Eventos extremos, disputas político-partidárias e desinformação marcam debate sobre mudanças climáticas nas redes
Por: FGV ECMI
Por: FGV ECMI
- Episódios relacionados à política institucional e a eventos extremos, como as inundações do litoral de São Paulo e no Rio Grande do Sul, motivaram os maiores picos do debate;
- O debate parlamentar sobre o tema tendeu a ocorrer em um nível de disputa político-partidária, sem registros de mensagens com teor programático ao tópico;
- Teorias da conspiração e pseudociência caracterizam eixos desinformativos lateralmente presentes. Conteúdos negam efeitos negativos de atividades humanas nas alterações da temperatura global.
Notícias e comentários sobre os eventos extremos do ano, sobretudo os ocorridos no litoral de São Paulo e no Rio Grande do Sul, ficaram em destaque no debate público sobre mudanças climáticas. A atribuição de responsabilidades relacionadas aos eventos e às oscilações globais de temperatura, porém, são caracterizadas pela disputa político-partidária e pela mobilização de eixos desinformativos. É o que mostra estudo da FGV Comunicação Rio, que analisou o debate digital sobre mudanças climáticas no X, no Facebook, no Instagram, no WhatsApp e no Telegram, entre 1º de janeiro e 19 de setembro de 2023.
Conflitos político-partidários ficam em evidência, por exemplo, no destaque obtido pelas acusações da oposição à figura de Lula, criticado pela ausência diante das recentes inundações no Rio Grande do Sul. Apontando para a articulação entre eixos desinformativos e político-partidários, o atual presidente brasileiro e seus aliados, bem como ambientalistas, são, por vezes, caracterizados como “globalistas”. Isso porque a análise dos eixos desinformativos registrados no debate mapeado revela a presença de teorias conspiracionistas que articulam conteúdos variados para elencar fatores político-ideológicos como os “verdadeiros responsáveis” por fenômenos associados à interferência humana nas mudanças climáticas.
Debate sobre mudanças climáticas
Evolução do debate sobre mudanças climáticas
Período: de 1º de janeiro a 19 de setembro
Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI
- A discussão sobre mudanças climáticas foi diversa ao longo do ano, mas episódios relacionados a eventos extremos e à política institucional motivaram os maiores picos do debate. Tragédias associadas a temporais e inundações, como as ocorridas em fevereiro, no litoral de São Paulo, e no início de setembro, no Rio Grande do Sul, constituíram alguns dos maiores picos da discussão - atrás apenas da onda de calor no fim do inverno brasileiro e da participação de Lula na ONU, no dia 19 de setembro, na qual o presidente enfatizou a urgência de ações de combate à emergência climática;
- Os dados sugerem que efeitos concretos no cotidiano das pessoas motivam uma discussão mais robusta sobre as consequências das mudanças climáticas. Embora essa associação não implique, necessariamente, em uma ampla conscientização a respeito do tema, as mensagens de maior destaque associam diretamente os eventos extremos em discussão aos impactos negativos das atividades humanas no meio ambiente, linha explicativa adotada, em geral, em perfis engajados na agenda ambiental;
- Cobranças, críticas e elogios ao governo eleito a respeito da condução da agenda climática se destacam, além de declarações institucionais na ocasião de eventos internacionais. Críticas à falta de infraestrutura e de recursos para prevenir ou aplacar as consequências de tragédias estão em evidência. Nesse sentido, é frequente a associação entre ações urgentes a respeito das mudanças climáticas e a possibilidade de salvamento de vidas, tanto por parte de perfis engajados na pauta quanto por parte de autoridades do governo.
Principais termos sobre mudanças climáticas no X
Período: de 1º de janeiro a 19 de setembro
Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI
- Em destaque na nuvem, a tragédia do Rio Grande do Sul motivou eixos temáticos distintos: desde denúncias de desinformação propagada por jornalistas e políticos até alertas metereológicos, atualizações da situação no estado e a divulgação de ações do governo federal para mitigar os efeitos da crise. Em perfis de mídia alternativa, o enfoque foi a discussão sobre a necessidade de haver planos de enfrentamento às mudanças climáticas nos estados;
- Tópicos como a emissão de carbono, desenvolvimento sustentável, crise hídrica e povos indígenas também surgiram com destaque em associação direta ao combate às mudanças climáticas, especialmente em referência à crise humanitária dos Yanomamis, exposta midiaticamente no início do ano, e às manifestações contra o Marco Temporal, no segundo semestre de 2023;
- O combate à desinformação também esteve em evidência no debate, em especial atrelado a críticas à pseudociência intencional. A hashtag #MentiraTemPreço, por exemplo, acompanhou a divulgação de um estudo homônimo da ONG InfoAmazonia sobre como hipóteses científicas são utilizadas de forma distorcida para a propagação do negacionismo climático;
- Outras hashtags relacionadas ao combate às mudanças climáticas também se destacaram no debate, como #cúpuladaamazônia, #cop30, #emergênciaclimática, #demarcaçãojá, #marcotemporalnão e #salveamataatlântica, o que denota uma abordagem de caráter majoritariamente engajado a respeito da agenda climática no X.
