Plataformas são espaço de reprodução de violência política de gênero e de raça

Por: FGV ECMI

Por: FGV ECMI

 

A violência de gênero e de raça, em suas diferentes manifestações, especialmente a de cunho político, esteve na base de uma série de episódios recentes que reiteram o cruzamento entre opressões de gênero, raça e classe no debate político brasileiro. Análises que privilegiam uma perspectiva interseccional nortearam o monitoramento de mídias sociais entre junho e agosto do projeto Mídia e Democracia.

Nesse sentido, o documento aqui apresentado foi elaborado a partir da compilação de materiais semanais selecionados para subsidiar a proposição de linhas de ação e compor material orientativo para o Conselho do projeto Mídia e Democracia.

A primeira seção, “Linhas de análise: o panorama bimestral”, contextualiza casos de violência política de gênero a partir de tentativas de desqualificação e silenciamento político de parlamentares, especialmente mulheres negras, trans e indígenas, e a disputa pelas pautas de gênero e raça do Congresso Nacional.

A título de exemplificação, também são apresentadas as versões compactas de análises disponíveis na íntegra nos relatórios semanais, disponíveis para consulta.

Os destaques subsidiam a segunda seção do documento. Em “Linhas de ação: direcionamentos temáticos”, indicamos possibilidades de trabalho e aprofundamento na elaboração de encaminhamentos à sociedade. Já na terceira parte, denominada “Retrospectiva”, é apresentado um panorama da atuação do projeto, destacando os principais trabalhos desenvolvidos entre abril e junho.

 

  1. Linhas de análise: o panorama bimestral

O terceiro bimestre de atividades do projeto Mídia e Democracia abrangeu a produção de 9 relatórios semanais e 10 verificações de conteúdos desinformativos, que obedeceram a uma agenda temática diversa. O principal eixo temático, conforme estipulado pelo Conselho do projeto, consistiu nas violências de gênero e de raça. Nesse sentido, foram desenvolvidas produções que enfatizaram a violência vivenciada por mulheres com atuação significativa no cenário político - como a discussão a respeito das primeiras-damas do atual governo e do anterior -, o debate público sobre pessoas trans nas redes sociais e análises interseccionais que evidenciam o cruzamento de violências de gênero, raça e classe no Congresso Nacional, especificamente no que tange a parlamentares trans, negras e indígenas.

Em um primeiro momento, selecionamos análises que mapeiam as menções a mulheres com proeminência no cenário político nacional, como as ministras do governo Lula, a atual e a ex-primeira dama. A despeito de comparações ofensivas entre a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro e a atual primeira-dama Janja da Silva, ambas foram alvo de violência política de gênero em decorrência de suas atuações frente ao governo ou à agenda política de modo geral.

Nesse sentido, elementos como o vestuário, expressões de religiosidade e atributos corporais foram mobilizados por diferentes campos políticos enquanto tentativa de desqualificar tanto Michelle quanto Janja politicamente. A discussão busca apontar as dinâmicas de ofensas sistemáticas dirigidas às primeiras-damas, em geral de caráter sexista, em decorrência da posição de destaque político que ocupam.

Além disso, dedicamos uma segunda seção à observação de que os debates sobre violência de gênero e racial vêm sendo disputados de maneira importante entre parlamentares governistas e da oposição. Enquanto parlamentares governistas apresentam maior domínio da agenda de gênero, especialmente a partir da divulgação de ações de combate à violência contra as mulheres e comparações entre os governos Lula e Bolsonaro, a oposição vem se destacando na pauta racial a partir de diferentes estratégias, o que abrange, inclusive, argumentos de forte negacionismo racial.

Como uma subseção desta discussão, trouxemos análises sobre o caso das deputadas de esquerda processadas por quebra de decoro parlamentar perante o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, sugerindo que, em relação às repercussões desse episódio no YouTube, houve mais mensagens de apoio a elas do que críticas ou ataques, a despeito de um volume significativo de mensagens com discursos de ódio machistas, misóginos e racistas direcionadas a estas congressistas. O episódio ampliou a discussão sobre práticas de machismo, racismo e silenciamento político na atividade parlamentar, uma vez que as deputadas foram punidas em decorrência de manifestações contra a votação do marco temporal em territórios indígenas, em caso que também tem sido criticamente mobilizado já em referência à Lei nº 14.192/2021, sobre a violência política contra mulheres.

