"O que é Racismo Ambiental?" Para onde a Internet levou o debate do termo a partir da fala da ministra Anielle Franco
Por: FGV Direito Rio
Por: FGV Direito Rio
- Em janeiro de 2024, os estragos causados pelas fortes chuvas no Rio de Janeiro causaram prejuízos significativos às regiões da Zona Oeste. Sobre o fato, a Ministra Anielle Franco denunciou o "Racismo Ambiental" característico da maior vulnerabilização das populações nestas regiões. Sua postagem viralizou, gerando debates sobre o tema nas redes sociais.
- Utilizamos postagens sobre o tema feitas no Instagram e comentários de duas postagens do perfil oficial da Ministra. A hipótese do estudo foi de que o teor do conteúdo analisado teria como tônus o reforço a estereótipos relacionados à discriminação racial.
- Por um lado, encontramos estereótipos racistas e misóginos presentes nos ataques à Ministra, confirmando nossa hipótese. Além destes, o levantamento identificou o emprego massivo de linguagem irônica e debochada para responder à Ministra. Esse recurso de ridicularização veio combinado também com as demais formas de violência.
- Também foram identificadas mensagens com estigmatização de populações socioeconomicamente vulnerabilizadas, culpabilizadas por uma suposta falta de consciência ambiental que justificaria os maiores impactos das chuvas nas regiões onde moram. Observamos, ainda que em menor quantidade, comentários trazendo informações sobre o conceito de "Racismo Ambiental".
- No agregado, constatamos que uma parcela significativa das postagens e dos comentários continha algum tipo de ataque à Ministra a partir do emprego do termo, sendo a ironia e o deboche a categoria mais presente.
Panorama geral
Em 14 de janeiro de 2024, a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, utilizou o termo “Racismo Ambiental” para caracterizar os efeitos das fortes chuvas que atingiram a Zona Oeste do Rio de Janeiro, trazendo notórios prejuízos para a população da região em relação às demais partes da cidade. A postagem no perfil da ministra no "X" (antigo Twitter) viralizou. Por um lado, repercutida por políticos da oposição, a publicação suscitou comentários negativos à Ministra e à gestão do atual governo. Por outro, Anielle, e figuras que saíram em sua defesa buscando explicar o conceito de racismo ambiental e promover o debate sobre o tema, passaram a sofrer ataques por personalidades políticas e usuários.
Neste relatório, nos debruçamos sobre a análise da discussão geral sobre racismo ambiental no Instagram e em postagens específicas do perfil da Ministra após sua fala. Assim, a pergunta de pesquisa que motivou este estudo foi "Quais características têm predominado no debate acerca do termo 'racismo ambiental' no Instagram após sua utilização pela Ministra Anielle Franco no contexto das fortes chuvas no Rio de Janeiro?”.
Evolução das buscas pela frase “O que é racismo ambiental” no Google
Período: 9 de novembro de 2023 até 05 de fevereiro de 2024.
Fonte: Google | Elaboração própria
Como é possível observar a partir da ferramenta de análise de buscas de termos no Google, "Google Trends", o conceito despontou em diversos picos de interesses no tema após o episódio da fala da Ministra. Tal aumento de buscas revela, além do interesse de usuários na temática em si, potencial desconhecimento da população em geral sobre o termo.
Para fins de comparação, o gráfico acima traz a frequência com a qual o termo “Racismo Ambiental” aparece nas postagens de Instagram desde o dia primeiro de janeiro de 2023. O resultado obtido refere-se a uma busca geral de postagens dentro da plataforma e o recorte feito abrange o início do governo Lula até o dia 18/01/2024. Representado pelo aumento em janeiro de 2024, é possível afirmar que o momento de maior debate do termo na plataforma aconteceu justamente após as fortes chuvas no Rio de Janeiro, seguidas da viralização do debate após a fala da Ministra.
Metodologia
O relatório foi desenvolvido a partir de dois conjuntos de dados distintos extraídos da plataforma Instagram. Embora a postagem inicial da Ministra tenha sido realizada no X, a coleta de dados para pesquisas nessa plataforma, especialmente comentários reagindo às postagens, tem se mostrado de difícil acesso devido ao fechamento de sua API. Por este motivo, optamos por utilizar dados de uma segunda rede social que aparece como espaço para desdobramentos da discussão, o Instagram.
