Violência Política de Gênero Online: mulheres de esquerda candidatas à prefeitura receberam mais ataques e menos apoio em comentários do YouTube

Por: FGV Direito Rio

Por: FGV Direito Rio

  • Mulheres foram mais alvos de comentários com teor agressivo e com conteúdo misógino (57,7%), enquanto candidatos homens receberam mais comentários com discordâncias (32,7%). 
  • Enquanto candidatos homens foram alvo de comentários irônicos e de deboche, com o emprego de apelidos depreciativos (16,54% do total), mulheres foram mais vítimas de ataques mais graves, com desqualificação de capacidades e autonomia intelectual (83,46% do total).
  • As candidatas do espectro político de direita obtiveram maior volume de comentários declarando apoio. Cristina Graeml (PMB-PR) foi a que obteve o maior número de comentários de apoio (96,8%); seguida pela candidata Emília Corrêa (PL-SE) com 70,4%.
  • Candidatas de esquerda foram alvo de 96,9% dos ataques categorizados por este relatório. Duda Salabert (PDT-MG) e Tabata Amaral (PSB-SP) destacaram-se como principais alvos do conteúdo violento na amostra, representando, respectivamente, 67,4% e 19% dos ataques. Juntas, foram alvo de 86% das agressões registradas.
  • Duda Salabert (PDT-MG) foi vítima especialmente de ataques com maior teor de toxicidade, caracterizados por transfobia. Do grupo total de comentários analisados (3.289) neste relatório, 32,65% foram ataques transfóbicos contra a candidata. 

Apresentação

A política brasileira ainda apresenta significativas barreiras para a efetiva participação de mulheres(1). Apesar de medidas favoráveis pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) (2), como demonstrado em relatório anterior, ações reacionárias, precipuamente de parlamentares homens, têm sido mobilizadas com o intuito de produzir retrocessos, especificamente, em relação às regras de reserva de vagas nas Casas Legislativas e de financiamento de campanhas(3).

Para além de tais obstáculos, o ambiente online tem sido espaço para a produção e amplificação de violência política de gênero no contexto eleitoral (4). Enquanto “extensão digital de mecanismos mais amplos e sistêmicos de controle e discriminação de gênero” (5) (Curzi, 2023, p. 201), a violência de gênero online contra mulheres na política pode se manifestar de formas diversas, as quais são rotineiramente atualizadas.  

No presente estudo, nos debruçamos sobre os comentários direcionados a candidatas e candidatos à prefeitura em vídeos no YouTube para compreender a natureza das interações de usuários durante a corrida eleitoral. Nossa principal hipótese, seguindo estudos anteriores, como realizados pelo MonitorA  – observatório da violência política nas redes sociais desenvolvido pelas organizações InternetLab, Revista Azmina e Volt DataLab – foi a de que candidaturas de mulheres receberiam comentários e ataques ofensivos em detrimento de candidaturas masculinas, que tenderiam a obter comentários apenas discordando de suas opiniões (H1). Além disso, o grau de agressividade de comentários poderia ser maior de acordo com demais marcadores sociais das candidatas, como pertencimento a grupos de identidade de gênero diverso, espectro político e região (H2).   

De tal modo, a pesquisa analisou comentários em vídeos no YouTube de debates, entrevistas e sabatina com candidatas que representam a diversidade de gênero e raça na corrida à prefeitura nos municípios brasileiros, no período compreendido entre a pré-campanha e a campanha (de 25 de abril até 27 de setembro de 2024).

Metodologia

Para a elaboração deste estudo, inicialmente, realizamos um levantamento das candidaturas diversas mais bem posicionadas nas pesquisas de intenção de voto (7), encontrando 24 candidatas que oscilavam entre as primeiras posições em 21 municípios diferentes. Adicionalmente, consideramos também o critério regional e espectro político, de forma a garantir a pluralidade dos municípios brasileiros e das posições ideológicas das candidaturas. Para efeito de comparação, criamos um grupo de controle com 5 candidatos homens mais bem posicionados, de 5 municípios, 1 de cada região do país. 

Em seguida, realizamos uma busca no YouTube adotando os seguintes critérios para a seleção dos vídeos: i) fragmentos ou íntegra de entrevistas, sabatinas e debates em que a candidata era a protagonista; ii) recorte temporal que abrangesse a pré-campanha e a campanha; iii) 2 vídeos por candidata que, juntos, tivessem mais de 100 comentários. Após esse procedimento, 12 candidatas diversas e 3 candidatos homens (8) foram excluídos da análise por não terem alcançado os critérios mencionados. 

Assim, a coleta de dados resultou em 28 vídeos referentes a 12 candidatas diversas e 2 candidatos homens do grupo de controle, com um total de 18.333 comentários. No Quadro 1 abaixo, temos as candidaturas selecionadas para a análise com seus respectivos partidos, espectro político (9), município e os 2 vídeos selecionados para análise dos comentários.

Acesse aqui o Quadro 1: Candidaturas e vídeos selecionados para análise

Em relação aos comentários considerados para a análise qualitativa, do total de 18.333, foram descartados 12.963 comentários seguindo os critérios de: i) pertinência temática; ii) respostas a comentários de usuários e; iii) comentários que não faziam referência às candidaturas protagonistas. A pertinência temática foi avaliada considerando se o comentário fazia alusão ao conteúdo do vídeo, descartando aqueles que tratavam de temas alheios ao debate político e seus atores. Excluímos também comentários que representavam respostas entre os usuários cujo conteúdo não estava atrelado a uma interação com o vídeo e as personagens em si. Além disso, comentários que se referiam a outras candidaturas fora do escopo de análise também foram descartados. Como resultado de tais filtragens, restaram 5.370 comentários para análise em profundidade. 

