Polarização política, desinformação e discursos de ódio marcam debate sobre mulheres na semana do 8 de Março
Por: FGV ECMI
Por: FGV ECMI
- No X, o debate sobre mulheres é marcado pela polarização política. Perfis de oposição ao governo argumentam que Lula seria omisso em relação à agenda das mulheres no Brasil e no exterior, como no caso das israelenses sequestradas;
- Desinformação e discursos de ódio marcaram o debate nos apps móveis, com postagens que promovem ataques infundados a pessoas trans, ao exame de mamografia e a Lei Maria da Penha;
- Postagens de cunho transfóbico tendo como alvo a deputada federal Erika Hilton e a disputa simbólica entre Janja da Silva e Michelle Bolsonaro no papel de “melhor primeira-dama” estiveram em destaque.
Na semana do Dia Internacional das Mulheres, um debate marcadamente polarizado e questões desinformativas e ofensivas a respeito de pautas caras às mulheres circularam nas redes sociais. Temas como saúde, segurança, feminismo, violência sexual e transexualidade motivaram as postagens em destaque, em geral, a partir de uma perspectiva conservadora sobre essas questões.
No âmbito de uma agenda política alinhada a grupos de cunho extremista, foram observadas tentativas de criminalização de iniciativas, projetos e ideias em prol dos direitos das mulheres. A Escola de Comunicação da FGV analisou uma série de postagens que delineiam o debate sobre as mulheres no contexto referido, com ênfase nos conteúdos em circulação no Telegram, no WhatsApp, no Facebook e no Instagram, entre 1º e 10 de março.
Debate sobre mulheres no contexto do Dia Internacional das Mulheres
Principais termos sobre mulheres no X
Período: de 1º a 10 de março de 2024
Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI
- Eventos e postagens em homenagem às mulheres, especialmente por parte de instituições públicas e atores políticos governamentais, tiveram proeminência no debate político monitorado no X. Uma disputa polarizada em torno da agenda das mulheres se destacou, com articulações significativas por parte de ambos os campos políticos;
- Em perfis de oposição ao governo, buscou-se argumentar que o presidente Lula seria omisso em relação à agenda das mulheres, em especial se tratando da violência. Nesse sentido, mais do que uma pauta nacionalizada propriamente dita, este argumento circulou no contexto da guerra em Gaza, uma vez que foi dito que Lula seria conivente com as práticas de violência cometidas contra mulheres israelenses detidas pelo grupo terrorista Hamas;
- Perfis de oposição ao governo ainda emplacaram dois temas de maneira central: o evento promovido pelo Partido Liberal, em Brasília, com Jair e Michelle Bolsonaro à frente, e o caso de mulheres detidas pelo 8 de Janeiro que teriam resistido a alegadas práticas de tortura por parte do Estado;
- No campo governista, reforçou-se os avanços dos direitos das mulheres durante os governos do Partido dos Trabalhadores, com menções a avanços como a Lei Maria da Penha. Curiosamente, assim como ocorreu na oposição, a guerra em Gaza foi um tema mobilizado por perfis governistas, mas a partir da perspectiva das mulheres palestinas que foram mortas ou estão sendo submetidas a ataques e práticas de violência por parte de Israel.
