Antagonismo entre ruralistas e ambientalistas atravessa discussão sobre CPI do MST, que é protagonizada pela oposição ao governo

Por: FGV ECMI 

 

Por: FGV ECMI 

 

  • No Twitter, o grupo crítico ao MST somou mais de 55% dos perfis e 53% das interações. Parlamentares diretamente envolvidos na CPI e veículos hiperpartidários tiveram proeminência no debate;
  • A participação de Ricardo Salles como relator da Comissão foi um dos pontos mais criticados pelo grupo favorável ao MST, que apontou suposto enviesamento em favor da bancada ruralista;
  • Excertos de embates diretos entre os membros da CPI foram as publicações de maior destaque no Instagram e no YouTube. No Facebook, o grupo pró-MST teve quantidade superior de posts, mas menor alcance do que os opositores ao governo.

 

Uma disputa de narrativas entre ambientalistas e ruralistas marcou o debate sobre a CPI do MST ao longo dos 40 dias decorridos desde sua instalação. Com um discurso que classifica o movimento social como um “grupo terrorista do campo”, a oposição ao governo teve protagonismo no Twitter, com mais de 50% dos perfis e interações. Por outro lado, grupos progressistas se destacaram com denúncias de supostas relações escusas entre membros da bancada ruralista e empresários do agronegócio. É o que mostra o levantamento da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV, que analisou cerca de 300 mil postagens e mensagens sobre o tema no Twitter, Facebook, Instagram e Telegram entre 17 de maio e 26 de junho.

Além do Twitter, a oposição ao governo teve alta aderência no YouTube e no Telegram. No Facebook, por sua vez, o debate tendeu a ser mais equilibrado entre os campos políticos, enquanto no Instagram os grupos favoráveis ao MST tiveram maior alcance ao destacar trechos de discussões durante a CPI, com notório protagonismo da deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP). No Telegram, discursos anticomunistas e mensagens de cunho sensacionalista contra o MST compuseram as mensagens de maior circulação na plataforma, com destaque para a denúncia de supostos “campos de doutrinação comunista” que seriam mantidos pelo movimento social.

 

Debate geral



Evolução do debate sobre a CPI do MST no Twitter 

Período: de 17 de maio a 26 de junho

gráfico de evolução

Fonte: Twitter | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

 

  • Nos 40 dias decorridos desde sua instalação em 17 de maio, a CPI do MST mobilizou cerca de 444 mil menções na plataforma. O maior pico do debate ocorreu no contexto do início dos trabalhos da Comissão, em 23 de maio, e é seguido por decrescentes altas que coincidem com as datas das reuniões realizadas até então, em 29, 30 e 31 de maio, além de 13, 14, 20 e 21 de junho;
  • Nesses termos, o pico de menções entre os dias 23 e 24 coloca em destaque trechos das falas de parlamentares de oposição. O embate entre a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e o presidente da Comissão, Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), também repercutiu na plataforma, sobretudo entre progressistas críticos à existência da CPI e à sua composição bolsonarista. Eles destacam negativamente o corte do microfone da deputada, o que motivou um pedido de investigação sobre violência política de gênero;
  • Recortes semelhantes justificam os demais picos de menções. Pode-se ressaltar o embate entre Sâmia Bomfim e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (UNIÃO), nas reuniões de fim de maio, e a participação do professor José Geraldo de Sousa, da UNB, em reunião de meados de junho, com destaque para a resposta dada por ele à parlamentar Caroline De Toni (PL-SC);
  • Outros episódios relativos à CPI tiveram alto alcance na rede e expressam o embate de narrativas e interesses entre o movimento social e o agronegócio. O pico de 15 de junho, por exemplo, foi motivado pela notícia de que Ricardo Salles e Zucco Luciano (Republicanos-RS) poderiam ser afastados da Comissão após invadirem casas de assentados em São Paulo;
  • Sobre o episódio supracitado, teve destaque ainda o momento em que Sâmia Bomfim acusou Salles de defender madeireiros, enquanto ministro, e de defender grileiros no atual momento. Nesse contexto, o ex-ministro foi classificado por perfis ambientalistas como “ecocida”. No mesmo período, também teve alcance expressivo o pedido para que empresários do agronegócio depusessem à CPI por denúncias de trabalho análogo à escravidão.