Para compreender como a violência política de gênero acontece no ambiente digital, a análise qualitativa foi realizada a partir da classificação dos comentários em 7 categorias: i) apoio; ii) discordância; iii) desumanização; iv) inferiorização; v) sexualização/fetichização; vi) desinformação baseada no gênero e; vii) desinformação. Enquanto tipologias, a orientação de classificação para tais categorias se apoia na identificação de argumento único em um dado comentário ou postagem. Isso significa que, necessariamente, as declarações dos usuários são identificadas enquanto argumentos únicos e enquadradas em uma das definições estabelecidas, seguindo o Quadro 2 abaixo. Em determinados casos, comentários podem abranger mais de um argumento único. Nestes casos há a identificação de mais de um argumento em um mesmo comentário e, portanto, a possibilidade de sobreposição de tipologias. Especificamente em relação às categorias de apoio e discordância, estas foram compreendidas enquanto classificações excludentes em relação a todas as demais. Em relação às categorias desinformação e desinformação generificada, estas foram compreendidas como excludentes uma em relação a outra.  



Acesse aqui o Quadro 2, em que temos a definição de cada categoria utilizada, com base na proposta de Curzi et al. (2024) (10).

Após a classificação manual a partir das categorias propostas, foram descartados mais 2.077 comentários que não possuíam pertinência temática ou que não eram direcionados, direta ou indiretamente, às candidatas principais da análise. Ao final, 3.293 comentários foram considerados para as análises quantitativas e qualitativas.

(i) Métricas Gerais 

Nesta seção, apresentamos as análises quantitativas dos dados coletados. Dados de candidatos homens (analisados enquanto grupo controle) foram considerados apenas na elaboração das métricas gerais e quando há comparação por gênero. 

I.Categorias por candidatos

No Gráfico 1 abaixo, verificamos as porcentagens de cada categoria mobilizada pelo total de comentários analisados, considerando todas as candidaturas. 

Gráfico 1: Categoria mobilizada por candidato em porcentagem (início)

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  • A partir da análise do Gráfico 1, observamos que comentários direcionados a Natália Bonavides, Clarissa Tércio, Maria do Rosário e Margarida Salomão apresentam características semelhantes, enquanto há variações significativas para Marília Campos, Eduardo Paes, Bruno Reis, Juliana Brizola, Emília Corrêa, Cristina Graeml, Tabata Amaral, Dandara Tonantzin e, principalmente, para Duda Salabert.
  • Natália Bonavides (46,4%), Maria do Rosário (48,3%) e Margarida Salomão (46,9%), todas do PT, tiveram quase metade dos seus comentários demonstrando apoio. Já Clarissa Tércio (PP-PE) obteve pouco mais da metade dos comentários de apoio, 51,9%. As cinco candidatas tiveram um número significativo (quase 25%) de comentários com teor de inferiorização.
  • A candidata Cristina Graeml (PMB-PR) foi a que obteve o maior volume de comentários de apoio (96,8%); seguida pela candidata Emília Corrêa (PL-SE) com 70,4%.
  • Os comentários direcionados a Tabata Amaral (PSB-SP) e Talíria Petrone (PSOL-RJ) seguem um padrão semelhante, com alto volume de mensagens com teor de inferiorização – 47,7% para Tabata e 46,6% para Talíria. Ambas receberam também uma quantidade próxima de comentários desumanizantes (4,3% para Tabata e 4,5% para Talíria). Tabata concentrou ainda o maior percentual de comentários desinformativos que reforçam estereótipos de gênero, totalizando 16,6%.
  • Duda Salabert (PDT-MG) concentrou o maior volume de comentários desumanizantes, com 91,8% das mensagens direcionadas a ela contendo esse tipo de conteúdo. Em segundo lugar, Juliana Brizola (PDT-RS) recebeu 19,6% de comentários com teor de discurso de ódio. 
  • Dandara Tonantzin (PT-MG) apresentou um equilíbrio numérico entre comentários de apoio (44,9%) e discordância (44,9%). No entanto, a análise qualitativa reforçou a hipótese de invisibilidade das candidaturas de mulheres negras jovens, já que os comentários críticos eram direcionados de forma indireta, mencionando apenas o partido ou padrinho político da candidata. Apenas 9% dos comentários com teor depreciativo a mencionaram diretamente.

2. Categorias por gênero

Para compreender as características dos comentários direcionados a mulheres em comparação com homens, o Gráfico 2 abaixo exibe uma média proporcional para cada categoria, usando os homens como grupo de controle. 

Gráfico 2: Categoria mobilizada por gênero

 

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Fonte: YouTube | Elaboração: FGV Direito Rio 

  • Como detalhado na apresentação deste relatório, uma das hipóteses aventadas, a partir de estudos anteriores, seria a de que candidaturas de mulheres recebem comentários mais agressivos enquanto homens receberam comentários de mera divergência de opiniões. 
  • O Gráfico 2 confirma a hipótese ao demonstrar a diferença entre o volume de comentários com conteúdo de mera discordância para os homens (com uma média de 64 comentários) e o volume de comentários direcionados às candidatas classificados em categorias mais gravosas, como inferiorização e  desumanização (um total de 1569 comentários com esse tipo de conteúdo para as mulheres) – para os quais não foi identificada nenhuma incidência deste tipo de discurso. 
  • Candidatos homens destacaram-se nos comentários com teor de inferiorização devido ao alto volume de comentários em tom de ironia e deboche. Este volume pode ser derivado de comportamento usual entre os usuários das redes sociais, ao utilizar piadas e memes para ridicularizar e inferiorizar candidatos, criando apelidos depreciativos a partir de trocadilhos. Nesse sentido, Eduardo Paes recebeu um grande volume de comentários deste tipo (37,2%).

