Ataques à mídia e violência de gênero contra jornalistas em comentários no YouTube

Por: FGV Direito Rio.

 

 

Por: FGV Direito Rio.

 

 

  • A partir de 28 vídeos do YouTube de canais de mídia tradicional, nos debruçamos sobre 4.810 comentários para identificar como eram as referências dos usuários desta rede à (1) imprensa em geral; (2) aos canais em si; (3) às bancadas dos programas; e (4) aos jornalistas – mulheres e homens; 
  • Mais de ¼ (25,26%) do universo total de comentários foi direcionado a tais personagens, ou seja, 1.215, do total de comentários. Em relação ao teor dos comentários, 20,16% (215) do universo de 1.215 direcionados às personagens deste relatório foi elogioso, ao passo que 82,30% (1.000) deles continham desaprovação, desqualificação ou ofensas às personagens.
  • Enquanto homens foram mais alvos de meras discordâncias, mulheres sofreram com críticas em relação a sua aparência e comentários de teor misógino. Além disso, jornalistas mulheres foram mais alvos de comentários criticando suas qualificações, frequentemente as rotulando como incompetentes.

Este relatório tem como objetivo geral investigar o cenário da violência contra jornalistas em comentários de canais da mídia tradicional no YouTube. Como objetivos específicos, procura compreender se a natureza dos comentários está também vinculada à violência de gênero. Procuramos mensurar, a partir da análise qualitativa de comentários em vídeos da plataforma YouTube, se há diferença entre os comentários gerais em relação ao gênero e à raça daqueles que são porta-vozes das notícias.

Metodologia

Analisamos 28 vídeos do Youtube de cunho jornalístico, postados entre 1° de fevereiro a 1° de abril de 2024, dos quais foram coletados 6.557 comentários. Os critérios de seleção dos vídeos foram: (1) a quantidade de comentários por vídeo, que deveriam possuir, no mínimo, 30 comentários; e, (2) a representatividade nas bancadas dos programas. De tal modo, a análise contemplou programas cujas bancadas eram apenas femininas, apenas masculinas e mistas. 

Com o objetivo de coletar bancadas de programas que fossem relevantes para o público brasileiro de maneira geral, as bancadas aqui analisadas se referem a alguns dos principais canais de mídia tradicional e seus programas no YouTube. Para coletar aqueles com maior relevância no contexto nacional, recorremos ao site Social Blade, que nos deu os 5 canais de mídia tradicional com maior número de inscritos no Brasil. Destes, selecionamos tanto vídeos integrais de canais de cunho jornalístico, ou seja, streaming de programas inteiros, quanto cortes e shorts presentes no YouTube. 

Quadro 1: Lista de programas, vídeos e informações sobre bancadas

 

Do grupo total de 6.557 comentários, foram descartados 1.795 em razão de representarem: (i) respostas entre os usuários cujo conteúdo não estava atrelado a uma interação com o vídeo e as personagens em si; e (ii) ruídos comunicacionais – erros, links externos, ou outros não passíveis de classificação. A partir desse descarte, restaram 4.762 comentários para análise em profundidade.

Para a análise qualitativa, categorizamos os comentários manualmente a partir da identificação de tópicos recorrentes. O glossário desta classificação está no Quadro 2 abaixo. Consideramos os personagens destinatários do comentário como: jornalistas individualmente; bancada; canal; e, por fim, imprensa de forma geral. Alguns comentários faziam referência a mais de uma personagem e tratamos esses casos excepcionais dividindo seu conteúdo enquanto comentários independentes. Foram 48 ocorrências dessa natureza. Assim, os resultados apresentados neste relatório estão pautados no exame de 4.810 comentários no total. 

Além disso, em nossa categorização de comentários, estabelecemos como excludentes os seguintes tópicos: Conteúdo; Apoio; e Discordância. Isto significa que, uma vez que um comentário foi marcado em tais categorias, outros tópicos de análise não poderiam ser marcados. Com interseções possíveis, isto é, não-excludentes, temos as seguintes categorias: Parcialidade; Incompetência; Ironia ou Deboche; Insulto ou Ofensa; Misoginia ou Assédio. 