O primeiro conjunto de dados diz respeito às postagens relacionadas ao termo “Racismo Ambiental”, publicadas no Instagram entre 14/01/2024 até 17/01/2024 e coletadas utilizando uma regra de filtro linguística elaborada em parceria com a Escola de Comunicação Mídia e Informação FGV-ECMI. O segundo conjunto corresponde aos comentários realizados no mesmo período em duas postagens selecionadas do perfil da ministra Anielle Franco também no Instagram.
De um universo de 567 postagens que retornaram pela regra automatizada de coleta, após análise qualitativa das autoras deste relatório, restaram 373 postagens referentes a 333 perfis distintos que atendiam os critérios qualitativos para análise. Essa filtragem considerou a necessidade da postagem (1) ter relação com o debate, (2) não ser mera repercussão literal da fala da ministra e, (3) não ter sido publicada pela própria Ministra.
O conjunto de comentários analisados, por sua vez, foi obtido de forma automatizada a partir de duas postagens sobre o tema, realizadas pela ministra Anielle Franco em seu feed do Instagram, que reuniram o maior número de comentários. Entre os dias 14 e 17 de janeiro, identificamos no perfil da ministra sete posts sobre os impactos das chuvas, entre os quais dois (uma foto e um vídeo) mencionaram expressamente o termo “Racismo Ambiental” e reuniram 2.178 comentários. Desse universo de 2.178 comentários, foram retirados os que apenas continham emojis como resposta à postagem, não tinham pertinência temática com o debate ou relevância para análise (por exemplo, marcaram outras pessoas para visualizar o post, citavam outro assunto, pediam doações, etc.) e, ainda, aqueles comentários que por alguma falha na coleta automatizada estavam fora do período de interesse. Restaram, assim, 1.409 comentários para análise qualitativa em profundidade.
Com relação à categorização dos comentários coletados no Instagram da Ministra Anielle Franco, esta foi realizada de forma manual pelas autoras deste relatório a partir da identificação de tópicos recorrentes. Para a análise detalhada referente às duas postagens da Ministra Anielle Franco sobre o tema, foram estabelecidos 6 tópicos de interesse para classificação, explicitados abaixo:
- Ironia e/ou deboche: nesta categoria, consideramos comentários que zombam, ironizam, caçoam da Ministra e o uso do termo “racismo ambiental” para caracterizar os efeitos das chuvas sobre determinadas populações. Contêm algum tipo de piada, escárnio ou recurso linguístico de ridicularização. Pode aparecer em combinação com outras categorias.
- Insultos ou ofensas: para este grupo de comentários, consideramos aqueles que utilizam linguagem grosseira, hostil, carregada de desrespeito. Frequentemente são ofensas que afetam a honra ou direitos de personalidade da Ministra Anielle Franco. O teor desses comentários é mais agressivo do que uma crítica, mas não se configura como discurso de ódio, por exemplo. Podem conter ironia e/ou deboche.
- Ataque ou discurso de ódio: neste grupo de comentários, classificamos todos aqueles que utilizam como alvo características identitárias como gênero, raça, orientação sexual, religião ou opinião política. Também podem conter em alguns casos ironia e/ou deboche.
- Críticas ao governo/evoca responsabilidade estatal: comentários que denunciam a falta de políticas públicas, inércia do governo ou abordam desigualdade e exclusão social. Contêm, principalmente, críticas ao governo Lula, evocam responsabilidade das gestões anteriores do Partido dos Trabalhadores e também de Anielle Franco enquanto Ministra do atual governo.
- Estigmatização da pobreza: comentários que culpabilizam pessoas pobres pelos desastres ambientais em contraposição ao conceito de "racismo ambiental". Refletem estereótipos socioeconômicos e, geralmente, desconsideram os processos de exclusão e desigualdade social.
- Conteúdo informativo: comentários voltados para explicação do conceito de “racismo ambiental” ou complementação da discussão iniciada pela Ministra.
A categorização aqui empreendida leva em conta tanto um aperfeiçoamento metodológico de estudos sobre violência política e moderação de conteúdo online quanto às particularidades identificadas nos dados coletados. Entendemos que ao não reduzir o teor do comentário a uma categoria apenas captamos as nuances possíveis dentro do discurso e conseguimos, em um nível macro, caracterizar o cenário geral. Dessa forma, um grande volume de comentários contendo ironia/deboche, por exemplo, pode se configurar como uma forma de ataque direcionado a determinado personagem. A partir desta segmentação em tópicos, produzimos o estudo desta temática a partir da análise em profundidade de tais conteúdos.