 

Principais termos sobre a CPI do MST no Twitter 

Período: de 17 de maio a 26 de junho

nuvem de palavras

Fonte: Twitter | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

 

  • Em geral, o debate sobre a Comissão é marcado pela repercussão de falas e acontecimentos ocorridos nas reuniões, o que é evidenciado pelo destaque nominal aos parlamentares que compõem a CPI. Há marcada proeminência também para o relator Ricardo Salles e o presidente Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS);
  • O debate sobre as reuniões é polarizado entre os campos políticos, com disputas de fundo sobre o enquadramento político das atividades do MST e outros movimentos sociais organizados em torno do tema. Para os usuários que defendem a atuação do MST, a investigação tem como objetivo “criminalizar o movimento social”, enquanto críticos falam em “oportunidade para responsabilizar o grupo por atos terroristas”;
  • Os eixos em disputa também se estendem a temas ambientais correlatos à atuação do MST. Nesses termos, a eleição de Salles como relator é fortemente criticada pelo campo progressista, já que o ex-ministro do Meio Ambiente possuiria histórica atuação em favor do agronegócio e da flexibilização de leis ambientais;
  • Dessa forma, a pauta política da reforma agrária fica em evidência ao ser diretamente atrelada aos debates transcorridos nas sessões legislativas. Entre progressistas, há a reprodução de trechos das reuniões, como as falas de especialistas em defesa do tema, e críticas à CPI por alegadamente representar os interesses da “bancada ruralista” e do “agronegócio”;
  • O grupo também se mobiliza, em apoio ao MST, com a hashtag #tocommst. Já aqueles que defendem a abordagem da CPI se concentram em apresentar denúncias associadas à menção ao “terror no campo”, caracterizando as ações do movimento como criminosas. Tuítes de parlamentares e trechos das sessões se destacam em ambas as perspectivas.

 

Mapa de interações sobre o tema no Twitter

Período: de 17 de maio a 26 de junho | Quantidade de publicações: 295.200

grafo-twitter



Fonte: Twitter | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

 

Anti-MST (azul) - 55,8% de perfis | 53,2% de interações 

Com porcentagens de perfis e interações mais robustas, o grupo orbita em torno de parlamentares e veículos hiperpartidários de oposição ao governo. @caroldetoni, @cabogilberto, @nikolas_dm se destacam entre os parlamentares, enquanto @jornaldacidadeo, @revistaoeste e @terrabrasilnot reforçam o alto alcance de perfis de mídia hiperpartidária de direita na discussão. Os tuítes em destaque sugerem que a polarização expressada na CPI não diz respeito apenas à dicotomia “governo/oposição”, mas ressalta também a disputa de narrativas associadas aos interesses de movimentos sociais (e/ou ambientalistas) e ruralistas. Na repercussão da CPI, o MST é classificado com frequência como um “grupo terrorista do campo”, enquanto os parlamentares em defesa do movimento são acusados de quererem mudar a CPI para “perseguir o agronegócio brasileiro”. Críticas à fala de um deputado governista que teria afirmado que o agronegócio não produziria arroz e denúncias de situações de maus tratos que teriam sido sofridas por ex-membros do MST se destacam. Afirma-se que o movimento social praticaria doutrinações escusas e abusaria de seus membros emocional e financeiramente. Ainda foi celebrada no grupo a recusa de parlamentares da CPI em homenagear pessoas sem terra assassinadas em uma fazenda do município de Pau D’Arco, no Pará. Em relação a esse episódio, o deputado @edermauroPA (PL-PA) obteve destaque ao afirmar que “bandidos” não mereceriam um minuto de silêncio.

Pró-MST (vermelho) - 41,1% de perfis | 45,6% de interações 

O grupo reúne diferentes tipos de perfis que apóiam o MST e se associam ao campo progressista. Aparecem em destaque parlamentares (@samiabomfim, @gleisi [PT-PR] e @jandira_feghali [PCdoB-RJ]), veículos de mídia progressista (@revistaforum e @metropoles) e também hiperpartidários de esquerda (@brasil247 e @dcm_online), além de perfis voltados para a discussão ambiental (@fiscaldoibama e @deolhonoagro) e do próprio @mst_oficial. A perspectiva central desse grupo é de que a CPI foi criada pela base de oposição ao governo para atender aos interesses econômicos dos ruralistas e criminalizar o movimento social. Nesse sentido, é frequente a argumentação de que o MST deveria ser valorizado por produzir uma “agricultura sustentável e saudável”, que estaria em consonância com a agenda ambiental e, de maneira mais estreita, com as demandas relativas à reforma agrária. No debate ambiental, @ofiscaldoibama teve alto alcance com denúncia do jornal O Globo sobre doações de ruralistas a deputados da CPI do MST. A matéria em questão ressalta que 10 desses empresários do setor agrícola foram acusados de crimes como grilagem de terras, desmatamento ilegal e contrabando de madeira e ouro. Já o perfil @deolhonoagro denunciou que um ruralista condenado por trabalho escravo teria financiado o presidente da CPI. O perfil também dirigiu críticas à escolha de Salles como relator da Comissão e à participação de Éder Mauro (PL-PA), que teria sido acusado de possuir uma fazenda “grilada” no Pará. Ainda circulou no grupo a declaração de Guilherme Boulos (PSOL-SP) de que Salles estaria buscando uso eleitoreiro da CPI para viabilizar candidatura para a prefeitura de São Paulo.