3. Categorias por espectro político

No que se refere às diferenças entre os campos políticos, o Gráfico 3 mostrou que as candidatas de direita receberam sistematicamente mais apoio e menos comentários nocivos em comparação com as candidatas de esquerda.

Gráfico 3: Categoria mobilizada por espectro político

 

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Fonte: YouTube | Elaboração: FGV Direito Rio 

  • Apenas 14,9% das mensagens de apoio foram direcionadas a candidatas de esquerda, enquanto, no campo da direita, 90,8% dos comentários dirigidos às candidatas tiveram tom de apoio.
  • As candidatas de esquerda foram alvo de 96,9% dos ataques. Duda Salabert (PDT-MG) e Tabata Amaral destacaram-se como principais alvos do conteúdo violento na amostra, representando, respectivamente, 67,4% e 19% dos ataques. Juntas, foram alvo de 86% das agressões registradas.
  • Do total de comentários direcionados à candidatas de esquerda, 53,4% foram de desumanização, enquanto para as candidatas de direita os comentários que visam desumanizar foram 1%.
  • Dentre as candidatas do campo da direita, quem sofreu mais ataques foi a candidata Clarissa Tércio (PP-PE), com cerca de 1,3% dos conteúdos nocivos identificados sendo dirigidos a ela. 

4. Categorias por região

Considerando a diversidade regional brasileira nas análises deste relatório, os dados foram organizados por região de origem das candidatas. O Gráfico 4 abaixo ilustra as diferenças entre as categorias de comentários direcionados às candidatas do Sul, Sudeste e Nordeste.

Gráfico 5: Categoria mobilizada por região

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Fonte: YouTube | Elaboração: FGV Direito Rio 

  • As candidatas da região Sul registraram o maior número de comentários de apoio, impulsionado principalmente pelo volume direcionado a Cristina Graeml (PMB-PR). O Nordeste ocupou o segundo lugar em apoio, com destaque para Emília Corrêa (PL-SE) e Clarissa Tércio (PP-PE), que receberam a maioria dos comentários positivos.
  • O Sudeste registrou o maior volume de comentários desumanizantes (56,2%), impulsionado principalmente por comentários transfóbicos contra Duda Salabert (PDT-MG) e discursos misóginos direcionados a Tabata Amaral (PSB-SP). 
  • O Nordeste apareceu em seguida, com os comentários desumanizantes distribuídos de forma relativamente equilibrada entre as três candidatas da região. Por outro lado, a categoria de inferiorização apresentou-se em sentido inverso à desumanização: o Nordeste concentrou a maioria desses comentários (21,6%), seguido pelo Sudeste, com 18,6%.

5. Análise de Toxicidade 

Para esta análise, foi utilizado o modelo Detoxify para identificar e medir a toxicidade dos comentários em uma escala de 0 a 1, considerando como altamente tóxicos aqueles com pontuação superior a 0,7. Após essa filtragem, 127 comentários de um total de 2.067 foram destacados para análise, representando 6,1% do volume total. 

Para compreender como a toxicidade nos comentários se distribui entre as diferentes candidaturas, o Gráfico 5 abaixo ilustra a distribuição e a proporção total de comentários tóxicos direcionados a cada candidatura.

 

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Fonte: YouTube | Elaboração: FGV Direito Rio 

  • Conforme ilustrado no Gráfico 5, as candidaturas do espectro político de esquerda concentraram a maioria dos ataques tóxicos, com Duda Salabert (7,4%) e Margarida Salomão (6,1%) como principais alvos.
  • Clarissa Tércio (PP-PE) destacou-se como a figura da direita mais afetada, com 5,2% das interações classificadas como altamente tóxicas. 
  • Talíria Petrone (PSOL-RJ) figura em quarto lugar com 4,5% dos comentários tóxicos direcionados a ela. Cabe ressaltar que este é um percentual alto, dado que a candidata possui um total de 133 comentários. 
  • Em quinto lugar, Natália Bonavides (PT-RN) recebeu 3,6% de ataques tóxicos, seguida por Tabata Amaral (PDT-SP) com 2,4%.
  • Juliana Brizola (PDT-RS), Maria do Rosário (PT-RS) e Dandara Tonantzin (PT-MG) receberam um percentual semelhante de comentários tóxicos, sendo 2,2%, 1,7% e 1,3% respectivamente.
  • Bruno Reis (União Brasil-BA), Eduardo Paes (PSD-RJ) e Cristina Graeml (PMB-PR) obtiveram números residuais de comentários tóxicos (abaixo de 1%); no caso de Emília Corrêa (PL-SE) e Marília Campos (PT-MG) não foram detectados comentários com ataques tóxicos. Excetuando Marília Campos, todos os candidatos com menor grau de toxicidade nos comentários são do espectro político de direita. 
II. Análises qualitativas por categoria

Gráfico 6:  Categorias analisadas

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Fonte: YouTube | Elaboração: FGV Direito Rio 

  • Conforme observado no Gráfico 6, a categoria mais frequente na coleta foi a de apoio, somando 1.194 comentários. 
  • Em seguida, destaca-se a categoria desumanização com 1.125 comentários, caracterizada por discurso de ódio e agressões que buscam anular a existência de pessoas diversas na política. Esse grupo inclui um alto volume de comentários transfóbicos dirigidos à candidata Duda Salabert (PDT-MG), especialmente em relação a dois vídeos. Em um deles, Salabert aborda os direitos dos professores e é chamada de “senhor” por seu oponente político, que, discretamente corrigido pela mediação, se desculpa e continua o debate. A hipótese defendida é que essa fala impulsionou comentários violentos contra Salabert, representando 51,16% dos 1.077 comentários de desumanização direcionados a ela.
  • Em terceiro lugar, a categoria inferiorização reuniu 532 comentários, utilizando ironia e deboche para desqualificar as candidaturas. 
  • Em seguida, a categoria de discordância apareceu em 299 comentários, concentrando-se nos direcionados aos candidatos homens.
  • A desinformação generificada, referindo-se a comentários que articulam estereótipos de gênero para criar desinformação, foi a quinta categoria mais recorrente, com 94 ocorrências, seguida pela desinformação geral com 35 comentários
  • Embora a categoria sexualização/fetichização tenha contabilizado apenas 10 comentários, as análises qualitativas revelaram um conteúdo altamente misógino.
  • Nos tópicos seguintes, são apresentadas as características constitutivas e exemplos qualitativos de cada uma das categorias analisadas.