Quadro 2: Tópicos de análise dos comentários

Para a análise quantitativa, utilizamos dois métodos principais para interpretação dos comentários: (i) modelagem de tópicos, que nos permite calcular a quantidade de termos encontrados nos comentários atrelados a tópicos mais amplos; e (ii) análise de toxicidade, utilizando modelo pré-treinado, capaz de detectar atributos tóxicos em dados de texto.

Estruturalmente, o relatório está dividido em três seções: (i) "Panorama Geral", com análise dos dados gerais extraídos da seção de comentários dos vídeos presentes na amostra no YouTube; (ii) "Análise de conteúdo", na qual as análises de tópicos estão estruturadas; e (iii) "Análise de toxicidade", em que exploramos os resultados da análise de toxicidade dos comentários deixados nos vídeos. 

Panorama geral

Dos 4.810 comentários analisados neste relatório, 3.595 eram comentários gerais sobre o conteúdo dos vídeos (74,7%). Estes comentários compreendiam interações dos usuários com os temas abordados nos programas, emissão de opiniões e participação geral. Como se verifica no Gráfico 1 abaixo, dos 1.215 comentários direcionados às personagens deste relatório: 145 foram à Imprensa de forma geral, 388 às bancadas dos programas, 212 a veículos jornalísticos da mídia tradicional, e 469 a jornalistas. Deste último grupo, 176 a mulheres – 5 racializadas – e 293 a homens – 11 racializados. 

 

Gráfico 1: Total de menções às personagens

 

Made with Flourish

O Gráfico 1 acima permite constatar, em primeiro lugar, que a maioria dos comentários se dirigem às bancadas, contabilizando 32% do total. Em segundo lugar, os Jornalistas Homens são os que recebem mais comentários direcionados, acumulando 24.12%. Àqueles que se referem aos Canais são 17.45%. Para Jornalistas Mulheres temos 14,5% de comentários e, por fim, para Imprensa em Geral, 11,9%.

Importa ressaltar que, com relação aos comentários direcionados aos homens, 85 foram em resposta a um único vídeo e correspondem a menções reiteradas ao jornalista Salvador Nogueira especificamente. 63 desses comentários o citam nominalmente e outros 10 fazem alusão, de forma pejorativa, ao fato de ele trabalhar no jornal Folha de São Paulo.

"O Nerd da Folha assistiu filminhos de ficção demais, ele não entende a urgência de preservação do planeta, ele acha que chegar em Marte e criar vida lá é pra amanhã." 

"Que bom que o entrevistado teve paciência, em ouvir tantas perguntas pobres. O representante da Folha de SP se mostrou completamente atrapalhado, sem nexo, sem preparo para qualquer debate."

Esses comentários são, em sua maioria, críticas à competência do jornalista em relação ao entrevistado. Também identificamos comentários a respeito de suas características físicas, com teor explicitamente gordofóbico. 

"O gordinho ta louco pra ser o novo Cortez hahaha"

"Jantou o gordão"

Segundo Rangel, a gordofobia “é utilizada para denominar o preconceito, estigmatização e aversão englobados por meio de uma opressão estrutural na sociedade que atinge as pessoas gordas”. A desvalorização e a estigmatização em afirmações como as feitas nos comentários pressupõem que a pessoa gorda é fracassada e descuidada, portanto, desqualificada. Esta lógica está conectada ao imaginário da inaptidão física do corpo gordo, projetando, assim, limitações às pessoas gordas.

A partir disso, mesmo que a maioria dos comentários ao jornalista não tenha relação com a sua aparência, é possível que ele seja mais alvo de críticas devido à pressão estética e gordofobia, seja ela explicitada ou não, reiterando  que pessoas gordas tendem a ser vistas como profissionais inferiores. 