Por fim, destacamos a violência transfóbica mapeada em grupos conservadores de Facebook. O relatório sobre o debate público a respeito da transgeneridade e dos direitos de pessoas trans apontou para uma manifestação de preconceito expressiva contra esta população, entre 2019 e 2023, inclusive com a proposição de uma série de PLs de caráter transfóbico

Como destacado em documentos anteriores e enfatizado nas próprias reuniões do Conselho, os eixos temáticos trabalhados pelo projeto neste bimestre e os resultados encontrados nos relatórios em destaque também dialogam com agendas de trabalho em execução em instituições nacionais e internacionais. Em especial atenção ao cenário brasileiro, destaca-se a presença dos temas no Relatório de recomendações para o enfrentamento ao discurso e ao extremismo no Brasil, lançado em julho de 2023 no âmbito de Grupo de Trabalho do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, bem como a recente instalação, no Conselho de Desenvolvimento Econômico Sustentável (CDESS), o “Conselhão”, da Comissão de Direitos e Democracia, direcionada ao enfrentamento à desinformação e ao discurso de ódio.  As intersecções do debate sobre desinformação e a circulação de conteúdo jornalístico em plataformas digitais também está atualmente em pauta em meio à tramitação do PL dos Direitos Autorais (2.370/2019), que incorporou a discussão a partir de um recorte do PL das Fake News (2.630/2020). O tema também foi monitorado pelo projeto.

 

1.1 Debate sobre mulheres com relevância no cenário político brasileiro

Mapa de interações do debate sobre mulheres com proeminência no cenário político no X

Período: de 13 de janeiro a 13 de fevereiro de 2023

Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI                                                                                                                                                                                         

Grupo alinhado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (Azul) - 45,3% perfis | 48,8% interações

Grupo com atores políticos e perfis de notícias alinhados ao ex-presidente Bolsonaro. O mote central é a defesa do legado social atribuído à ex-primeira-dama. Circula a ideia de que o PT teria descontinuado as ações sociais de Michelle. Críticas à atual primeira-dama, Janja, também obtiveram destaque. Tendeu-se a se questionar o “refinamento” de Janja e a classificar sua união com o atual presidente como um relacionamento de “cadeia”. Críticas às ministras Marina Silva, Margareth Menezes e Luciana Santos também tiveram alcance relevante. O tom geral adotado é de que as atuais ministras não teriam credibilidade para atuar na política. 

Grupo alinhado ao Governo Federal (Vermelho) - 34,5% perfis | 40,6% interações

Conjunto de perfis alinhados ao Governo Federal, que em geral orbitam em torno dos perfis de Lula e da primeira-dama, Janja. O grupo teve como enfoque a ex-ministra do governo Bolsonaro e atual senadora, Damares Alves, a quem são atribuídos atos de violação de direitos humanos em relação à crise humanitária envolvendo os Yanomamis. A narrativa preponderante é de que Damares teria tido responsabilidade central para o desenvolvimento da crise, que foi classificada como um projeto sistemático do governo anterior. 

Perfis de entretenimento progressistas (Laranja) - 9% perfis | 5,5% interações

Com aderência ao cluster vermelho, o conjunto laranja orbita em torno dos perfis de entretenimento progressistas @Choquei, @PopTime e @tracklist. Em tom bem-humorado, esses perfis promovem enquetes inusitadas que tendem a colocar o Governo Federal em primeiro plano, com especial enfoque para a primeira-dama @JanjaLula. Em uma das enquetes de maior alcance, é perguntado em qual das candidatas os usuários votariam para ocupar, hipoteticamente, a Presidência da República - entre Janja, @MichelleBolso22, @Gleisi e @SimoneTebetBR. Os comentários se dividiram, principalmente, entre endossos às candidaturas de Janja e de Tebet, e questionamentos acerca da ausência de @MarinaSilva na lista. 