1. Apoio 

  • A categoria “apoio” foi utilizada para identificar comentários de teor positivo, que demonstraram suporte às candidatas. Esta é uma categoria excludente, o que significa que, ao classificar um comentário como “apoio”, nenhuma outra categoria foi atribuída a ele. O objetivo desta classificação foi avaliar a presença de apoio explícito e a forma como ele se manifestou para cada perfil de candidata.

Imagem 1: Nuvem de Palavras da categoria Apoio

 

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Fonte: YouTube | Elaboração: FGV Direito Rio 

  • Identificamos um total de 1.194 comentários de apoio a candidatos – a maior parte, destinada a candidatas de direita. Cristina Graeml, do PMB, destacou-se, concentrando 55,11% dos comentários de apoio.

Exemplos:

Parabéns, Cristina Graeml! Coerente, conservadora e centrada! Meu voto para prefeitura de Curitiba é em você!”

“Excelente candidata. Defende a direita e luta pela democracia com austeridade. Tem meu apoio.”

  • Não foram observadas diferenças significativas na forma de apoio entre homens e mulheres, uma vez que a maioria dos comentários de apoio foi direcionada a candidaturas de direita. Nesses casos, os elogios frequentemente empregaram adjetivos conservadores, semelhantes aos utilizados para homens. Termos como “guerreira”, “justa”, “honesta”, “de caráter”, “competente”, “coerente”, “culta” e “direita raiz” apareceram de forma recorrente.

Exemplos:

“CLARISSA GUERREIRA.”

“Cristina é excelente, povo abençoado fo Paraná vcs estão com uma candidata patriota de vdd, pessoa de caráter, digna e sincera. Sinto não ser do estado do Paraná.”

  • Identificamos diversos comentários de apoio enviados de cidades diferentes daquelas em que as candidatas estavam concorrendo. É comum que eleitores das regiões metropolitanas acompanhem os debates das capitais dos estados em que vivem, entretanto, foi identificada a participação de eleitores de estados e regiões distantes das candidatas. Esse achado está conectado com a capacidade da Internet de disseminar conteúdos a regiões distantes, potencializando o alcance de campanhas e ideologias tanto políticas quanto partidárias.

Exemplos:

“SOU PAULISTA, SE FOSSE DE CURITIBA VOTARIA EM CRISTINA GRAEMEL.” 

“Sou mineira mas , adorarei te ver na luta pela prefeitura!!! Deus há de permitir sua vitória!!! 💪🇧🇷💪🇧🇷💪🇧🇷💪🇧🇷💪🇧🇷💪♥️🇧🇷♥️🇧🇷♥️🇧🇷♥️🇧🇷♥️🇧🇷” 

“Cristina tamojunto. Lamento vê la próxima a este péssimo elemento. Niterói RJ”

“Sou do Maranhão, peço voto para Cristina”

  • Apoio a candidatas, especialmente de direita, veio acompanhado de menções religiosas. O cristianismo, historicamente mobilizado por políticos de direita, serve como pilar do conservadorismo. Desde o pleito presidencial de 2018, o lema “Pátria, Deus e família” tem sido frequentemente evocado em campanhas políticas.

Exemplos:

Brasil Patriota com Cristina !!! Força Cris, Deus e o povo de bem estão contigo, vc sem nada vai enfrentar os poderosos. Deus te guie.”

“Cristina a melhor opção. Com as benção de Deus será a futura e melhor prefeita de Curitiba. Precisamos de você Cristina, chega de PSD, UB, PT. Em frente Cristina.”

“EMÍLIA CORRÊA VAI GANHAR COM FÉ EM DEUS 22 NELES”

2. Discordância 

A categoria “discordância” identifica comentários que demonstram mera discordância da candidata, sem nenhum tipo de ataque, insulto ou desinformação. Assim como “apoio”, “discordância” é uma categoria excludente, portanto, quando um comentário tem esse perfil, nenhuma outra categoria é mobilizada. O objetivo foi identificar se todas as candidatas recebem críticas não agressivas, ou se há um perfil específico em que a candidata não é diretamente atacada.

  • A amostra contabilizou 299 comentários onde usuários do YouTube discordavam dos candidatos. Candidatos homens receberam mais comentários desse cunho do que candidatas mulheres. Esse dado indica que quando há comentários discordando de candidatas mulheres, eles são acompanhados de teor ofensivo ou não especificaram o motivo da discordância. Apenas mencionam a candidata e expressam sua desaprovação ou apontam a impossibilidade da vitória. Enquanto homens, recebem comentários sem ataques diretos à sua pessoa ou à sua candidatura. 

Exemplos:

“Bruno Reis afundou salvador.”

“Fora Paes!!!!!!”

