Influenciadores e atores políticos impulsionam debate sobre violência sexual no Marajó nas redes
Por: FGV ECMI
Por: FGV ECMI
- O debate sobre exploração sexual no Marajó em 2024 se difere de discussões em anos anteriores por seu teor majoritariamente positivo em relação a Damares Alves;
- Se em 2019 e 2022, atores políticos e veículos de mídia foram os protagonistas da discussão, em 2024, celebridades e páginas de entretenimento e fofoca conseguem destaque;
- A atuação de artistas no debate gerou uma comoção social que fez com que a discussão furasse a bolha da política institucional; mas, ao mesmo tempo, amplificou os argumentos de atores da extrema-direita.
Qual o papel dos influenciadores digitais e das páginas de entretenimento no debate sobre a exploração sexual no Arquipélago do Marajó? Essa foi a pergunta que guiou o estudo da FGV Comunicação Rio, voltado a uma série de posts no Facebook, no Instagram e no X. Analisando período temporais mais amplos, de 2018 a 2024, mas traçando também recortes específicos sobre fevereiro deste ano, o estudo indica como a participação de artistas, influenciadores e páginas de entretenimento e fofoca foram um dos elementos centrais no debate sobre o assunto – seja promovendo uma onda de comoção social, auxiliando a embasar argumentos de perfis religiosos e de extrema-direita ou ainda estando no centro de publicações retiradas do ar pelas plataformas.
Exploração sexual infantil no Arquipélago do Marajó
Evolução do debate sobre o tema no Facebook e no Instagram
Período: 21 de fevereiro até 03 de março de 2024
Fonte: Meta Ads | Elaboração: FGV ECMI
- Menções à exploração sexual no Marajó podem ser mapeadas, pelo menos, desde 2018, mas o tema apresentou picos mais significativos em três momentos: em julho de 2019, após a então ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, proferir uma fala polêmica sobre as razões para mulheres serem sexualmente abusadas; em outubro de 2022, quando, no contexto das eleições presidenciais, Damares fez graves denúncias sobre a exploração sexual no arquipélago; e em fevereiro de 2024, após a viralização de um vídeo do reality gospel, Dom, no qual a cantora Aymeê se apresenta com uma música que retrata a exploração no local;
- Há duas nuances principais entre esses três momentos. Embora ambos se voltem à exploração sexual contra crianças e adolescentes no Arquipélago do Marajó, há uma distinção nos perfis e páginas que participaram desses debates. Se em 2019 e em 2022, a discussão esteve prioritariamente restrita a veículos de mídia e a atores políticos de diferentes campos, em 2024, artistas e páginas de entretenimento e fofoca se somaram ao debate;
- Nota-se, nesse sentido, que essa modificação levou ainda à uma mudança no teor da discussão ao longo dos três períodos: enquanto os dois primeiros são majoritariamente críticos a Damares Alves, na medida em que suas acusações não encontraram respaldo em provas, em 2024, o debate foi bastante favorável às ideias da senadora;
- Isso porque os posts de celebridades e páginas de entretenimento estiveram muito afinados às declarações anteriores de Damares – o que contribuiu para uma comoção social ampliada e auxiliou a embasar argumentos de atores evangélicos e da extrema-direita, que saíram em defesa da senadora, indicando que ela sempre esteve certa sobre a exploração no Marajó.