 

  1. Análise de Conteúdo

Com relação à categorização por tópicos dos comentários direcionados às personagens deste relatório, o tema mais presente na coleta realizada foi a acusação de parcialidade e desconfiança, com 314 comentários, seguido por conteúdos com insultos e ofensas que correspondem a 267 mensagens. Em terceiro lugar, está apoio às personagens, com 245 comentários, seguido por discordância, com 218 comentários, ironia ou deboche com 118 comentários, acusações de incompetência com 116 comentários e, por fim, discursos com tom de misoginia ou assédio a jornalistas, com 30 comentários. 

 

Gráfico 2: Total de comentários por categoria

 

Made with Flourish

Fonte: YouTube | Elaboração: FGV Direito Rio

  • Esmiuçando os dados gerais em relação a gênero, as alegações de parcialidade são as mais recorrentes, com 314 comentários em vídeos no total. Destes, 104 foram direcionados para jornalistas homens, enquanto 67 para mulheres. Insulto/ofensa vem em segundo lugar, com 267 no total. Jornalistas homens acumularam 67 comentários ofensivos, em comparação a 36 recebidos por elas; 
  • Apoio é a terceira categoria mais frequente, com 245 comentários no total. Jornalistas homens acumularam 52 comentários em seu favor, enquanto mulheres apenas 36. Entre os comentários que recorrem à ironia ou deboche para atacar jornalistas, 168 do total, 53 deles foram direcionados a homens – com atenção ao caso de Salvador Nogueira, previamente mencionado – em oposição a 31 direcionados às mulheres; 
  • Na categoria de comentários com mera discordância, eles acumularam 84 comentários enquanto elas, apenas 28. Por fim, na categoria de incompetência, as mulheres são mais referidas em comentários que as desqualifica, inferiorizam e colocam suas capacidades em dúvida. São 30 comentários direcionados a jornalistas mulheres sugerindo incompetência em relação a 25 direcionados a homens;

Gráfico 3: Porcentagem de comentários por tópicos para cada personagem

Made with Flourish

A categoria de apoio foi avaliada a fim de verificar quais personagens – sejam elas canais, bancada, imprensa ou jornalistas – receberam comentários em seu favor. Nesse sentido, buscamos verificar se houve alguma predominância em relação a gênero.

  • A partir da análise qualitativa dos comentários, foi possível observar a seguinte distribuição: 245 (20%) apoios e elogios, sendo 128 direcionados somente às bancadas, 88 para jornalistas em geral (52 homens e 36 mulheres) e 4 para imprensa em geral.
  • Nesse sentido, é possível inferir que a maior quantidade de elogios é referente aos jornalistas homens, os quais receberam 52 comentários de apoio do total de mensagens direcionadas a jornalistas em geral. O menor apoio direcionado às jornalistas mulheres sinaliza uma tendência de valorização diferenciada com base no gênero, o que reflete dinâmicas historicamente desiguais de reconhecimento e de visibilidade profissional.

"Parabéns a este jornalismo, corajoso e firme ao reconhecer a culpa do golpista" 

"Parabéns a todos participantes. Pondé você fala as minhas palavras libertem os reféns. Após a liberdade de todos os reféns teremos paz."

"Parabéns aos comentaristas de hoje! Excelentes comentários, extremamente pertinentes, correntes e precisos quanto a realidade do momento sobre o comentário de Lula sobre a guerra entre Israel e Hamas."

  • Os comentários citados acima exemplificam a natureza do apoio recebido, demostrando uma valorização de atributos como coragem e assertividade no jornalismo, bem como o alinhamento entre os comentários dos analistas e as perspectivas do público. Historicamente, tais atributos são associados a estereótipos masculinos de liderança e autoridade, os quais, por sua vez, potencialmente influenciam a percepção do público e a maneira como ele expressa admiração e reconhecimento.

Discordância

Em relação à discordância foram avaliados comentários que apenas discordavam das opiniões transmitidas pelas personagens da análise. Nesse sentido, não há um juízo de valor maior, mas apenas um comentário que não coaduna com o que foi dito.