“Júnior Emília ñ ganha”

“Fora Nunes fora Tabata fora bolos fora dapena”

  • Nos comentários com esse perfil, identificamos falas que justificam a desaprovação às candidatas pelas relações políticas e familiares ao qual estão atreladas, como se elas fossem representantes de outros políticos e/ou irão replicar os feitos de seu coligado.

Exemplos:

“Dandara nunca. Dandara = Gilmar”

Juliana Brizola por ser neta do Brizola a quem conheci pessoalmente está longe de ter a ideogia do avô, o candidato novo nunca vi e nem sei o que fez pela cidade,Maria do Rosário conheci também e meu voto não terá nunca,o Melo está sendo um bom prefeito,não tem culpa de receber a prefeitura sucateada de outros governantes,até o dia das eleições meu voto ainda será secreto.”

“Taliria está com o PT, com Lula e STF, não pode falar em democracia”

“A tabata até poderia ser uma boa candidata. Mas apoia o Lula...que tem um filho acusado de agredir a companheira. Fica dificil, ne ?! Qualquer politico de esquerda deveria se desligar totalmente do Lula.”

3. Inferiorização 

  • A categoria “Inferiorização” representa uma estratégia de desordem informacional de gênero (Curzi et al., 2024) voltada à desqualificação das mulheres no espaço público e político. Na amostra, 17,55% dos comentários encaixam-se nessa categoria.
  • A análise mostrou que as candidatas foram alvos frequentes de ironia, deboche e questionamentos sobre sua competência para cargos políticos, com ataques que negavam sua autonomia e sugeriam que seriam “marionetes” de homens. Esses comentários frequentemente fizeram uso de emojis, interjeições, pontuação exagerada e apelidos pejorativos para expressar ridículo e desqualificação.

Exemplos: 

“Chatabata é chapinha mesmo. Essa voz dela é irritante.”

“😅😅😂😂😅😅batata liberal arrasou🎉ha ha ha”

“Jantaram a Florzinha, ñ respondeu nada da realidade ,saúde?transporte?educação? Transparência?nada funciona no governo ptralha, só cabide de emprego…”

“A maria do corsário pronta para não fazer nada.”

“Essa brizola é conchavo com a Maria do usuário”

 

  • A categoria de inferiorização também incluiu comentários com questionamentos sobre suas qualidades e caráter. 
  • Frequentemente, os comentários sugeriam que as candidatas não possuiriam as qualidades, habilidades e até mesmo as virtudes necessárias para o exercício de uma função de poder na esfera pública. Foi bastante presente a expectativa de que mulheres têm como função a manutenção e cuidado do lar, enquanto homens seriam os sujeitos legítimos a ocupar cargos políticos. 

Exemplos: 

“Essa Duda tbm não sabe governar nada outra desiquilibrada petista fora Pt comunistas.”

“Dandara não consegue cuidar da própria saúde, vai cuidar da saúde de Uberlândia?”

“Não é por ser mulher, queremos pessoas competentes.”

“Não é machismo, os caras estão muito mais preparados que as mulheres aí!”

“Meu Deus essa Clarissa apoiou o golpe, kkkkkkk A mulher colocando toda a família na política, como as pessoas apoia isso.. Isso e uma vergonha para a sociedade e Jaboatão…”

“Parabéns ao Bruno, a dona levou uma surra”

  • Além disso, a categoria abrange questionamentos sobre a autonomia das candidatas. No caso de Tabata Amaral, identificamos comentários que a acusam de despreparo e insinuam que Tabata não possui autonomia, sendo uma marionete que age de acordo com os interesses de alguma figura masculina relevante política e economicamente. 
  • Aqui, os estereótipos de gênero reforçam a ideia de que mulheres estão na política apenas como apêndices de políticos homens ou tuteladas por eles.

Exemplos: 

“Tabata só esta aí para servir de capacho pra boulos assim como manoela davila, que desitiu de concorrer pra ser vice de adade. Usa um discurso engajado de feminista, mas está aí pra servir a vontade de homens.” 

“Tabata Amaral carinha de bonitinha mas uma vibora, cadelinha do globalista Leman. Novinha mas já aprendeu ser velhaca como todos políticos da laia dela.” 

“A Maria do Rosario tá precisando chamar a neta do Brizola toda hora, ela não tá conseguindo sustentar argumento sozinha kkkkkkkkkkkkkkkk ( O Melo não tá muito atrás)

“Essa Brizola só fala do avô dela... Mas e ELA se propõe a que? Está olhando as propostas NO MEIO DO DEBATE? Não se preparou antes? Não estudou antes?”

  • Estereótipos de gênero fundamentam também comentários que comparam as candidatas entre si, colocando sob escrutínio o caráter, trajetória profissional e vida pessoal das candidatas que são julgadas no ambiente on-line. 
  • A título de exemplo, Cristina Graeml – candidata de direita – é vista pelos usuários como uma mulher honesta, forte, conservadora e alinhada à moral cristã, contrapondo-se às demais candidatas de esquerda que seriam corruptas, desonestas, depravadas, barraqueiras,  drogadas e coniventes com crimes. 
  • As mulheres de direita, ainda que do gênero feminino, seriam minimamente mais qualificadas por atenderem a expectativas misóginas do papel esperado para o gênero. 

Exemplos: 

“Esse mulher tá drogada kkkkkk” 

“Olha quem tá falando a baraqueira.”

“Vejo a Tabata como aprendiz da Dilma... apenas isso.”