Principais termos sobre Michelle Bolsonaro e Janja da Silva no X

Período: de 13 de janeiro a 13 de fevereiro de 2023  



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Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI

  • Nessa discussão, a questão de gênero aparece de maneira mais enfática, especialmente a partir da avaliação de ações de ambas e de elementos como o vestuário e expressões de religiosidade adotadas por elas. Na repostagem de um vídeo de tutorial de maquiagem feito por Michelle, por exemplo, é sugerido que Janja não saberia se vestir ou se maquiar. No mesmo contexto, Janja é classificada como “primeira pomba gira do Brasil”, em uma tentativa de associá-la pejorativamente a religiões de matriz africana;
  • Atributos corporais também são considerados no recorte de gênero sobre Janja e Michelle no âmbito de perfis alinhados a Bolsonaro. Afirmou-se, por exemplo, que seria de “mau gosto” trocar Michelle, “bela, educada e elegante”,  por Janja;
  • No que diz respeito a Janja, existe um recorte temático de caráter interseccional, especialmente no que tange aos aspectos de classe. É frequente a sugestão de que ela não saberia se portar como primeira-dama e estaria deslumbrada com privilégios atribuídos ao cargo;
  • De maneira pouco expressiva, Michelle também é alvo de comentários misóginos. Diante de denúncia de que ela teria se submetido a uma cirurgia de substituição de silicone com recursos públicos, usuários isolados de oposição a Bolsonaro endossaram tuíte cujo autor afirma que teria direito a “pegar” nos seios da ex-primeira-dama.

1.2 Debate sobre violência de gênero e de raça

Evolução do debate parlamentar sobre violência de gênero e de raça no Facebook

Período: de 01 de janeiro a 24 de julho

Violência de Gênero

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Violência racial

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Fonte: Facebook | Elaboração: FGV ECMI

 

  • O mês de março registrou picos da discussão parlamentar sobre violência de gênero. Com protagonismo do campo governista e do Centro, foi dominante a ideia de que o governo Lula teria retomado as políticas de combate à violência de gênero. No total, foram registrados 120 posts. A denúncia de que a oposição, em especial o PL, estaria praticando violência política de gênero contra parlamentares mulheres também surgiu com destaque.
  • Os picos do debate parlamentar sobre violência racial ocorreram nos meses de março e maio. No total, foram registrados 835 posts de parlamentares sobre a temática racial, o que equivale a um montante 595% maior em relação ao registrado no debate de gênero. Comparações entre os governos de Lula e Bolsonaro também foram frequentes: parlamentares governistas ressaltaram que Lula representaria o avanço de pautas progressistas, enquanto o ex-presidente seria racista, homofóbico e misógino. Na oposição, circulou a ideia de que o governo Lula teria traído os setores progressistas ao supostamente não priorizar a escolha de mulheres, pessoas negras e LGBTQs para cargos importantes do governo. O argumento de que o racismo seria uma invenção de setores de esquerda circulou em várias postagens veiculadas no perfil do deputado Hélio Lopes (PL). De caráter negacionista, estas postagens afirmam que o racismo seria uma narrativa para a promoção do caos social.

1.2.1 O caso das deputadas representadas no Conselho de Ética da Câmara

Principais tópicos encontrados dentre os comentários relacionados às deputadas

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Fonte: YouTube  | Elaboração: Democracy Reporting International (DRI)