  • Observamos, conforme análise qualitativa, 218 (18%) discordâncias, sendo 112 para jornalistas (84 para homens e 28 para mulheres), 32 para canais, 65 para a bancada e 13 para a imprensa em geral.
  • A predominância da discordância ou rejeição prevalece para homens, mas são, em sua maioria, destinadas às bancadas, que são, em grande parte, mistas (211) e, em segundo lugar, compostas somente por mulheres (5).

"Caro Salvador Nogueira: você está nesse programa como entrevistador, e não como debatedor. De qualquer forma, num debate é preciso deixar que o outro fale, que complete seu argumento. Essa conversa no segundo bloco beirou o constrangimento." 

"Jóias ????? Bolsonaro :' a minha parte eu quero em dinheiro !' 

"O Josias não sabe que a ONU não considera terrorismo ações de retaliação de cidadãos cujo pais esteja ocupado por um pais agressor."

  • Os dados sobre discordância também podem refletir dinâmicas de gênero presentes na sociedade, onde vozes masculinas podem ser mais frequentemente desafiadas ou questionadas publicamente, uma vez que estão em maior evidência ou ocupam posições percebidas como de maior autoridade. 
  • Paradoxalmente, também podem indicar que as jornalistas mulheres são menos sujeitas a críticas abertas ou discordâncias diretas, o que não necessariamente reflete um maior acordo com suas opiniões. Isso poderia estar associado  a uma tendência cultural de menor confrontamento direto com mulheres em espaços públicos acerca de suas opiniões, o que também pode ser visto como uma forma de marginalização ou invisibilização de suas perspectivas.
  • Além disso, as jornalistas mulheres são especificamente referidas em comentários sobre suas aparências, por vezes com teor sexual, além de ofensas com tom misógino, como veremos em tópico dedicado ao tema. 

 

Parcialidade

Este grupo de comentários engloba aqueles que acusam as personagens deste relatório de ter sua fala ou notícia influenciada pela sua preferência político-ideológica. 

  • Foram encontrados 424 (34,90%) comentários com teor de parcialidade, dos quais, 171 foram direcionados para jornalistas – 67 para jornalistas mulheres e 104 para jornalistas homens –; 92 para canais, 70 para as bancadas e 91 para imprensa. 
  • Esse tipo de comentário utiliza dois eixos argumentativos principais: o primeiro deles afirma que as personagens são ideologicamente alinhadas com o Lula/PT/esquerda ou com o bolsonarismo/extrema direita, ou com outro enquadramento ideológico. 
  • O segundo recorre a questionamentos acerca da influência de grupos econômicos sobre o conteúdo veiculado pelos canais de mídia tradicional, sugerindo falta de independência intelectual. 

E vcs estão de que lado? Vcs são lacaios do Lula, que apoia o Maduro!” (direcionado à bancada)

“Esses aí, nada mais são do que cabos eleitorais do lula, tirando onda de jornalistas” (direcionado à bancada)

“E aí Mônica o que está sentindo com tudo que Bolsonaro está passando kkk” (direcionado a Mônica Bergamo)

“Me parece que o faz me rir $$$ voltou cair na conta da uol!” (direcionado a Uol)

A entrevista até que foi boa. O grande problema é a "VERBA CAGALHÃES"! Essa mulherzinha é nojenta e intragável! Que saudades de Augusto Nunes no comando do roda viva! Essas militantes disfarçadas de jornalistas ou jornalistes que sucederam ele transformaram o "roda viva" em "roda morta"! R.i.P. roda viva R.I.P. TV Cultura” (direcionado a Vera Magalhães)

  • Os comentários de acusação exemplificados  acima, são indicativos de um ceticismo do público com relação à integridade da cobertura jornalística. Também podem refletir uma polarização política mais ampla na sociedade, que permeia a percepção de neutralidade e objetividade na mídia. A referência a jornalistas como "lacaio" ou "cabos eleitorais" denota uma percepção de que os profissionais da comunicação estão a serviço de interesses políticos, em vez de se comprometerem com o jornalismo ético e imparcial.
  • Em termos qualitativos, é importante notar que as jornalistas mulheres são especificamente visadas em comentários que vão além da crítica profissional, adentrando no território de insulto pessoal, como ilustrado no comentário dirigido a Vera Magalhães. Essa tendência sugere que a percepção de parcialidade pode ser exacerbada por estereótipos de gênero, onde jornalistas mulheres enfrentam não só o desafio de serem vistas como parciais, mas também ataques pessoais que questionam sua credibilidade profissional, integridade e valor como indivíduos.