“VAI PRA CUBA COM ESSE LIXO DE MARXISMO E LEVE A MARGARIDE COM VOCÊ”

“Essa candidata é uma comunista.. só por isso já não pode ser prefeita de Porto Alegre!!! E ainda mais sendo ptista”

  • Em relação aos homens, os dados indicaram uma discrepância significativa no volume e na intensidade dos comentários de inferiorização direcionados a candidatos homens e mulheres. 
  • Foram contabilizados em média 37 comentários de inferiorização por candidata, representando 83,46% do conjunto total desse tipo de comentário. Em comparação, os candidatos Eduardo Paes (PSD-RJ) e Bruno Reis (União Brasil-BA) possuem uma média de 44 comentários de teor semelhante, sendo Eduardo Paes responsável por 87% destes comentários entre os homens. É importante destacar que Eduardo Paes foi o segundo candidato com maior número de comentários de inferiorização, tendo 27,7% de seus comentários marcados por essa categoria, o que elevou a média nesta categoria para candidatos homens.
  • No caso de Eduardo Paes, usuários o inferiorizam a partir de sua imagem de promotor de mega eventos e festas no Rio de Janeiro, muito presente na mídia nacional. Adjetivos como “fanfarrão”, “malandro” e “festeiro” são empregados para indicar que Paes somente se preocupa com a realização de grandes eventos na cidade do Rio de Janeiro. Também foram utilizados apelidos como “Pães”, “Nervosinho”,  “Duduzinho” ou “Dudu malvadeza”. 

Exemplos: 

“QUALQUR UM MENOS EDUARDO PÃES!

“Esse Prefeito só pensa em encher os bolsos: multas, impostos. Vai numa clínica da família, nem remédio tem, ele não está nem aí para a população. Acorda cariocas, esse oba-oba não!! Meu voto é Ramagem!!! #foranervosinho 🤮🤮🤮”

“O Paes está nervosismo. Cínico, fala do seu padrinho o Lula. Vc n̈ fez nada está tudo abandonado, estou um ano na fila para uma cirurgia. O que ele faz muito bem é folia é oba oba”

“Esse Dudu aí é um moleque. Fanfarrão... chega”

 

  • Na mesma linha, Bruno Reis também sofreu comentários que o desqualificam, chamando-o de “playboy” e “mauricinho” ou ainda marionete de outros políticos, sendo frequentemente associado à figura de Antônio Carlos Magalhães Neto.

Exemplos: 

“A marionete é cara de pau disse que estava fazendo mais pela cidade do deveria fazer kkkkkkkkkkkk esse prefeito chorão é uma piada kkkkkkkkkkk”.

“Fora filhote de Acm neto”

4. Desumanização  

  • A categoria desumanização abarcou comentários que buscaram excluir mulheres da política, com discursos de ódio, misoginia, racismo e, especialmente, transfobia contra Duda Salabert. Dos 3.293 comentários analisados, 1.125 (34,16%) foram classificados como Desumanização, sendo 1.075 direcionados a Duda, o que correspondeu a 95,47% dos comentários dessa categoria e quase o dobro do total de Inferiorização (533 ou 16,18%).
  • Entre os comentários destinados a Duda Salabert, 82,6% foram classificados como Desumanização, enquanto essa categoria representou 4,4% dos 473 comentários para Tabata Amaral, 20% dos 50 comentários para Juliana Brizola e 5% dos 141 comentários para Talíria Petrone.
  • As demais candidatas registraram números bem menores: Maria do Rosário (5), Emília Corrêa (4), Natália Bonavides, Clarissa Tércio e Cristina Graeml (2 cada) e Margarida Salomão (1).

Gráfico 7: Comentários de desumanização

 

Made with Flourish

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Fonte: YouTube | Elaboração: FGV Direito Rio 

  • Duda Salabert foi outlier nessa categoria: o número de comentários recebidos por ela apresentam uma grande disparidade em relação aos outros. 
  • O modo que esses comentários buscam aniquilar a presença da candidata é descredibilizando-a intelectual e fisicamente. 
  • Eles o fazem a ofendendo de adjetivos como “troço” e “aberração”. Esse último termo foi repetido 45 vezes. Há insinuação de que a candidata é algo de outro mundo, de ordem demoníaca. 
  • Além disso, a família de Salabert é constantemente atacada e descredibilizada.

Exemplos:

"prefeita??????????? q aberração"

"Quem é esse HOMEM de saia kkkkkkk Essa aberração NUNCA vai governar BH, tá amarrado 🙏🇧🇷🙏"

"Esse se diz mulher, mas só teve relação com mulher em vez de casar com um homem é casado com mulher. Será que essa pessoa não tá só si fantasiado? Ele começou a si vestir assim depois que entrou pra política"

  • Os comentários também colocam a inteligência e capacidade da candidata de exercer as funções do cargo no sentido de chamá-la de louca ou negacionista, e insinuarem que o lugar corpo transgênero é fora da política (em instituições psiquiátricas ou prostíbulos). 
  • Encorajam o assédio, uma sugestão de que esse corpo é tão pouco humano que pode ser manipulado independentemente da própria vontade.
  • Eles também negam a identidade da candidata constantemente, apontando que uma pessoa transgênera representa a degradação moral do país. Também aparecem comentários que acusam Salabert de estar roubando o lugar de uma mulher cis, insinuando que mulheres transgêneras não são mulheres de verdade, e, que se alguma mulher vai estar na política, ela definitivamente não pode ser trans.
  • Foram também categorizados ataques à dignidade de pessoas trans, com a incitação de pânico moral sobre o uso de banheiros unissex ou de acordo com o gênero designado. São comentários que procuram apresentar pessoas trans como um pretenso perigo, insinuando que sua simples presença é inadequada ou invasiva. 

Exemplos:

"essa "senhora" vai utilizar o mesmo banheiro que sua filha de 12 anos"

"Essa coisa de homem se auto denominar mulher, não é falsidade ideológica?"