Análise
Tendo em vista a análise da ampla gama de perfis coletados na análise a respeito do termo “Racismo Ambiental” dentro do período proposto, foi feita uma categorização que os distingue da seguinte maneira:
O número de perfis encontrados por categoria é: 250 perfis são de Criadores de conteúdo, 56 de Parlamentares, 26 de Mídia alternativa, 7 de Partidários, 5 da Mídia tradicional e 2 são perfis de Governo. Já com relação à distribuição das 373 postagens por tipos de perfis dos autores, ela se caracteriza da seguinte maneira: 277 (74,3%) posts são de Criadores de conteúdo, 56 (15%) posts são de contas de Parlamentares, 26 (7%) são da Mídia alternativa, 7 (1,9%) são posts de perfis Partidários, 5 (1,3%) posts da Mídia tradicional e 2 (0,5%) posts de perfis vinculados ao Governo.
Fonte: Elaboração própria.
A fim de complementar a catalogação dos perfis proposta acima, tópicos de análise foram criados para a estruturação do debate. Identificamos os seguintes grupos de postagens: (1) Ironia/deboche, (2) insultos ou discurso de ódio direcionados à Ministra Anielle Franco; (3) conteúdo informativo sobre o tema do “racismo ambiental”. O diagrama abaixo retrata a distribuição das postagens de acordo com seu teor.
Fonte: Elaboração própria.
Em 173 postagens existe algum tipo de ofensa ou ataque combinados à ironia e deboche direcionados à Ministra pelo uso do termo. Neste grupo, 107 posts são puramente irônicos, seja nas legendas ou imagens. Em outras 66 postagens esta linguagem de ridicularização vem associada a alguma outra forma de ataque à Ministra, que podem ser insultos, linguagem grosseira ou ainda de cunho racista e misógino, configurando discurso de ódio. Postagens cujo teor é atacar a ministra, sem ironia ou deboche, foram observadas 5 vezes.
Fonte: Instagram.
Das outras 195 postagens sem ironia ou deboche, quase todas (187) possuem teor informativo/educacional, com o objetivo de elucidar o significado de “racismo ambiental” e suas origens. Essas postagens ressaltam que, apesar dos fenômenos climáticos impactarem todas as pessoas em alguma medida, os efeitos perversos recaem sobre uma parcela significativa da população - historicamente marginalizada, discriminada e excluída socioeconomicamente - que não têm acesso às mesmas políticas de infraestrutura urbana e saneamento, por exemplo, do que pessoas com melhores condições financeiras. Assim, populações mais vulneráveis, em sua maioria pessoas pretas e pobres, que residem em áreas de alto risco e cujos recursos financeiros são limitados, sofrem mais e têm mais dificuldades para superar os efeitos das tragédias ambientais.
O infográfico abaixo ilustra a significativa disparidade no engajamento entre as postagens de teor irônico e que ofendem a Ministra em oposição àquelas que buscam elucidar e promover a discussão educativa sobre o termo “racismo ambiental”.
Fonte: Elaboração própria.
Os 187 posts cujo conteúdo busca, em alguma medida, educar internautas a respeito do debate sobre “racismo ambiental”, somam, juntos, 285.385 likes e 14.093 comentários, totalizando 299.478 em número de interações. Dentre estes, somente a postagem de teor educativo com maior alcance, de autoria do Mídia Ninja, perfil aqui categorizado como mídia alternativa, soma 38.358 likes e comentários. Seguido deste, o Mídia Ninja autora também a segunda postagem educativa de maior alcance, com 35.896 likes e comentários.
Já os 173 posts com conteúdo irônico/debochado e que ofendem a Ministra, despontam com mais que o dobro do número de likes, 10 vezes mais comentários e mais que o dobro de interações em comparação com as postagens informativas, ou seja: 614.655 likes, 146.782 comentários e um total de 761.437 interações. Uma única postagem nesta categoria, de autoria do deputado federal Eduardo Bolsonaro, concentra 11% de toda a interação. Seguem nesse ranking uma postagem do parlamentar Mario Frias, duas postagens do canal de Mídia alternativa, Mídia Ninja, e uma postagem do também Parlamentar, Thiago Gagliasso.
Fonte: Elaboração própria.
Assim, embora as postagens informativas/educativas e aquelas que ironizam o debate sobre “Racismo Ambiental” não se distanciem significativamente em termos quantitativos, é importante atentar para o alcance que ambos os tipos de conteúdo possuem no Instagram, sendo os posts irônicos responsáveis por quase 70% do engajamento de toda amostra analisada, enquanto os posts informativos a cerca de 27%.