 

Principais links do debate sobre a CPI do MST no Facebook

Período: de 17 de maio a 26 de junho

tabela de principais links



Fonte: Facebook | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

 

  • Com notória proeminência de veículos midiáticos alinhados à direita, portais variados abordaram a CPI. Acontecimentos específicos ganharam pauta nos tradicionais UOL Notícias e G1, sendo que o destaque à investigação de Alexandre de Moraes em relação ao presidente da CPI, deputado Zucco, também aparece em evidência na Revista Fórum, veículo associado à esquerda. A tendência de que acontecimentos favoráveis aos campos políticos repercutam ao serem divulgadas por veículos noticiosos também se repete nas reportagens de portais de direita. Enquanto a Jovem Pan ressalta a convocação de lideranças do MST, declarações de Rodrigo Salles contrárias ao que classifica como “invasões” ganham manchetes em Gazeta do Povo, além de aparecerem na Jovem Pan.

 

Debate parlamentar sobre a CPI do MST no Facebook 

Período: de 17 de maio a 26 de junho

Total de publicações: 468

gráfico de dispersão

  • Parlamentares do PL e do PT foram os que mais pautaram o tema na plataforma, com 127 e 121 das publicações mapeadas, respectivamente. O equilíbrio entre as duas principais bancadas do Congresso, em conjunto com os expressivos números de PSOL (58) e o PCdoB (6), sinalizam para o interesse da base de esquerda na abordagem do tema, entre Câmara dos Deputados e Senado.  A base parlamentar do PL, no entanto, se distancia dos demais partidos em número total de interações obtidas com os 127 posts, superando em aproximadamente 144% as métricas obtidas pelo PT;
  • Em geral, nomes diretamente envolvidos na Comissão também lideram em interações, como Carol De Toni (PL), Gleisi Hoffmann (PT), Gustavo Gayer (PL) e Sâmia Bomfim (PSOL). Já o vice-presidente Kim Kataguiri (UNIÃO-SP) não se destaca em engajamento, mesmo com 13 publicações sobre o tema, sendo largamente superado por nomes tradicionais da direita no debate digital, a exemplo de Carla Zambelli (PL-SP) e Bia Kicis (PL-DF).

 



Principais posts sobre a CPI do MST no Instagram

Período: de 17 de maio a 26 de junho

printprint

 

 

  • Embates diretos entre deputados envolvidos na Comissão também foram enfatizados pelos parlamentares no Instagram. Em particular, acusações da oposição envolvendo o “financiamento de George Soros” para a ONG “De Olho nos Ruralistas” foram frequentes entre os temas das publicações com maior engajamento;
  • Em particular, a deputada Sâmia Bomfim é autora de vários dos principais posts no Instagram. Ela chama a atenção para os vários episódios em que seu microfone foi cortado pelo presidente da CPI e pelo relator, enfatizando a abertura de procesos em que o MPF solicita que a PGR investigue se Bomfim foi vítima de violência política de gênero, em referência à recente Lei 14.192. 

 

Principais vídeos sobre o tema no YouTube

Período: de 17 de maio a 26 de junho

gráfico de barras

Fonte: Facebook | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

 

  • No YouTube, a oposição de direita também apresentou preponderância importante no debate sobre a CPI, especialmente a partir de canais de parlamentares e veículos de comunicação identificados com esse alinhamento ideológico. Kim Kataguiri, PolitK Brasil e Os Pingos nos Is tiveram destaque. Foram frequentes vídeos com excertos nos quais membros da CPI contrários ao MST foram enquadrados como “vitoriosos” em relação aos demais a partir do enfoque sobre um determinado momento das sessões, especialmente o relator Ricardo Salles (PL-SP). A convocação de líderes do MST e de pessoas ligadas ao presidente Lula e ao governo para depor na CPI também foi um ponto levantado como suposta vitória da oposição ao governo;
  • No campo progressista, foi registrado um eco mais significativo para a cobertura de canais de mídia como a Mídia Ninja e de comentadores políticos como Reinaldo Azevedo, além de parlamentares diretamente ligados à CPI, em especial Sâmia Bomfim (PSOL-SP). Também em evidência no Twitter, Bomfim ressaltou os momentos em que teria tido a fala interrompida durante as sessões e os classificou como atos de violência política de gênero. Apesar de serem relativamente expressivas, essas publicações apareceram em menor quantidade e com menor alcance do que os vídeos ligados à oposição.

 

Mensagens mais compartilhadas sobre o tema no Telegram

Período: de 17 de maio a 26 de junho

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Fonte: Telegram | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

 

  • Na base do Telegram, composta majoritariamente por grupos à direita do espectro político, a CPI do MST é enquadrada enquanto uma ação positiva, na medida em que poderia, sob este ponto de vista, “arruinar” o governo do PT e os “planos” da esquerda. São comuns mensagens que indicam que parlamentares governistas ligados ao MST estariam participando da Comissão para desvirtuá-la, além de conteúdos que tratam o Movimento como violento e ameaçador;
  • Nesse sentido, as já conhecidas narrativas anticomunistas são comuns, destacando mensagens que, em teor de urgência, acionam termos como “absurdo”, “descoberta chocante” e “fortes emoções”. O sensacionalismo e o pânico moral, vale dizer, chamam a atenção nestes conteúdos de destaque.