  • Tabata Amaral, a segunda candidata mais atacada na categoria desumanização, foi frequentemente descredibilizada por sua idade e criticada pelo posicionamento político de esquerda, como se isso fosse um insulto. Ela também foi chamada de "garota de programa" (GP), em um discurso que visa reforçar a ideia de que as mulheres no espaço público só são “aceitáveis” quando cumprem papeis subordinados ao prazer masculino.
  • Esse tipo de comentário reduz Tabata a estereótipos que minam sua presença legítima na política, sugerindo que, em vez de ser uma profissional com autonomia, ela só teria espaço porque serve a homens. 

Exemplos:

"a Tabata, claramente uma menininha sem o MÍNIMO pulso para comandar uma cidade que nem SP, é declarada a "vencedora" dos debates. Antes era o Boulos, mas como ele já tá no teto e sem chances de crescer, tão vendo se a Tabata cresce mais, pois no 2o turno os votos dela irão para o Boules…"

"Essa Tabata é uma esquerdista maldita, pessoas como ela so destroi nosso pais"

"Tabatinha GP de luxo 😂.

  • Quando presente, o racismo apareceu de maneira velada. Comentários a Talíria Petrone, por exemplo, associaram-na a estigmas históricos, descredibilizando e distorcendo suas pautas antirracistas.

Exemplos:

Taliria fumou uma maconha, com certeza

Ah, para!! Já deu pra ver que tem o QI da taliria!! Meu Deus!

É só ser branco que essa coisa parte pro despeito. Ser for homem e branco então. Essa mulher e o psol são os maiores racistas que esse país já viu.

  • No que tange à misoginia, um modo frequente de ataque às mulheres na política é chamá-las de loucas. Ao chamá-las de "loucas" e questionar sua presença nesses cargos, os comentários buscam desestabilizar a existência pública das candidatas, associando-as a estereótipos de incapacidade de raciocínio lógico e de tomada de decisões. Esse tipo de discurso sugere que as mulheres não pertencem a esses espaços, essencialmente negando sua humanidade e autonomia ao reduzi-las a características depreciativas que servem para excluí-las sistematicamente.

Exemplos:

Rainha do presídio..Maria loca não ganha nemmpra síndica!

Já erraram quando colocaram uma mulher na presidência,já destruíram o futebol quando colocaram narradores,agora tão destruindo a política(que já tava destruída antes,só piorou muito)

ESSA BRIZOLA TA MAIS PRA FREIRA E NÃO PRA POLÍTICA MARIA DI ROSÁRIO NÃO DA AI É O FIM DE TUDO.

5. Desinformação geral e desinformação generificada

  • A categoria desinformação geral diz respeito à disseminação de informações falsas ou enganosas que podem gerar confusão ou equívocos a depender do tema e contexto no qual se desenvolvem. Já desinformação generificada refere-se a uma forma mais específica de desinformação que mobiliza estereótipos de gênero como fundamento para narrativas que, em última instância, deslegitimam a presença feminina no espaço político. Assim, além de desinformar, propaga e reforça preconceitos e a desigualdade de gênero. 
  • Tanto as candidatas quanto os candidatos foram alvos de desinformação na amostra analisada: foram encontrados 35 comentários disseminando desinformação sobre as personagens no total. Para as mulheres a estratégia desinformativa principal foi atribuir a elas decisões contrárias ao interesse público e acusações de se beneficiarem de repasses indevidos de recursos. No caso de Paes, a suposta amizade com Chiquinho Brazão figura entre os comentários mais comuns.
  • Com relação à desinformação generificada, 8 das 12 candidatas analisadas receberam, no mínimo, um dentre os 94 comentários desinformativos que mobilizaram estereótipos de gênero, como a presença ou não de características físicas e comportamentais associadas historicamente à feminilidade. A candidata Talíria Petrone, por exemplo, foi chamada de “barraqueira” e chamada de “dopada” e “doente” por causa de sua aparência.
  • Tabata foi o alvo mais recorrente da amostra, com comentários questionando seu posicionamento em episódio de violência doméstica e acusando-a de ter abandonado seu pai. Esta última argumentação pode ser entendida como resultado da insinuação e desinformação do então candidato Pablo Marçal de que a ida de Tabata para Harvard acarretou o episódio de suicídio de seu pai. Marçal, irresponsavelmente, atribuiu, durante debate e na presença de Tabata, uma suposta negligência da candidata e de sua família nos cuidados com seu pai, reforçando papeis de gênero.

6. Sexualização/Fetichização 

  • Do total de comentários, identificamos 10 cuja estratégia narrativa visou à fetichização das candidatas endereçadas. Tais comentários reforçam estereótipos de gênero ao reiterar a perspectiva de que o lugar da mulher se restringe à função de reprodução social. Este é mais um processo de objetificação e sexualização das presenças femininas, reduzindo-as à sexualidade e à imagem.  
  • Muitas vezes vindos na forma de supostos elogios, os comentários que se centram na aparência das mulheres tem como resultado o distanciamento destas dos espaços públicos através do silenciamento de suas pautas.
  • Para Tabata, a fetichização vem acompanhada de comentários violentos devido à identificação feita por usuários a um posicionamento mais à esquerda da candidata. 