Insulto ou ofensa

Esta categoria buscou colher comentários que apresentassem algum tipo de qualidade ofensiva, a fim de insultar os personagens vistos no conteúdo dos vídeos.

  • No âmbito dos comentários que possuíam algum tipo de insulto ou ofensa, puderam ser observados 267 (21%) mensagens com  insulto/ofensa, sendo 103 para jornalistas, 67 para homens e 36 para mulheres, 64 a canais, 65 as bancadas, 48 a imprensa em geral. No que tange às bancadas, a maioria era de bancadas mistas (242), seguidas por masculinas (20).
  • O emprego de termos depreciativos como "lixo" e outras expressões pejorativas denota a propagação de um clima de intolerância e desprezo pelo trabalho jornalístico. 

"Hipócritas"

"CNN LIXO"

"Fabíola péssima ,sinto o mal nela" (direcionado à Fabíola Cidral"

 

  • Em nossa análise qualitativa, também identificamos que as ofensas dirigidas a jornalistas mulheres foram especialmente problemáticas, frequentemente se caracterizando por uma dimensão de gênero na escolha das ofensas. 

"Essa lacradora deve fumar muita maconha" 

"Essa jornalista é burra ou tá fazendo cursinho,? Os processos de Lula não foi anulado , eles não conseguiram provar nada"

  • Alguns comentários, também continham elementos de discriminação racial e estética, atacando as jornalistas por características físicas ou insinuando preconceitos raciais.

"Essa mulher da bancada meio preta meio branca é chata pqp"

  • Tais insultos refletem não apenas o clima de hostilidade nos espaços de discussão online, mas também podem espelhar um padrão de desprezo por profissionais do sexo feminino que são visíveis e atuantes em campos tradicionalmente dominados por homens.

Ironia ou deboche

A categoria faz uso de recursos linguísticos que buscam ridicularizar o jornalista, a imprensa ou o canal. Na análise desses comentários, é possível verificar o uso de emojis como forma de acrescentar um tom ainda mais irônico ao escrito.

  • Com relação a comentários que trazem algum tipo de ironia ou deboche, foi possível observar que 168 (14%) comentários continham algum tipo de ironia/deboche, 84 para jornalistas em geral, 31 para mulheres e 53 para homens, 28 para canais, 42 para bancada e 16 para a imprensa geral.

"🤑🤑🤑🤑página passa pano pra bandido,dá nojo🤑🤑🤑"

"😂 peida esquerdalha eixo do mal 🤣"

"A IMPRENSA HIPÓCRITA MENTIROSA MILITANTE do lule NÃO CANSA de passar VERGONHA 🤣🤣🤣🤣 ESTÃO DESESPERADOS PORQUE NÃO ENCONTRA NADA de bolsonaro 😂😂😂😂 Só DESINFORMAÇÃO na MENTE ATROFIADA dos JUMENTOS com TANTA MENTIRA 😂😂😂😂"

"Bom ver Gleiser rebater o jornalismo hegemônico 'sabetudo' 😂"

 

  • Os exemplos citados incluem emojis, que funcionam como um reforço visual do tom irônico, potencializando o efeito do deboche. Eles podem ser usados para ridicularizar, por exemplo, a suposta parcialidade ou incompetência da imprensa, como no comentário que associa a mídia a uma postura de "passar pano para bandido", utilizando emojis que sugerem uma relação com dinheiro.
  • O uso de emojis e frases que ridicularizam grupos inteiros, como no exemplo que se refere a opositores políticos pejorativamente, sublinha a divisão e a polarização presente no discurso público. 
  • A escolha de termos como "imprensa hipócrita" e "mentirosa militante" reflete o possível desgaste de veículos tradicionais, dialogando com a acusação de parcialidade.