A repercussão do debate nos comentários do Instagram
O diagrama abaixo destaca a distribuição dos comentários com relação à existência de ironia/deboche, insulto/ofensa ou ataque/discurso de ódio direcionados à Ministra.
Fonte: Elaboração própria.
No conjunto de 1.409 comentários analisados, 54,5%, ou seja, 768 mensagens, contêm ironia/deboche ou combinações entre essa e as categorias ataque/discurso de ódio e insulto/ofensa. Comentários com ataques e discurso de ódio, sem fazer chacota com a Ministra, foram identificados 133 vezes na amostra, enquanto 181 foram classificados como insulto/ofensa sem esse recurso de ridicularização. Já mensagens sem ironia/deboche e sem outra forma de vulnerabilizar a Ministra correspondem a 45,5%, ou seja, 641 comentários no total.
Assim como ocorreu com as postagens analisadas sobre o tema, os comentários com tom irônico são bastante presentes nas publicações de Anielle e correspondem à maior parte das respostas recebidas nos dois posts. Dos 1.409 comentários, um total de 533 recorrem apenas à ironia ou deboche para responder à Ministra, se caracterizando como puro escárnio, zombaria e piadas a partir do uso do termo “racismo ambiental”.
Por diversas vezes os comentaristas distorceram a fala da Ministra caracterizando as chuvas e São Pedro como racistas. Também ocorreram menções às chuvas no sul do país para questionar a Ministra sobre qual tipo de racismo teria ocorrido no caso. Uma outra forma de deboche utilizada foi recorrer a situações esdrúxulas, como dizer que o “Rio Negro não se mistura com o Solimões” e, portanto, isso seria um exemplo de racismo ambiental.
Fonte: Instagram.
- Chama atenção, ainda, a referência às gestões anteriores do Partido dos Trabalhadores como elemento principal para ironizar a Ministra. Nessa seleção, identificamos 98 comentários que aproveitam a menção à histórica falta de políticas públicas para as populações das áreas afetadas para culpar o partido, e seus representantes eleitos, bem como para afirmar que a Ministra deve cobrar do atual presidente que tome as providências cabíveis. Os comentários apontam uma aparente contradição na fala de Anielle, já que ela foi indicada e é Ministra na presente gestão do Lula e, portanto, não poderia “reclamar” ou “culpar” o poder público de não atuar em favor de populações socialmente vulneráveis. Dessas 98 mensagens, 26 ainda possuem algum insulto ou linguagem de ódio direcionada à Ministra.
- Comentários desrespeitosos e hostis, caracterizados pelo uso de insultos e ofensas contra a Ministra foram identificados 295 vezes na amostra. Desses comentários com insultos e ofensas, 114 combinam linguagem jocosa para responder à Ministra. As mensagens são empregadas principalmente para acusar Anielle de utilizar a tragédia como espaço para militar, ou “lacrar”, sobre a causa racial, afirmam que seria melhor que ela se calasse e que é uma “vergonha” que ela ocupe o cargo e fale “besteira”.
- Também identificamos comentários ofensivos que mencionam o episódio no qual a Ministra viajou de Brasília a São Paulo em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para um compromisso de governo. Outras mensagens fazem referência ao suposto salário da Ministra que, segundo os comentários, seria em torno de 70 mil reais.
Fonte: Instagram.
- Outros 254 comentários são ataques diretos e podem ser classificados como discurso de ódio, caracterizados por expressão de ódio ou que encoraja à discriminação de elementos identitários de Anielle Franco, como sua origem, raça/etnia, gênero e opinião política. Como mulher negra e de origem periférica, identificamos, por exemplo, o questionamento da qualificação de Anielle Franco para o cargo de Ministra de Estado. A combinação entre linguagem de ódio e chacota foi verificada 121 vezes.
- Pelo menos 16 desses comentários odiosos fizeram referência explícita à morte de sua irmã, Marielle Franco, vítima de assassinato político em 2018. A maioria deles foram justamente para desqualificar Anielle e atribuir sua nomeação ao que ocorreu com sua irmã.
Fonte: Instagram
Identificamos também comentários que buscam desqualificar ou inferiorizar Anielle Franco comparando-a a outras mulheres vítimas de violência política de gênero, com destaque para a figura da ex-presidenta Dilma Rousseff. Alvo de amplos ataques durante o seu mandato, Dilma foi fortemente criticada por algumas de suas falas em eventos oficiais, a exemplo da fala em que menciona “estoque de vento” que, assim como “racismo ambiental”, se trata de um termo técnico que pode causar estranhamento ao público geral, transformando-se em munição para ataques que buscam minimizar a qualificação técnica dessas mulheres políticas. Todos esses comentários recorrem ao “humor” para referenciar.