Exemplos:

Linda !!! Pena que quando abre a boca com ideias esquerdistas acaba com toda a graça 😢 mas todo o respeito ✊🏿👍🏿"

Tabata é marmita de vagabundos😊”

“Linda ela,mas cor não importa,tem que ser competente”

 

Considerações finais e recomendações:

  • Este relatório demonstrou que candidatas mulheres, particularmente aquelas de perfil político à esquerda, foram os principais alvos de discursos de ódio de cunho misógino nos comentários de vídeos de debates políticos durante o período eleitoral. A violência política de gênero online permanece um desafio significativo para as instituições políticas e partidárias no Brasil, refletindo-se nas desigualdades de gênero e raça nas eleições municipais, especialmente contra candidaturas de identidades de gênero diversas, como no caso de Duda Salabert, alvo de frequentes comentários transfóbicos.
  • Para enfrentar a violência política de gênero online e fortalecer a diversidade na política institucional, é essencial aprimorar as políticas de moderação nas plataformas, incluindo medidas específicas contra deadnaming e transfobia. Uma moderação de conteúdo mais contextualizada, que proteja candidatas diversas, é fundamental para reduzir os impactos dos discursos de ódio. Nesse sentido, sugerimos o treinamento contínuo de moderadores de conteúdo, capacitando-os a reconhecer discursos transfóbicos, misóginos e racistas em contextos políticos locais.
  • Adicionalmente, campanhas de conscientização pública sobre violência política de gênero e direitos digitais podem educar eleitores e candidatos sobre a importância da diversidade política e do respeito nas interações online. A criação de redes de apoio para candidatas, que ofereçam suporte jurídico e emocional, pode ser uma ferramenta importante para acolher e orientar mulheres e pessoas LGBTQIA+ atacadas no ambiente digital.
  • Para combater a desinformação, é fundamental monitorar continuamente redes articuladas a nível nacional que difundem ataques e notícias falsas contra candidaturas de diferentes regiões do país. A realização de fact-checking em tempo real durante debates eleitorais, seja na televisão ou em outras mídias, pode impedir a propagação de desinformação, especialmente aquelas baseadas em estereótipos de gênero. 
  • Recomendamos, ainda, que as plataformas implementem mecanismos de denúncia mais acessíveis e publiquem relatórios periódicos sobre as ações tomadas contra discursos de ódio e desinformação, promovendo transparência e responsabilidade. Em parceria com organizações de direitos humanos e entidades antidiscriminação, seria possível impulsionar políticas mais robustas, pressionando pela criação de ambientes políticos inclusivos e seguros para todas as identidades.

Notas de Rodapé:

  1.  CURZI, Yasmin et al. Candidaturas à Prefeitura no Brasil: mulheres mais escolarizadas, mas diversidade ainda é um abismo em partidos. Mídia e Democracia, 09 set. 2024. Disponível em: https://midiademocracia.fgv.br/estudos/candidaturas-prefeitura-no-brasil-mulheres-mais-escolarizadas-mas-diversidade-ainda-e-um

  2.  TSE. Decisões do TSE reforçam iniciativas de incentivo à participação feminina na política. TSE Notícias, 08 mar. 2019. Disponível em: https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2019/Marco/decisoes-do-tse-reforcam-iniciativas-de-incentivo-a-participacao-feminina-na-politica

  3. CURZI, Yasmin et al. Projetos de lei sobre candidaturas de minorias: homens são a maioria dos autores de propostas que retrocedem a participação política de mulheres. Mídia e Democracia, 29 ago. 2024.

    Disponível: https://midiademocracia.fgv.br/estudos/projetos-de-lei-sobre-candidaturas-de-minorias-homens-sao-maioria-dos-autores-de-propostas

  4. CURZI, Yasmin et al. Ataques, violência de gênero online e desinformação na pré-campanha à prefeitura de São Paulo em comentários do YouTube. Mídia e Democracia, 05 abr. 2024. Disponível em: https://midiademocracia.fgv.br/estudos/ataques-violencia-de-genero-online-e-desinformacao-na-pre-campanha-prefeitura-de-sao-paulo

  5. CURZI, Yasmin. Violência de gênero online: tecno-silenciamentos e resistências nas redes sociais no Brasil (2010-2022). Orientadora: Mariana Cavalcanti. 2023. 261 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2023.

  6.  Idem, ibidem.

  7. As pesquisas que embasaram a seleção das candidaturas que seriam acompanhadas nesse relatório foram produzidas pelos Institutos de Pesquisa Datafolha, Quaest, Ipec, Real Time Big Data, PoderData e Paraná Pesquisas durante o período compreendido entre 20 de agosto a 27 de setembro.

  8. As candidaturas descartadas por não alcançarem o mínimo de comentários para a consideração desta análise foram: Rose Modesto (União Brasil - Campo Grande/MS); Yandra Moura (União Brasil - Aracaju/SE); Delegada Danielle (MDB - Aracaju/SE); Adriana Accorsi (PT - Goiânia/GO); Dani Portela (PSOL - Recife/PE); Flávia Morando (União Brasil - São Bernardo do Campo/SP); Professora Bete Siraque (PT - Santo André/SP); Janad Valcari (PL - Palmas/TO); Mara Bertaiolli (PL - Mogi das Cruzes/SP); Márcia Cavalcante (MDB - São Luís do Quitunde/AL); Vicka Pacheco (PP - São Luís do Quitunde/AL); Maninha Fontenele (PT - Luís Correa/PI); Sebastião Melo (MDB - Porto Alegre/ RS); Beto Pereira (PSDB - Campo Grande/MS); Leo Moraes (Podemos - Porto Velho/RO).

  9. Esta classificação teve como respaldo o artigo “Para Entender a Nova Direita Brasileira”, de André Borges e Robert Vidigal (2023, p. 7), com o objetivo de estabelecer um posicionamento fixo para cada partido. O artigo está disponível em: https://www.researchgate.net/publication/372780820_Introducao_Para_Entender_a_Nova_Direita_Brasileira

  10.  CURZI. Y., et al Gender and online politics: political violence and gendered desinformation practices. In: Anais: 48th Annual Meetings of ANPOCS, 2024. 

  11. Phillips, W. It wasn’t just the trolls: Early internet culture,“fun,” and the fires of exclusionary laughter. Social Media+ Society, 5(3), 2019.