 

Incompetência

Esta categoria tem como principal objetivo identificar comentários que possuem a intenção de deslegitimar a personagem enquanto profissional, questionando sua aptidão para o exercício do jornalismo

  • 117 (9,63%) comentários foram classificados com esta categoria. Dentro deste universo, 55 foram direcionados a jornalistas – 25 para jornalistas homens, 30 para jornalistas mulheres –, 5 a canais, 52 para bancadas e 5 para imprensa em geral.
  • A distribuição pode refletir um viés de gênero nas percepções de competência no jornalismo, onde mulheres jornalistas podem ser submetidas a escrutínio mais severo e a questionamentos mais frequentes sobre suas habilidades. 
  • Em nossa análise qualitativa, identificamos que são diversos os recursos linguísticos mobilizados para afirmar que as personagens não têm a competência necessária para veicular a informação ou fazer uma análise de cunho jornalístico. Dentre os mais recorrentes, estão aqueles que sugerem baixa aptidão cognitiva ou informações incorretas. Há destaque também para os comentários que sugerem um despreparo para a profissão. 

“As perguntas da repórter no começo são tão infantis, tão óbvias, tão direcionado a resposta... Que não vou assistir a resposta óbvia... Quero Boçal preso, mas não quero ver reportagem feita pra crianças... Nem com Inteligência Artificial ela consegue fazer perguntas mais inteligentes?” (direcionado à jornalista mulher)

Jornalismo incompetente chamam o ministro para falar mal do governo anterior esse é o mal da esquerda lamentável cadê as propostas de progresso para o país ao invés de ficar olhando para o retrovisor o cara só mentiu descaradamente pareceu perguntas combinadas.” (direcionado à bancada)

  • Como exemplo de mulheres sendo mais questionadas em relação a sua competência do que homens, podemos destacar o primeiro comentário apresentado acima: a mensagem, além de fazer uma crítica a inteligência das perguntas de uma jornalista mulher, questiona sua competência e  também usa linguagem que sugere condescendência, qualificando suas perguntas como "infantis" e "óbvias".

Misoginia ou assédio 

A categoria Misoginia ou assédio tem o objetivo medir o insulto específico direcionado a mulheres, cujo teor é misógino. Nesse sentido, o assédio, que por muitos pode não ser considerado insulto, está incluso e também compõe esse tipo de conteúdo. 

  • Aqui foram encontrados 30 (2,47%) comentários contendo conteúdo misógino. Nenhum direcionado a jornalista racializada, apesar de haver um comentário de cunho racista. 28 comentários (2,30%) foram direcionados a jornalistas mulheres, um para o canal, pois ofende o programa e as escolhas do canal, e outro para as mulheres da bancada em geral. 
  • Apesar de os números não serem altos, há gravidade nesse tipo de conteúdo: os comentários possuem como alvo a qualidade do programa quando apresentado por mulheres.

"Definitivamente, esses jornalistas são umas fofoqueiras que só querem ouvir o que lhes convém."

"Programa xereca!!!kkk"

  • A categoria também abarca qualificadores que servem para a inferiorização de jornalistas por serem mulheres, podendo incluir apelidos vexatórios ou acusatórios. 
  • Além disso, também consideramos o apelo ao silenciamento das jornalistas como um comentário de viés misógino. 

"A Verba dwveria ficar calada e deixar correr . Quando ela fala dá vontade de procurar outro canal."

"Adoro quando a Madeleine Lacsko participa, pulo tudo que ela diz e aí fico bem informado em metade do tempo"

  • A misoginia também pode vir em forma de suposto elogio. Tais ações deixam de ser elogiosas quando, além de feitas no ambiente de trabalho, são ditas ou escritas por homens desconhecidos, e, no caso de jornalistas, com o mesmo objetivo desqualificador citado acima. Esses comentários tiram o foco do conteúdo dito ou apresentado por elas.
  • Apesar de parecerem elogios, configuram misoginia se reduzem a jornalista à sua aparência física ou insinuam que o seu valor está atrelado a atributos sexuais ao invés de suas habilidades profissionais. Por exemplo, comentários que focam na beleza ou no corpo de uma jornalista desviam o foco de seu conteúdo jornalístico e servem para objetificá-la.