Fonte: Instagram.
O discurso de ódio perpetrado contra Anielle não evoca apenas a misoginia, caracterizado por comentários que questionam sua sanidade mental, sua capacidade cognitiva e observações ofensivas a respeito da sua aparência. Além destes, violências interseccionais, que combinam discriminação de gênero e raça, constituem parte significativa dos comentários criminosos recebidos pela Ministra. Nesse sentido, aqui partimos da noção de que determinados comentários destinados a uma mulher negra devem ser entendidos em um contexto mais amplo e, assim, não devem ser entendidos apenas como insultos, pois configuram racismo e crimes de ódio (Moya, 2021). Dentro deste contexto chamam atenção os comentários que buscam associar a Ministra ao uso de drogas e evocar noções de baixa higiene.
Fonte: Instagram.
Também identificamos, ainda que em menor medida, fortes traços de estigmatização das populações atingidas em virtude de sua classe social.
- Dos 1.409 comentários estudados, 68 atribuem explicitamente as repercussões negativas das fortes chuvas à falta de consciência ambiental dos moradores das áreas atingidas e à ideia de invasão para pautar as ocupações irregulares. Verificamos nessa amostra o uso de perguntas retóricas e tom irônico como uma forma de associar a responsabilidade individual às repercussões das chuvas. Via de regra, a concepção por trás desses comentários desconsidera o contexto histórico da exclusão socioeconômica sofrida pelas vítimas das regiões mais afetadas pelas crises climáticas.
Fonte: Instagram.
- O preconceito é refletido até mesmo nos comentários dessa amostra que evocam algum tipo de responsabilidade estatal (29), os quais apontam a necessidade de promover educação sobre o descarte inadequado de lixo, poluição de rios e a importância de plantar árvores. Supostamente culpadas pela maior vulnerabilidade de seus territórios ao volume das chuvas, as vítimas são acusadas também de votar em políticos que não desenvolvem ações para solucionar e prevenir os problemas recorrentes desses espaços.
A nuvem de palavras abaixo é resultado dos comentários nos quais foram identificados a estigmatização da pobreza como um argumento central. Em destaque, a palavra “pessoa” aparece com frequência na amostra em questão como parte da elaboração que argumenta a favor da responsabilização do indivíduo pelas consequências nocivas das chuvas em seus territórios. Em seguida as palavras “lixo” e “rio” também aparecem em destaque por comentários que não apenas falam da cidade do Rio de Janeiro, mas que também buscam atrelar os desastres à uma falta de consciência ambiental que leva à prática de descarte do lixo nos rios.
Fonte: Elaboração própria
Foram observados também cerca de 100 comentários com teor de cobrança ao governo pela falta de políticas públicas adequadas para lidar com as crises climáticas e habitacionais que corroboram para os desastres em regiões socioeconomicamente mais vulneráveis. Dentro destes, alguns incluíam a ministra como responsável e, a depender dos termos utilizados, foram categorizados também com insulto ou ataque.
Fonte: Instagram.
- Em geral, o apagamento da responsabilidade das autoridades em relação aos desastres também vem acompanhado da falta de entendimento a respeito do termo “Racismo Ambiental” em si, que busca evidenciar não apenas a desigualdade econômica como fator decisivo para vitimação em desastres climáticos, mas também pautar a raça como um marcador dessas vítimas.
- Foram identificados apenas 16 comentários que buscam desenvolver a respeito do termo “racismo ambiental” em um tom educativo/informacional. Embora no Instagram a interação dos usuários com o conteúdo seja mais comum do que com os comentários, ao contrário de plataformas baseadas em texto, como o X, podemos observar que, em ambos os casos, os conteúdos informativos recebem um engajamento relativamente baixo em comparação com conteúdos irônicos.
Elaborado por:
Yasmin Curzi (Professora da FGV Direito Rio, Coordenadora do Programa de Diversidade & Inclusão e do Projeto “Mídia e Democracia” na Escola de Direito)
Giullia Thomaz (Pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio/ Projeto “Mídia e Democracia”)
Lorena Abbas (Pesquisadora do Programa de Diversidade & Inclusão da FGV Direito Rio/ Projeto “Mídia e Democracia”)