Debate parlamentar sobre mudanças climáticas no Facebook e no Instagram
Período: de 1º de janeiro a 19 de setembro
Fonte: Facebook | Elaboração: FGV ECMI
- A oposição ao governo teve predominância no debate parlamentar tanto no Facebook quanto no Instagram. Como apresentado em relatórios anteriores, o argumento mais proeminente corresponde a tentativas de associar Lula a uma agenda ambiental e climática negativa a partir de dados que apontam para o aumento de desmatamento de biomas como a Amazônia e o Cerrado;
- Tenta-se ainda associar o atual presidente ao chamado globalismo, sob a ideia de que o Brasil estaria se “vendendo” para países ricos a partir de “falsas narrativas” sobre mudanças climáticas. Reforçando a tendência identificada nas análises acima, posts que acusam Lula de ter sido “desumano” em meio às inundações do Sul tiveram destaque importante no debate. Eles afirmam que Lula teria sido “leniente” e optado por viajar ao exterior para “buscar holofotes”, em vez de visitar a região;
- Já os posts de maior repercussão de parlamentares alinhados ao governo buscaram enfatizar, ao contrário, como o presidente estaria preocupado com desastres associados a mudanças climáticas. Nesse sentido, houve destaque para a ida de Lula ao litoral de São Paulo, nas inundações de fevereiro;
- Observa-se, no geral, que o debate parlamentar sobre mudanças climáticas ocorre muito mais em um nível de disputa político-partidária do que propriamente em um nível propositivo e programático a respeito do tema em questão. Essa disputa envolve, sobretudo, a atribuição de responsabilidades e de significados para a postura de atores potencialmente envolvidos em cada caso.
Principais links sobre mudanças climáticas no Facebook
Período: de 1º de janeiro a 19 de setembro
Fonte: Facebook | Elaboração: FGV ECMI
- Críticas ao alegado distanciamento de Lula em relação à manifestação de solidariedade frente às inundações do Rio Grande do Sul, os anúncios de ondas de calor extremo no inverno e notícias a respeito de recordes de desmatamento na Amazônia, assim como a crise humanitária dos Yanomamis, foram temas que estiveram em maior evidência na circulação de links sobre mudanças climáticas no Facebook. O conjunto de links sugere a variedade de perspectivas com as quais o tópico ganhou visibilidade na rede, seja de caráter político, noticioso ou científico;
- Nesse sentido, quatro dos links em destaque mencionaram diretamente a ocorrência de eventos extremos como efeitos de desequilíbrios ambientais causados pela interferência humana, o que denota um interesse relevante em relação a pontos de vista científicos, como o aquecimento global. Entre notícias descritivas e reportagens opinativas, este é o caso dos links de MSN Brasil, PT Assembleia RS, UOL e Superinteressante. Outras reportagens, como em MetSul e Extra, focam em fenômenos já consolidados, como o El Niño, ou não apontam para possíveis razões para as temperaturas extremas;
- Por outro lado, um texto publicado no blog A Chave dos Mistérios Ocultos utiliza o gancho da negação da existência desse fenômeno para apresentar a perspectiva pseudocientífica de que a Terra estaria, em realidade, se afastando do seu eixo por razões não necessariamente vinculadas às atividades humanas. A perspectiva estaria amparada na ideia de que “mais e mais cientistas estão céticos, não necessariamente sobre o aquecimento global, mas sobre suas origens nos sistemas humanos”.
Principais posts sobre mudanças climáticas no Facebook e no Instagram
Período: de 1º de janeiro a 19 de setembro
Fonte: Facebook e Instagram | Elaboração: FGV ECMI
- No Facebook e no Instagram, perfis de entretenimento, como o Choquei e o Alfinetei, tiveram alto alcance ao abordar as mudanças climáticas a partir dos efeitos práticos no cotidiano dos indivíduos. Alertas de calor extremo no fim do inverno e discussões de cunho científico sobre desdobramentos do aquecimento global obtiveram visibilidade importante nesses veículos, com índices relevantes de interações;
- Um outro aspecto de destaque em ambas as redes foi a ideia de que o presidente Lula estaria cometendo erros e se portando de maneira autoritária em relação à agenda ambiental e climática. Foi recorrente o argumento de que Lula e o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, deveriam ser responsabilizados pela situação dos Yanomamis em decorrência do suposto apoio político àquele país, de onde teriam fugido os indígenas em situação de vulnerabilidade extrema.
Principais vídeos sobre mudanças climáticas no YouTube
Período: de 1º de janeiro a 19 de setembro
Fonte: YouTube | Elaboração: FGV ECMI
- Enfoques jornalísticos e informativos são predominantes entre os vídeos com maior número de visualizações no YouTube. Nos conteúdos, riscos e desastres ambientais são vinculados à perspectiva de que a ação humana estaria promovendo o aquecimento do planeta e desencadeando uma série de mudanças relacionadas à temperatura global;
- Os episódios retratados enquadram a pauta a partir da perspectiva da urgência. Eles abarcam desastres ambientais em todo o planeta, presentes em coberturas jornalísticas, ou a extinção de espécies e países, tema abordado em vídeos-documentário de canais diversificados da plataforma, como os canais educativos Lifeder e ABC Terra, além da empresa Petrobras e do Centro Universitário FMU. A organização Bombeiros MG Oficial pauta o tema de desastres climáticos de forma operacional, aplicada ao contexto do exercício da função em questão;
- Entre os canais vinculados ao jornalismo, destacam-se materiais de Band Jornalismo, DW Brasil e Folha de S.Paulo. Por sua vez, o jornalista André Trigueiro, vinculado à pauta de sustentabilidade, é destaque com uma live opinativa a respeito da temática, tratada como “urgente”.