"Fabíola além de de ser inteligente é linda"

MANDA ESSA JORNALISTA XINGAR UNS PALAVRÕES AI , ELA FICOU MUITO SEX XINGANDO … 

  • Há outro tipo de comentário que, além de não tentar se disfarçar de elogio, tem objetivo explícito de sexualizar as jornalistas. Alguns internautas ainda tecem comentários sobre partes do corpo das jornalistas culturalmente entendidas como erógenas. O objetivo desse tipo de fala é tirar a mulher do lugar de profissional da sua área e colocá-la como objeto sexual.

"Essa mina tem uns dengo na cama deve ser um foguete."

"A jornalista Paola Deodoro ( revista Marie Claire ) está com uma blusa de decote discreto , mas que deixa ver que seus peitos são lindos . Espero que sejam naturais e não de silicone kkklllkkk"

  • Por fim, foi encontrado no recorte da pesquisa um comentário que junta misoginia e racismo. Nesse caso, a jornalista é comparada a uma personagem de desenho animado em razão de seu cabelo cacheado, o que por si só já é visto pela pesquisa como uma tentativa de inferiorização. 

“FAbiola mulher do simpson kk igualzinha …”

  1. Análise de toxicidade

Para a análise de toxicidade, aplicamos o modelo Detoxify, ferramenta treinada para discernir atributos tóxicos presente em textos. A pontuação atribuída por este modelo para o conteúdo detectado como tóxico varia em uma escala de 0 a 1, com 0 correspondendo a comentários desprovidos de toxicidade e 1 a comentários de elevada toxicidade. A linha de corte para a qualificação de um comentário como tóxico foi estabelecida em um nível superior a 0.6. 

  • A distribuição de comentários tóxicos revelou 274 comentários com índices de toxicidade iguais ou superiores a 0.9, caracterizando alta toxicidade no debate total. Adicionalmente, 167 comentários foram pontuados entre 0.8 e 0.89, 141 entre 0.7 e 0.79, e 125 entre 0.6 e 0.69. 
  • O Gráfico 4 abaixo mostra a quantidade de comentários e a incidência de toxicidade identificada, segmentada por tipo de bancada (mista, feminina, masculina) em um contexto de análise de canais jornalísticos. 

Gráfico 4: Toxicidade em comentários de canais jornalísticos por tipo de bancada

 

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Fonte: YouTube | Elaboração: FGV Direito Rio

  • Observamos que, para as bancadas mistas, foram registrados 3.702 comentários não tóxicos em contraste com 600 tóxicos. As bancadas femininas tiveram 329 comentários não tóxicos contra 88 tóxicos. As bancadas masculinas, embora com números menores em termos absolutos, apresentaram 25 comentários não tóxicos e 19 tóxicos.
  • Embora menos frequentes, os comentários tóxicos ainda representam uma porção relevante do total direcionado às bancadas masculinas. Conforme verificado no Gráfico 4 acima,  analisando a proporção de comentários tóxicos em relação ao total de comentários recebidos pela bancada, ela é maior quando o programa é protagonizado apenas por homens.
  • Na avaliação específica por gênero do jornalista (Gráfico 4, abaixo), observamos que dos comentários direcionados a mulheres, 151 (87.3%) foram considerados não tóxicos e 22 (12.7%) como tóxicos. Por outro lado, os comentários direcionados a jornalistas homens indicam que 233 (83.5%) foram não tóxicos e 46 (16.5%) tóxicos.