Principais perfis no debate sobre o tema no Facebook e no Instagram
Período: 21 de fevereiro até 03 de março de 2024
Fonte: Instagram | Elaboração: FGV ECMI
- Para verificarmos essas dinâmicas de modo mais detalhado, analisamos os principais perfis do debate ocorrido em 2024, considerando apenas a semana na qual esta discussão atingiu seu ápice. Nesse escopo, a participação de páginas de fofoca, influenciadores digitais e artistas fica ainda mais evidente;
- No Facebook, dos 20 perfis com maior engajamento médio em torno do assunto, 4 são do nicho de entretenimento e celebridades, enquanto no Instagram, esse número sobe para 6. Em um primeiro olhar, estes dados podem soar como irrisórios, mas é importante considerar que perfis como esses não costumam se envolver em discussões originadas no escopo da política institucional;
- Além disso, nos picos anteriores, em 2019 e em 2022, essa movimentação não ocorreu: em 2019, atores políticos, veículos de mídia e páginas feministas protagonizaram a discussão e, em 2022, novamente atores políticos e, em alguma medida, perfis religiosos foram os destaques. Pode-se dizer, portanto, que o debate de 2024 se diferencia dos demais, na medida em que transborda para além dos campos da política mais propriamente, gerando uma comoção mais generalizada em torno do assunto.
Mapa de interações do debate sobre o tema no X
Período: 20 até 24 de fevereiro de 2024
Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI
- A participação de páginas mais ligadas ao campo do entretenimento no debate sobre a exploração sexual no Marajó também foi uma dinâmica mapeada no X. Analisando apenas os dias de maior pico dessa discussão, especificamente em 2024, notamos que este grupo (roxo) é composto por páginas e perfis progressistas, que geralmente não se envolvem no debate mais político, como @juliette;
- Assim como mapeado no Facebook e no Instagram, há um fenômeno comunicacional interessante, com uma onda de envolvimento social pautada por esse cluster em torno do tema, prevalecendo um tom de denúncia e de mobilização civil. Embora esse grupo de influenciadores apresente mais conexões com o cluster da esquerda (vermelho) do que com o da direita (azul), este último se apropriou da atenção mobilizada pelos influenciadores para pautar a “urgência” de ações mais efetivas no Arquipélago do Marajó;
- Protagonista da discussão, os perfis e páginas de direita (azul) relembram as denúncias da senadora Damares Alves em torno do tema ainda em 2022, indicando que a esquerda, a imprensa e os artistas brasileiros seriam hipócritas por terem, à época, criticado as declarações de Damares. Já a esquerda (vermelho), por sua vez, mantém as críticas à senadora, questionando ainda a alegada motivação de ONGs evangélicas em torno do tema e associando a cantora Aymmê à extrema-direita.
Evolução de conteúdo impulsionado sobre o tema no Facebook e no Instagram
Período: 21 de fevereiro até 03 de março de 2024
Fonte: Meta Ads | Elaboração: FGV ECMI
- A partir de uma análise sobre os conteúdos impulsionados em torno do tema no Facebook e no Instagram, percebemos que o pico de impulsionamentos ocorre depois dos picos de menções orgânicas. Em outras palavras, se o debate geral nestas plataformas avança entre os dias 21 e 22, a concentração de posts impulsionados ocorre um dia depois, em 23 de fevereiro;
- Essa temporalidade pode sinalizar um caráter de reação interessante, indicando que o impulsionamento reagiu ao debate geral sobre exploração sexual no Marajó, tentando estendê-lo e aumentar o seu fôlego e alcance.
- Nesse escopo, os principais responsáveis por impulsionar posts foram parlamentares, mas páginas de mídia e de entretenimento também atuaram nesse processo;
- Do total de publicações impulsionadas acerca desse tema no Facebook e no Instagram, cerca de 61,8% foram retiradas do ar pelas plataformas por infringirem algum aspecto dos seus termos de uso – o que nos levanta a possibilidade de boa parte destes posts possuírem conteúdo desinformativo sobre o assunto;
- Entre as publicações bloqueadas, um traço predominante é a participação de influenciadores digitais. Um vídeo de Carlinhos Maia corroborando declarações de Damares sobre as crianças no Marajó terem os dentes arrancados para a prática de sexo oral é um exemplo disso. Assim como os posts da página “Ajude Marajó” que, retirada do ar dias depois, teve 74 publicações sobre o tema bloqueadas, entre elas, falas de Carlinhos Maia.