Temas de destaque sobre mulheres no Telegram e WhatsApp
Período: de 1º a 10 de março de 2024
Fonte: Telegram e WhatsApp | Elaboração: FGV ECMI
- Foram mapeadas 11.071 mensagens no âmbito do debate sobre mulheres nos grupos de apps móveis monitorados, entre 1º e 10 de março. Enquanto no Telegram prevalesceram mensagens marcadas pela politização da discussão, com protagonismo notório de grupos de direita, no WhatsApp a maior parte das mensagens foi oriunda de grupos de notícias sem vínculo político-partidário evidente, com conteúdos focados em relatos de crimes, anúncios de programas do governo e oportunidades de emprego e educação;
- Entre as mensagens que circularam com em grupos de direita, a questão do aborto obteve repercussão importante. A ideia de que o atual governo teria legalizado o aborto sob quaisquer circunstâncias através de nota técnica divulgada pelo Ministério da Saúde foi destaque. Nas mensagens, com forte teor de criminalização do aborto, foi dito que o Partido dos Trabalhadores teria autorizado a prática mesmo com mulheres que estivessem com 9 meses de gravidez. De acordo com as mensagens, a nota ministerial sugeriria que “feto não sente dor”. Celebrou-se, ainda, o papel de políticos de direita na atuação contra a alegada medida. É interessante observar que o episódio motivou um debate de cunho pseudocientífico, com forte viés moralizante e religioso, que busca criminalizar as mulheres pelo decisão ao aborto;
- Em grupos de direita, circularam com alto alcance conteúdos desinformativos relativos à saúde e à segurança pública, como críticas ao exame de mamografia e à lei Maria da Penha. No primeiro caso, argumenta-se que a mamografia geraria danos graves à saúde das mulheres e não teria eficácia científica, sendo, na verdade, um procedimento cancerígeno. Já a Maria da Penha é alvo de tentativas de desqualificação a partir de teorias conspiratórias que buscam provar a alegada inocência do ex-marido da vítima de violência doméstica que inspirou a criação da lei. Argumenta-se que a lei seria uma farsa, pois teria sido criada a partir de uma falsa acusação, e que teria como intuito destruir a vida de “milhares de homens inocentes”;
- Questões referentes às mulheres trans também foram registradas nos apps móveis, em conteúdos marcados por desinformação e discurso de ódio. Além de ataques à deputada federal Erika Hilton - em decorrência de uma homenagem à parlamentar na revista Ela, do jornal O Globo -, foram compartilhadas notícias falsas sobre supostos crimes atribuídos a mulheres trans, como a transmissão deliberada de HIV para bebês a partir da amamentação voluntária. Ainda foram observadas críticas à declaração do ministro da Educação, Camilo Santana, sobre a possibilidade de estabelecer cotas para pessoas trans nas instituições de ensino federais;
Foram registrados também ataques a correntes teóricas acadêmicas que defendem uma perspectiva de gênero que questiona o essencialismo biológico. Nesse sentido, um estudo que comprovaria a diferença entre os cérebros de homens e mulheres foi mobilizado para descredibilizar o trabalho de autoras feministas que defendem que há influência da cultura e da sociedade na modulação de questões referentes ao gênero e à sexualidade. Em termos políticos, essa disputa vem sendo impulsionada para deslegitimar e atacar, entre outros grupos minoritários, pessoas LGBTQIAP+;
- Para além de críticas a correntes acadêmicas, o feminismo foi amplamente atacado enquanto um movimento social e associado, de maneira pejorativa, a uma agenda político-partidária da esquerda. Em uma das mensagens, o feminismo foi atacado a partir de um viés antissemita, que atribui a mulheres judias feministas a criação de elementos como a pornografia, o comunismo, as guerras e as falsas vacinas;
Em termos de polarização política de modo mais específico, buscou-se atribuir ao governo Lula um suposto aumento de casos de violência contra as mulheres em comparação ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Temas de maior destaque no Facebook e no Instagram
Período: 1º a 10 de março de 2024
Manifestações em homenagem ao Dia Internacional das Mulheres por parte de veículos midiáticos de diversos segmentos e personalidades do entretenimento estiveram entre as postagens de maior destaque no Facebook e no Instagram. Críticas a práticas comumente associadas à efeméride, como a distribuição de flores e chocolates como forma de homenagem, impulsionaram o debate sobre pautas urgentes das mulheres e a sua luta pela não violência e a aquisição de direitos básicos, como equidade em termos de salário e oportunidades na educação e na seara do trabalho;
- A transfobia também foi um elemento de relevo no debate sobre as mulheres no Facebook e no Instagram. Especialmente em perfis de mídia hiperpartidária de direita e de atores políticos de direita, como a deptuada federal Bia Kicis, foram observados ataques à também deputada federal Erika Hilton, escolhida para a supracitada homenagem ao Dia Internacional das Mulheres veiculada na revista Ela, do jornal O Globo. A mesma tendência foi observada no debate monitorado nos apps móveis, em grupos de direita;
- De forma lateral, mas com relativo destaque em ambas as plataformas, postagens de teor marcadamente polarizado buscavam contrapor a atual primeira-dama Janja da Silva à ocupante anterior do mesmo cargo, Michelle Bolsonaro. Em geral, esses posts foram oriundos de perfis de direita. As respostas à pergunta sobre qual das duas mais representaria os seguidores desencadeou comentários que classificam Michelle como uma “verdadeira primeira-dama”, além de “mulher ideal”, “cristã”, “mãe de família”, de “valores morais” e “honra”. Janja, por sua vez, tende a ser adjetivada como “mulher de bandido”. Como já demonstrado em relatório anterior, Janja e Michelle protagonizam narrativas sobre lideranças femininas na política e, no âmbito do debate público digital, espelham questões referentes às ideologias que os seus respectivos campos políticos representam.