Gráfico 5: Toxicidade em comentários por gênero dos jornalistas

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Fonte: YouTube | Elaboração: FGV Direito Rio

 

  • A partir destes dados, é possível inferir que, embora uma maior porcentagem de comentários tóxicos seja direcionada a jornalistas homens, a diferença percentual não é substancial em relação às mulheres. Todavia, considerando o panorama geral, os dados analisados demonstram que independentemente do gênero as pessoas que exercem a profissão estão sujeitas a receber comentários tóxicos, os quais, a depender da gravidade e natureza, podem ter um impacto psicológico e na carreira significativo. 



 

Figura 1: Nuvem de palavras para toxicidade em comentários direcionados a jornalistas homens

 

 

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Fonte: YouTube | Elaboração: FGV Direito Rio

 

  • Na nuvem de palavras com comentários considerados tóxicos direcionados a jornalistas homens (Figura 1), observamos uma variedade de termos ofensivos, como "mentiroso", "vergonha", "corrupção", "jornalista" e "esquerda". Tais palavras ressaltam as acusações de parcialidade da mídia e indicam os efeitos de uma discussão polarizada, com acusações de falsidade e corrupção associadas à imprensa, além de termos que indicam um possível alinhamento ou acusação de viés político.
  • Termos como "bolsonaristas" e nomes próprios de figuras públicas, aparecem com destaque, o que sugere que estes indivíduos são centrais nos comentários analisados. A presença de palavras negativas e pejorativas reflete um ambiente tóxico e de confronto, onde a figura do jornalista masculino parece estar no centro de debates acalorados e críticas. Algumas expressões utilizadas, inclusive, podem cruzar a linha do discurso construtivo e entrar no território do insulto ou da desqualificação.

 

Figura 2: Nuvem de palavras para toxicidade em comentários direcionados a jornalistas mulheres

 

 

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Fonte: YouTube | Elaboração: FGV Direito Rio

 

  • A nuvem de palavras da Figura 2 acima, sobre os comentários direcionados às jornalistas mulheres, destaca uma variedade de termos que parecem focar em críticas, atribuições pessoais e questões de desempenho no trabalho. Palavras como "vergonha", "linda", "péssima", "excelente" e "jornalista" surgem em destaque, sugerindo uma mistura de feedback negativo e positivo. É preciso ressaltar, contudo,  a conotação sexista no modo como algumas dessas palavras foram empregadas nos comentários analisados em profundidade.
  • A característica principal é que as jornalistas mulheres são submetidas a uma ampla gama de julgamentos baseados não apenas em seu desempenho profissional, mas também em percepções e expectativas baseadas em estereótipos de gênero. A presença de termos como "bonita" e "programa", junto a termos pejorativos e diminutivos, reforça a ideia de que a aparência das jornalistas frequentemente se torna um foco indevido de atenção, desviando do conteúdo do seu trabalho jornalístico.



 

Elaborado por:

Este relatório foi produzido pelo Programa de Diversidade & Inclusão da FGV Direito Rio.

Autoria:

Yasmin Curzi (Professora da FGV Direito Rio, Coordenadora do Programa de Diversidade & Inclusão e do Projeto "Mídia e Democracia" na Escola de Direito)

Carolina Peterli (Pesquisadora do Programa de Diversidade & Inclusão da FGV Direito Rio/ Projeto "Mídia e Democracia")

Fernanda Gomes (Pesquisadora do Programa de Diversidade & Inclusão da FGV Direito Rio/ Projeto "Mídia e Democracia")

Giullia Thomaz (Pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio/ Projeto "Mídia e Democracia")

Hana Mesquita (Pesquisadora do Programa de Diversidade & Inclusão da FGV Direito Rio/ Projeto "Mídia e Democracia")

Iris Rosa (Pesquisadora do Programa de Diversidade & Inclusão da FGV Direito Rio/  Projeto "Mídia e Democracia")

Isabella Markendorf Marins (Pesquisadora do Programa de Diversidade & Inclusão da FGV Direito Rio/ Projeto "Mídia e Democracia")

Lorena Abbas (Pesquisadora do Programa de Diversidade & Inclusão da FGV Direito Rio/ Projeto "Mídia e Democracia")

Camila Lopes (Pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio)