por sua vez, aparece para identificar que esse seria o principal grupo prejudicado pelo uso da linguagem não-binária nas escolas, conforme já mencionado anteriormente. Os ditos valores da “família tradicional” (PL 467/2023), ou da “Família Brasileira”, ou da “família natural” (PL 493/2023), também são mencionados como algo a ser protegido contra o avanço da “linguagem neutra” e da “tirania de uma minoria” (PL 493/2023).
- Por fim, o tema “Cirurgia de transgenitalização e/ou tratamento hormonal” também reúne oito PLs que mencionam a palavra “crianças” pelo menos uma vez. Isso porque, conforme mencionado na seção “O que é proposto: Descrição dos PLs antitrans e sua distribuição temporal”, a maioria deles tem como objetivo proibir tratamentos relacionados à transição de gênero para pessoas menores de 18 ou 21 anos.
- A maioria (6 de 8) dos PLs que mencionam crianças e que pertencem ao tema prevêem a criminalização de “cirurgias de trangenitalismo (sic) e do tratamento de redesignação sexual” (PL 3419/2019). No PL 4553/2021, o crime é denominado “lesão sexual permanente” e estabelece idade mínima de 18 anos para realizar a redesignação; no PL 3492/2019, caso resulte em morte, o nome do crime seria “Morte para imposição de ideologia de gênero”.
- Em relação a este último PL, há menção explícita ao Caso Rhuan Maycon, que daria nome à lei, caso o projeto fosse aprovado. De acordo com julgamento do Tribunal do Júri, Rhuan foi assassinado por sua mãe e companheira após ter sido submetido a uma série de tratamentos violentos — dentre eles, a retirada de seus órgãos genitais. Ocorrido em 2019, primeiro ano de mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro, o caso foi repercutido por ele e seus apoiadores, tendo sido dito que, por serem um casal de mulheres lésbicas, a mãe da vítima e sua companheira queriam modificar o gênero da criança, motivadas pela “ideologia de gênero”. A associação entre a “ideologia” e a mutilação genital, contudo, não foi noticiada como sendo parte integrante da denúncia apresentada pelo Ministério Público (MP), sugerindo que este poderia ser mais um uso político da expressão.
Menção a palavras-chave nos PLs do tópico “Ideologia de gênero”
Ao olharmos apenas para os PLs que mencionam a expressão “ideologia de gênero” em conjunto com as palavras-chave identificadas anteriormente, também é possível verificar algumas de suas principais associações (Gráfico 9). Notamos, portanto, como a expressão aparece quase sempre acompanhada das palavras “crianças” (26 vezes em 7 dos PLs) e “família” (9 vezes em 6 dos PLs), indicando, mais uma vez, a alegação de que haveria um estado de coisas a ser protegido, cuja ameaça seriam supostas tentativas de implementar a dita “ideologia” no Poder Público ou em escolas.
O heatmap abaixo foi criado a partir do número de menções de palavras-chave quando a expressão “ideologia de gênero” é mencionada em algum projeto de lei. No gráfico, as cores são usadas para representar diferentes valores, sendo que quanto mais escura a cor, maior é o número de menções de palavras-chave em um determinado PL e, quanto mais clara, menor o número.
Gráfico 9: Heatmap do número de menções a palavras-chave quando “Ideologia de Gênero” é mencionada em Projetos de Lei Antitrans
Fonte: Câmara dos Deputados | Elaboração: Democracy Reporting International (DRI)
- O tema que reúne o maior número de PLs incluídos nesta análise é o de “Ideologia de gênero” (PLs 1239/2019, 4893/2020, 2594/2021 e 4520/2021), seguido por Linguagem não-binária (PLs 467/2023, 493/2023), Cirurgia de transgenitalização e/ou tratamento hormonal (PL 3492/2019) e Outros (PL 2578/2020). Para o primeiro grupo, a associação era esperada, em razão da categorização que orienta o relatório; para o segundo, a expressão está relacionada com as alegações de que o ensino da linguagem não-binária derivaria da dita “ideologia”.
- O PL 3492/2019 e o PL 2578/2020 tratam, respectivamente, da criação do crime de “morte por ideologia de gênero”, ligado ao Caso Rhuan Maycon (mencionado acima), e da proposta para tornar “tanto o sexo biológico como as características sexuais primárias e cromossômicas” em elementos definidores do gênero de cada pessoa. Ambos, portanto, ligados à manutenção da divisão binária de gêneros orientada pelo sexo biológico — divisão esta sinalizada também pela ocorrência significativa das palavras “mulher(es)” e “homem(ns)”.
- Dos projetos analisados, o PL 1239/2019 se destaca por mencionar, pelo menos uma vez, todas as palavras-chave que selecionamos. Nele, propõe-se que o Poder Público seja proibido de destinar recursos financeiros para “ações de difusão, implantação e valorização de IDEOLOGIA DE GÊNERO, de forma direta ou indireta”. Embora não especifique quais ações seriam essas, indica que estariam incluídas ações de comunicação e propaganda, assim como culturais, que façam alusão à “prática da ideologia de gênero”.
- Em sua justificativa, o projeto segue uma narrativa marcadamente religiosa, com menções a Deus, Jesus, e orientada pela necessidade de proteção da família, das crianças e do “caráter natural e Divino da criação humana”; nesse sentido, reitera as características sexuais como elementos definidores do gênero. Portanto, a “ideologia de gênero”, definida no PL como “doutrinação maléfica vinda do inferno” e conceituada como “abstração filosófica da norte-americana Judith Butler” (sem citação de quaisquer fontes), colocaria em risco a “família criada por Deus”.
- Relacionado tematicamente ao PL 1239/2019, está o PL 2594/2021, que também prevê a proibição de propagandas com conteúdo relacionado à “ideologia de gênero” ou que façam alusão à sua “prática”. Neste último, contudo, a regulação seria em relação à “programação televisiva e no rádio” como um todo. A partir de uma perspectiva mais ampla, ambos podem ser associados a investidas em contexto global contra ditas “propagandas pró-LGBTQIA+”, como, por exemplo, a “Answer to Blinken”, como foi apelidada a versão mais atual da lei russa de 2013 que proíbe a “propaganda gay”.
Comunicação online: como os(as) autores(as) de Projetos de Lei com conteúdo antitrans repercutiram suas propostas no Twitter
O gráfico abaixo mostra o número de tweets em comparação com a média de reações que os(as) principais autores(as) de PLs receberam em postagens referentes aos seus projetos de lei. No eixo esquerdo, observa-se o número de tweets e no direito a média das reações. Os tweets analisados foram encontrados por meio da filtragem da amostra inicial utilizando palavras-chave e os números dos PLs. A média de reações foi encontrada somando os números de likes, compartilhamentos e comentários por postagem e dividindo pela soma total de postagens por parlamentar.
Gráfico 10: Relação entre quantidade de postagens sobre PLs antitrans e média de interações no Twitter
Fonte: Câmara dos Deputados | Elaboração: Democracy Reporting International (DRI)
- Dos(as) 42 parlamentares identificados como principais autores(as) dos PLs que analisamos, apenas 12 fizeram alguma publicação sobre seus respectivos projetos no Twitter. Ao contrário da grande disparidade de gênero que identificamos para a amostra total, nesse caso, a proporção é de 5 mulheres para 7 homens; por outro lado, a maioria (83,3%) continua sendo de homens e mulheres brancas, e apenas a Deputada Coronel Fernanda não faz parte de nenhuma frente parlamentar com perfil religioso. Dentre os partidos, destacam-se o PL, com 7 parlamentares, e o União Brasil, com 3.
- É possível notar que Bia Kicis (PL/DF) é a parlamentar com o maior número de tweets, totalizando 14 postagens (Gráfico 10). Em seguida, temos Carla Zambelli (PL/SP) com 16 tweets, Sóstenes Cavalcante (PL/RJ) com 11 tweets e Guilherme Derrite (PL/SP) com 9. Quanto à média de reações, Mario Frias (PL/SP) lidera com uma média de 8.572 reações por tweet, seguido por Bia Kicis, com 7.170 reações. Kim Kataguiri (UNIÃO/SP) e Carla Zambelli também têm uma média relativamente alta, com médias de 4.267 e 2.554 de reações, respectivamente.
- Embora tenhamos identificado, ao menos uma vez, PLs de todos os tópicos nas postagens de seus(suas) respectivos(as) autores(as) no Twitter, notamos uma prevalência daquelas sobre “Cirurgia de transgenitalização e/ou tratamento hormonal” (24) e “Mulheres trans em esportes” (23). O PL 3492/2019, por exemplo, associado ao primeiro tópico, é mencionado 20 vezes, enquanto os PLs 2639/2019, 3396/2020 e 1670/2021, todos sobre a participação de mulheres trans em competições esportivas, são mencionados, no total, 21 vezes.
- Os tópicos em destaque convergem com os(as) parlamentares que fizeram o maior número de postagens. Sobre o tópico “Cirurgia de transgenitalização e/ou tratamento hormonal”, Carla Zambelli publicou pelo menos 15 tweets, e Bia Kicis publicou 5; sobre “Mulheres trans em esportes”, Kicis postou 6 vezes, Sóstenes postou 11 vezes e Derrite 5 vezes.
Fonte: Twitter | Elaboração: Programa de Diversidade e Inclusão (FGV Direito Rio)
- Ao abordar projetos de lei cujo objetivo é regulamentar cirurgias de redesignação sexual e/ou tratamentos hormonais, a ampla maioria (20 de um universo de 24) das postagens feitas pelos(as) parlamentares foram sobre o PL 3492/2019. O projeto, que daria origem à mencionada “Lei Rhuan Maycon”, foi repercutido por Carla Zambelli e Bia Kicis, co-autoras da proposta ao lado de Eduardo Bolsonaro (PL/SP), para destacar seu principal objetivo (aumentar a “pena do homicídio causado por ideologia de gênero”) e atualizar seus seguidores sobre as suas movimentações legislativas.