  • Os comentários a favor das deputadas possuem tom semelhante entre si, afirmando que elas devem ter “força”, que são “guerreiras”, que não podem desistir de lutar e que elas não serão caladas. Ressaltam, ainda, a importância de sua participação na Câmara dos Deputados. Ainda que muitas das publicações refiram-se às parlamentares de forma conjunta, é notável a predominância daquelas dirigidas especificamente a Sâmia Bomfim.
  • Para além de Bomfim, apenas os nomes de Fernanda Melchionna, Célia Xakriabá e Érika Kokay são individualmente mencionados em comentários de apoio, enquanto Talíria Petrone e Juliana Cardoso aparecem em mensagens coletivas.
  • Além de demonstrar seu apoio, os usuários também se posicionaram contra o que identificam como machismo e misoginia, normalmente associados ao bolsonarismo de forma ampla e ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, de modo mais específico.
  • No que diz respeito às mensagens com discurso de ódio encontradas (683), estas foram divididas em quatro subtópicos: i) ataques à aparência das deputadas (8.3% do total); ii) ataques com uso de estereótipos de gênero (33.5%); iii) ataques de cunho ideológico-partidário (35.7%);  e iv) acusações de vitimismo (22.4%); 
  • Os comentários com uso de estereótipos de gênero são os mais frequentes. Estes são referentes à ideia de que mulheres não deveriam participar da vida política e que, ao se expressarem de forma assertiva, seriam “barraqueiras”. Foram também encontrados comentários associando as parlamentares à loucura e histeria. Alguns comentários mencionam que as deputadas deveriam estar em casa cuidando de seus maridos ou lavando a louça, por exemplo; 
  • Os ataques de cunho ideológico-partidário contam com mensagens que depreciam perfis de esquerda. Os comentários imputam às parlamentares mulheres de esquerda atributos de “incompetência” e “mediocridade” e expressam que, por isso, mereceriam o processo instaurado; 
  • Há mensagens que discutem a aparência dessas parlamentares, utilizando adjetivos degradantes sobre o corpo e rosto das parlamentares como estratégia de deslegitimação. Os comentários relacionados à aparência estiveram relacionados tanto às deputadas como um todo, chamando-as de “mulherada feia”, “ogras” e “trubufus”, como às deputadas Sâmia Bomfim, Fernanda Melchionna e Talíria Petrone, em específico; 
  • Comentários direcionados a Melchionna e Petrone apareceram residualmente, com a primeira sendo chamada de “Fernanda Fiona” e a segunda sendo destacada como aquela que causaria “nojo”. Destaca-se o fato de que, embora Petrone não tenha sido citada nominalmente em comentários de apoio, é destacada negativamente em postagem que identifica as deputadas como “asquerosas” e “nata da sujeira”, indicando racismo;
  • Por fim, chama atenção que a deputada Célia Xakriabá foi individualmente atacada com comentários racistas que colocaram em questão sua identidade étnico-racial — afirmando, por exemplo, que ela seria uma “falsa índia” ou que estaria “fantasiada de índia”. Para além disso, em um dos comentários, que se refere a todas as deputadas representadas como “lixos”, Xakriabá é identificada como “índia trans”, quando o usuário afirma que seria “mais índio do que ela”, sugerindo conotação também transfóbica.

1.3 Debate sobre violência transfóbica

Evolução de tópicos mais discutidos

Período: de 1° de janeiro 2019 a 30 de abril de 2023

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Fonte: Facebook | Elaboração: Democracy Reporting International (DRI) 

 

  • Em termos quantitativos, os temas com maior número de postagens associadas são “Visibilidade Trans e suas repercussões” (914), “Ideologia de gênero” (645) e “Mobilização política antitrans” (611). Enquanto o primeiro oscilou de forma irregular, os dois últimos tiveram seu ápice em 2019 e foram perdendo força, sugerindo que o início do governo Bolsonaro influenciou uma crescente de manifestações hostis em relação a pessoas trans;
  • Enquanto as postagens reunidas pelo tema “Ideologia de gênero” referem-se a diferentes usos da expressão para criticar o avanço de políticas em prol da população LGBTQIA+, aquelas que compõem o grupo “Mobilização política antitrans” fazem referência expressa à atuação de representantes da extrema direita no Brasil contra a mesma população;
  • Nesse sentido, os principais assuntos relacionados a estes temas, em janeiro de 2019, são o discurso de posse de Bolsonaro, no qual ele expressamente indicou o objetivo de “combater a ideologia de gênero”; postagens que o apresentam como alguém “honesto” e que não ameaçaria minorias; e a manifestação da ex-ministra Damares Alves reforçando papéis de gênero, quando disse que “meninos vestem azul” e “meninas vestem rosa”;
  • Alega-se, por exemplo, que Bolsonaro e seus aliados irão combater a corrupção, “limpar” o Brasil de “bandidos travestidos de políticos” — normalmente em referência a figuras políticas associadas ao espectro político de esquerda —, e acabar com a “ideologia de gênero”;
  • Já em “visibilidade trans e suas repercussões”, há um destaque motivado pela reportagem do Fantástico com o Dr. Dráuzio Varella em que ele apresentava a situação de mulheres trans e travestis em presídios brasileiros. Os comentários sobre o episódio foram majoritariamente negativos, com menções ao crime pelo qual Suzy havia sido condenada. Para além disso, houve desinformação sobre o caso, em postagem que afirmava que a apresentadora de televisão Fátima Bernardes reformaria a cela de Suzy na prisão.

2. Linhas de ação: direcionamentos temáticos

Os resultados e achados presentes nos relatórios semanais destacam que a violência de gênero e de raça, com enfoque na violência política, é instrumentalizada como uma ferramenta de disputa entre os diferentes campos políticos. Identificou-se que frente a discordâncias no campo das ideias, a misoginia, o racismo e a transfobia são frequentemente acionados para desqualificar oponentes em suas identidades, contribuindo, consequentemente, para a desqualificação de seus argumentos e agendas. 