- O canal Jovem Pan News, também ligado ao ecossistema nacional de jornalismo, aparece no ranking com um documentário recente que associa as mudanças climáticas à ocorrência de desastres ambientais no Havaí. Nos comentários, o público questiona o documentário e a “validação” da rede, anteriormente vinculada ao ex-presidente Jair Bolsonaro, à “narrativa” da mudança climática.
Eixos desinformativos sobre mudanças climáticas
Desinformação de cunho político-partidário, negacionismo climático e ataques ao alegado globalismo compõem os principais eixos desinformativos identificados no WhatsApp e no Telegram a respeito das mudanças climáticas. No geral, perspectivas conspiracionistas foram mobilizadas para explicar, de forma pseudocientífica, desastres ambientais recentes, com menções a grupos e projetos que teriam como objetivo utilizar a agenda climática como manobra política e econômica para manipular os indivíduos.
Eixos desinformativos sobre mudanças climáticas no X
Período: de 1º de janeiro a 19 de setembro
Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI
- Mensagens de tom conspiracionista que questionam a veracidade das mudanças climáticas e do aquecimento global, bem como a idoneidade de instituições ambientais, foram recorrentes no X. Ainda foram identificadas postagens que fazem associações diretas entre eventos extremos e supostas ações deliberadas do governo para causá-los, como no caso das inundações do Rio Grande do Sul;
- Em relação ao episódio supracitado, houve circulação importante de críticas à falsa alegação de que as inundações naquele estado teriam sido causadas pela abertura criminosa de comportas de barragens que teriam sido construídas pelos governos do Partido dos Trabalhadores, conforme havia sido anunciado pelo apresentador Alexandre Garcia.
Eixos desinformativos sobre mudanças climáticas no WhatsApp
Período: de 1º de janeiro a 19 de setembro
Fonte: WhatsApp | Elaboração: FGV ECMI
- No WhatsApp, a maior parte das mensagens mais compartilhadas sobre clima restringem-se à divulgação noticiosa sobre desastres ambientais registrados em diferentes partes do país e do mundo ao longo do período analisado. Afirmações partidarizadas a respeito da condução da pauta ambiental no país também foram registradas, com registro de elogios e comemorações sobre o atual governo federal, em grupos progressistas, e críticas baseadas em dados relacionados à queimadas e desmatamento, em grupos oposicionistas.
- Por sua vez, os eixos desinformativos relacionados ao debate sobre clima são, sobretudo, baseados na negação do que é identificado como a “narrativa” da “mudança climática”. Como demonstrado pelas reproduções das mensagens acima destacadas, os conteúdos negacionistas registrados na plataforma são caracterizados por fazerem referência a algum tipo de fonte de autoridade que referendaria as teorias conspiratórias, apresentadas como alternativas ao consenso científico em torno da existência do fenômeno.
Eixos desinformativos sobre mudanças climáticas no Telegram
Período: de 1º de janeiro a 19 de setembro
Fonte: Telegram | Elaboração: FGV ECMI
- Em maior evidência no conjunto de mensagens coletados, os principais eixos desinformativos sobre clima no Telegram são pautados pela contraposição negacionista ao que é denominada como uma agenda autointeressada, ideológica e globalista de debate sobre o tema a partir da perspectiva do aquecimento global e da emergência climática;
- Nesse sentido, perspectivas conspiracionistas são acionadas para explicar desastres climáticos como produtos das ações autointeressadas de um conjunto abstrato de promotores de tal “agenda global”, que agem para manipular climaticamente o mundo e para criar situações que possam justificar intervenções baseadas em “farsas” climáticas.
- Os interesses existentes nesse tema envolvem, por exemplo, a tentativa de criação de um controle governamental a nível global ou a obtenção de benefícios econômicos com o mercado de crédito de carbono.
- Diferentes atores, instituições e tipos de conteúdos compõem o ecossistema desinformativo sobre clima na plataforma. Depoimentos de lideranças conservadoras a nível internacional, traduzidos para a língua portuguesa, mesclam-se com relatos textuais e audiovisuais em língua portuguesa. A distribuição multicanais e grupos, dentro do Telegram, e multiplataformas, para além do aplicativo, também se destaca.
- Com protagonismo de grupos e canais vinculados à extrema-direita, um nome frequentemente mencionado nas mensagens, por exemplo, é o de um suposto projeto estadunidense chamado High Frequency Active Auroral Research Program (HAARP), que teria a capacidade de causar “desastres” climáticos com o objetivo de manipular o mundo por meio do clima.