- A maioria das postagens sobre o assunto é de maio de 2021, quando o projeto foi submetido e aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Nelas, a principal identificação do projeto é a de que, se transformado em lei, aumentaria para 50 anos a pena de “abusadores e homicidas de crianças”. A intervenção corporal, portanto, é associada ao crime de homicídio, reforçando a narrativa de que as pessoas condenadas pela morte de Rhuan Maycon foram motivadas pela “imposição de ideologia para inversão do sexo biológico”, conforme consta no PL como possível razão para o crime proposto.
Fonte: Twitter | Elaboração: Programa de Diversidade e Inclusão (FGV Direito Rio)
- Embora com número menor de postagens quando em comparação com aquelas sobre o PL 3492/2019, o Deputado Mario Farias foi quem conseguiu a maior média de interações por publicação. Ao abordar, no Twitter, o PL 269/2023, do qual é autor, ele sinalizou que a proposta para determinar idades mínimas para realização de cirurgias de redesignação sexual e tratamentos hormonais estaria relacionada com um suposto movimento de castração e mutilação de “crianças e adolescentes em nome da ideologia de gênero”.
- Ao tratar de seus projetos de lei, que buscam impedir a participação de mulheres trans na categoria feminina de competições esportivas, Kicis, Sóstenes e Derrite replicaram o argumento de que estas mulheres teriam “vantagem” quando em comparação com competidoras cisgêneras. Indicam, ainda, que a medida seria para garantir a “justiça” e que a participação de mulheres trans estaria “destruindo os sonhos de muitas meninas e mulheres”.
- Para além dos(as) parlamentares mencionados(as), apenas Caroline de Toni (PL/SC) também se manifestou no Twitter sobre o mesmo tópico. Comentando notícia de que a Federação Internacional de Atletismo proibiu a participação de mulheres trans em provas internacionais de atletismo, ela disse: “É o justo, é o certo, sempre funcionou e é preciso impedir que a esquerda destrua isso também. Por isso apresentei em 2022 o PL do Esporte Justo (PL 2146/22), para que esportistas disputem as categorias masculinas e femininas conforme o seus respectivos sexos biológicos”.
- A respeito do tópico “Ideologia de gênero”, quase todas as postagens identificadas (4 de um total de 5) estão relacionadas com o PL 246/2019, que busca instituir o “Programa Escola sem Partido”. Bia Kicis é responsável por três das publicações, enquanto Carla Zambelli postou uma vez. Em ambos os casos, as deputadas apenas mencionam a existência do projeto, com Kicis frisando que o PL foi apresentado no primeiro dia de seu primeiro mandato.
- Sobre “Linguagem não-binária”, identificamos 10 publicações, sendo 4 delas de autoria do Deputado Guilherme Derrite (PL/SP). Ao mencionar o PL 5248/20, o autor do projeto também se refere a “ideologia de gênero” e associa supostos livros com “conteúdos sexuais impróprios” com a necessidade de impedir a adoção da linguagem não-binária em escolas.
Fonte: Twitter | Elaboração: Programa de Diversidade e Inclusão (FGV Direito Rio)
- Além de Derrite, Kim Kataguiri (UNIÃO), Geovania de Sá (PSDB/SC), Coronel Fernanda (PL/MT), Caroline de Toni, Julio Cesar Ribeiro (REPUBLICANOS/DF) e Delegado Freitas (UNIÃO/MG) postaram pelo menos uma vez cada sobre o tema. Todos eles mencionaram seus respectivos projetos de lei contra a linguagem não-binária e destacaram a necessidade de proibí-la em instituições de ensino. Assim como nos textos dos PLs, também há menção a crianças como grupo a ser protegido (e.g. “Estão tentando confundir nossas crianças e impor o radicalismo de esquerda no nosso país”).
- Os tópicos “Banheiros neutros quanto a gênero” e “Outros” apareceram em apenas uma publicação cada. A primeira, do Deputado Julio Cesar Ribeiro e mencionando o PL 4019/2021, que busca “proibir a instalação e a adequação de banheiros e assemelhados na modalidade unissex”; e a segunda, do Deputado David Soares (UNIÃO/SP), em que ele compartilha um vídeo explicando o teor do PL 1596/2023, cujo objetivo é que, no momento do casamento em cartório, seja informado o sexo biológico das pessoas envolvidas. No vídeo, com apenas dois likes e 48 visualizações, o Deputado indica que sua proposta está “de acordo com a palavra de Deus”.
Elaborado por:
Ligia Fabris (Professora da FGV Direito Rio e Coordenadora do Projeto “Mídia e Democracia” na Escola de Direito)
Victor Giusti (Pesquisador da FGV Direito Rio/ Projeto “Mídia e Democracia”)
Beatriz Saab (Pesquisadora de Democracia Digital na Democracy Reporting International)