Nesse sentido, há um notado protagonismo de atores vinculados à direita, que adotam esta estratégia para descredibilizar não apenas ministras e deputadas, mas também reivindicações de grupos minorizados. O predomínio da direita, no entanto, não afasta a responsabilidade de campos progressistas que, em momentos de polarização política, adotaram estratégias similares. 

Tendo isso em vista, estabelecer eixos de ação que possam ser produtivos a médio e longo prazo pode configurar espaço frutífero para o combate e prevenção desta violência. As conclusões bimestrais foram incorporadas em linhas de ação e pontos de possível aprofundamento no debate pautado pelo projeto Mídia e Democracia, podendo ser apropriadas por representantes dos setores atinentes. 

2.1 Políticas públicas

2.1.1 Incorporar o letramento racial e de gênero, inclusive em suas variações online, como pauta permanente da agenda de trabalho de formuladores de políticas públicas. Os casos apresentados reiteram e evidenciam que compreender as diversas manifestações, implícitas ou explícitas, destas violências é basilar para a construção de políticas públicas capazes de lidar com as diferentes roupagens assumidas pela misoginia e pelo racismo. 

2.1.2 Na esteira da efetiva implementação da Lei nº 14.192/2021 e em atenção a recomendações internacionais, a violência política de gênero e de raça deve ser compreendida, por parte de formuladores de políticas públicas, como um obstáculo à qualidade democrática, na medida em que prejudica ideais de uma democracia efetivamente representativa. 

2.2 Plataformas digitais

2.2.1 A circulação de discursos tóxicos e perniciosos não deve ser justificada pela falsa equivalência entre o combate à violência discursiva online e o cerceamento da liberdade de expressão. Os casos analisados mostram que tais discursos estigmatizantes permeiam os ambientes digitais e são prejudiciais à participação política e à qualidade da própria democracia, devendo ser combatidos mediante ações multissetoriais e alinhadas à preservação de direitos fundamentais. 

2.2.2 A efetividade, transparência e contínuo monitoramento de violências online devem ser requisitos considerados na definição de políticas junto às plataformas, para a promoção de espaços seguros para os usuários e para a preservação de direitos humanos. Os resultados encontrados demonstram que a atividade de atores específicos do ecossistema digital, como mídias hiperpartidárias, sinaliza a existência de estratégias complexas de disseminação de discurso de ódio e desinformação.

2.2.3 É necessário que as plataformas de comunicação digital garantam acesso aos dados que coletam e armazenam. Em linha com iniciativas de outros países, a disponibilidade destes dados para o desenvolvimento de pesquisas como as apresentadas neste relatório tem o potencial de garantir a compreensão do debate público em torno de temas críticos e, consequentemente, possibilitar discussões propositivas sobre o seu conteúdo.

2.3 Produção de evidências científicas

2.3.1 Evidências científicas devem substanciar debates e regramentos relacionados à violência de gênero e de raça no país, identificando possíveis recorrências quanto aos autores, alvos e estratégias discursivas predominantes, com atenção especial à violência política. 

2.4 Partidos, mandatos e candidaturas

2.4.1 Mulheres com atuação na política podem contribuir para qualificar o debate específico sobre violência política de gênero e de raça, tanto compartilhando suas experiências enquanto possíveis alvos dessa violência, quanto legislando sobre o tema. 

2.4.2 Partidos e entidades políticas podem oferecer apoio jurídico, emocional e político para mulheres que sofram violência política de gênero e de raça em sua atividade parlamentar ou política.

2.4.3 Os partidos políticos e bancadas legislativas podem atuar na promoção de um ambiente livre de violência para grupos minorizados e orientar atividades que visem o combate a esse tipo de violência nos espaços políticos.

Referências:

1. Isso se deve ao fato de seis parlamentares governistas terem sido processadas e denunciadas ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados por declarações proferidas durante a comissão do Marco Temporal indígena. As deputadas denunciaram uma suposta articulação da extrema direita para cassar os seus mandatos e silenciar pautas progressistas, como o combate à violência de gênero, ao racismo, à LGBTQfobia e ao desmatamento ilegal.

2. Aqui concebidas a partir da definição de Recuero, Soares e Gruzd (2020). Disponível em: https://ojs.aaai.org/index.php/ICWSM/article/view/7324/7178. Acesso em: 24/08/2023.