Em mobilização progressista nas redes, grupos feministas, LBGTQIA+, celebridades, fandoms e parlamentares montam frente de reação ao avanço do PL 1904/24
Por: FGV Comunicação Rio
Por:FGV Comunicação Rio
- Mobilização progressista registrou ampla maioria no debate do X, com 80,4% dos perfis e 84,5% das interações registradas na plataforma;
- Hashtags que associam o PL à possibilidade de crianças estupradas serem obrigadas a gerar filhos, como “#criançanãoémãe” e “PL dos estupradores”, tiveram centralidade no debate, contribuindo para uma sensibilização acerca dos riscos associados ao projeto;
- Com grande influência no debate como um todo, a deputada federal progressista Erika Hilton exerceu papel central para mobilizar diferentes segmentos políticos e do entretenimento contra a proposta.
Na última quarta-feira (12), a Câmara dos Deputados do Brasil, de maioria conservadora, aprovou a urgência de votação do Projeto de Lei 1904, que se propõe a restringir o aborto legal no país. O PL em questão equipara o aborto de fetos de mais de 22 semanas a homícidio, mesmo em casos já previstos pela lei brasileira desde 1940, como estupro, anencefalia fetal ou gravidez de risco. Em um cenário político polarizado e marcado pela influência de políticos ligados ao fundamentalismo religioso, o anúncio gerou ampla repercussão nas redes, que se dividiram entre entusiastas da proposta e uma maioria de perfis que a repudiaram veementemente.
Devido à possibilidade de crianças e mulheres sexualmente violentadas serem proibidas de realizar o aborto, houve uma ampla mobilização de parlamentares progressistas, artistas, celebridades e até fandoms da cultura pop contra a proposta, que foi classificada, entre outros termos similares, como “PL do Estupro Infantil”. Entre os destaques do debate, está a atuação da deputada federal trans Erika Hilton, que mobilizou diferentes segmentos políticos e do entretenimento para endossar campanhas contra o PL em questão, com grande aderência no debate como um todo.
PL 1904/2024 em pauta: ideias sobre aborto no X (1)

Mapa de interações sobre o caso no X
Período: de 10 de junho até as 12h de 14 de junho de 2024
Base total de dados: 1,6 milhão de posts | Amostra para grafo: 50 mil posts

Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI
CONTRA O PL
Perfis ligados à política - 29% de perfis | 34,3% de interações
Dois clusters formam esse conjunto: a esquerda (entre parlamentares, jornalistas e influenciadores), com 18,4% dos perfis, e, de forma isolada, a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), com 10,6% dos perfis. As postagens de ambos os clusters abrangeram campanhas enfáticas contra o PL, a exposição dos parlamentares favoráveis ao PL e tentativas de sensibilização a partir de possíveis casos de crianças e mulheres estupradas. Termos como “Criança não é mãe” e “Estuprador não é pai” tiveram alta circulação, além de menções à suposta conivência de políticos de direita com crimes como estupro e pedofilia. O destaque isolado de Hilton, no entanto, chama a atenção na medida em que as campanhas em tom de alerta promovidas pela parlamentar tiveram um nível de aderência fora da curva, inclusive com a mobilização de múltiplas bases de fãs, como de cantoras pop e K-Pop, o que gerou outros clusters isolados. Praticamente todos os clusters contra o PL tiveram posts de Hilton entre os seus conteúdos de maior impacto, o que dispõe a política como um nome central no debate como um todo. Outras parlamentares mulheres, correligionárias de Hilton, como Sâmia Bomfim e Fernanda Melchionna, se destacaram no cluster de esquerda.
Fandoms - 12,3% de perfis | 13,1% de interações
Três clusters formam esse conjunto: perfis sobre cultura pop (4,6% de perfis); K-Pop (4,2% de perfis) e cantoras pop (3,5% dos perfis). Em diálogo e referência à convocação da parlamentar Erika Hilton, páginas dedicadas à cultura de fãs de diferentes nichos da cultura pop se engajaram no debate contra o PL, se mobilizando em torno do termo “FANDOMS CONTRA A PL 1904” e da hashtag #CriançaNãoÉMãe.
Artistas e celebridades - 7,8% de perfis | 7,9% de interações
A mobilização de artistas e celebridades contra o PL motivou dois clusters: um arregimentado pelo ator e comediante Paulo Vieira, com 3,9% dos perfis, e outro composto por páginas e pessoas ligadas ao entretenimento, também com 3,9% dos perfis. Pedidos para os usuários se manifestarem contra o PL na enquete pública no site da Câmara dos Deputados e explicações didáticas sobre os riscos do projeto para mulheres e crianças violentadas estiveram em evidência.
Grupos dispersos contra o PL - 31,3% de perfis | 28,9% de interações
Treze clusters, com soma de perfis entre 2% e 3%, formam esse conjunto. Esses perfis apresentam caráter muito heterogêneo tanto em temática, quanto em padrão de retuítes. Ou seja, não se agrupam nos outros conjuntos maiores, formando pequenos agrupamentos em torno de tuítes específicos. Em todos esses conjuntos se nota tom contrário ao PL 1904. Essa fragmentação sugere que o tema se espalhou para além de grupos usualmente alinhados no debate político rotineiro.
A FAVOR DO PL
Direita - 7,2% de perfis | 6,6% de interações
Com um único cluster formado por políticos da extrema-direita, entre políticos e influenciadores, o grupo reuniu 7,2% dos perfis e 6,6% das interações. Parlamentares alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, como os deputados federais Mário Frias, Nikolas Ferreira, Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro e a senadora Damares Alves estiveram em destaque, além de veículos hiperpartidários de direita. Argumentos de cunho moral e religioso tiveram proeminência. O PL foi classificado como uma “vitória dos cristãos” e da “mão de Deus sobre o Brasil”. Nas postagens, houve ênfase na ideia de que mulheres que abortam seriam “homicidas”.
Nuvens de termos e hashtags sobre o caso no X
Período: de 05 a 14 de junho de 2024, às 12h

Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI
Uma análise mais detalhada dos principais termos e hashtags que compõem esse debate no X escancara o predomínio das perspectivas contrárias ao PL. De início já se nota que termos desfavoráveis ao projeto, como “Bancada do estupro”, “discordo totalmente”, “#pl1904não” e “#criançanãoémãe” são mais volumosos e recorrentes do que os favoráveis, como “#pl1904sim”. Mapeando as 10 principais hashtags desse debate, nota-se que os posicionamentos contrários ao projeto foram 2152% mais compartilhados do que aqueles que demonstram apoio à proposta.
Embora o objetivo do PL seja equiparar o aborto após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio, inclusive nos casos previstos em lei – estupro, risco à vida da mãe ou anencefalia fetal –, o foco do debate digital recai quase todo sobre a relação entre estupro e aborto. Os destaques “#criançanãoémãe” e “PL dos estupradores” explicitam isso.
Há ainda uma ênfase em mobilizações populares que visam pressionar as autoridades pela não aprovação do projeto. A expressão “discordo totalmente”, por exemplo, faz referência à enquete ativa no site da Câmara dos Deputados, que possibilita que os cidadãos opinem sobre a proposta, convidando as pessoas a votarem contra o PL. As hashtags “#armycontrapl1904” e “#stayscontrapl1904”, relacionadas a fandoms de K-pop, ilustram que essa mobilização popular transborda para grupos de fora da política institucional. A entrada de comunidades de fãs nesta discussão é enquadrada como um recurso para potencializar a mobilização contrária ao projeto, tendo em vista que tais grupos são reconhecidos pelo alto engajamento em questões que lhes concernem.
PL 1904/2024 para além da política institucional: narrativas e atores em destaque no Facebook e no Instagram
Posts e atores de destaque no Instagram
Período: de 05 a 14 de junho de 2024, às 12h
Posts analisados: 4.208

Fonte: Instagram | Elaboração: FGV ECMI
A perspectiva contrária ao PL 1904/2024 exerce um protagonismo significativo no Instagram. Das 30 publicações sobre o tema com maior volume de interações, apenas 3 se mostraram favoráveis à proposta, advindas de perfis de padres.
Entre os perfis contrários, destacam-se páginas ativistas, como Mídia Ninja, além de veículos de mídia, como o G1. A atuação de mulheres nesse debate é expressiva. Considerando as 30 páginas com maior engajamento médio do Instagram, as mulheres representam 71,4% das pessoas físicas mapeadas. A participação de coletivos e organizações feministas e de artistas também é significativa.
A revitimização de mulheres e meninas que sofreram violência sexual é um dos principais focos desse debate, assim como a noção de que o Congresso Nacional estaria utilizando o corpo e a vida de mulheres como “moeda de troca” visando interesses espúrios.
Posts e atores de destaque no Facebook
Período: de 05 a 14 de junho de 2024, às 12h
Posts analisados: 6.180

Fonte: Facebook | Elaboração: FGV ECMI
O Facebook é a única rede, dentre aquelas aqui mapeadas, onde os apoiadores do projeto conseguem destaque. Aqui, a atuação de mulheres é menos evidente do que no Instagram: das 30 páginas com maior engajamento médio, as mulheres representam 53,8% das pessoas físicas mapeadas. Ainda assim, é interessante notar que os nomes das deputadas Carla Zambelli e Bia Kicis lideram em engajamento médio. Políticos homens, como o autor da proposta, Sóstenes Cavalcante, não se destacam.
A suposta defesa da vida é uma bandeira comum entre os posts que receberam maior volume de interações. Contendo várias fotos de bebês, crianças ou fetos, a estética pró-PL 1904 recorre sistematicamente à sensibilização. Este destaque, contudo, não esvazia o teor de disputa do debate, tensionado por páginas ativistas e políticos da esquerda, que apontam a misoginia por trás do projeto.
Diferentemente do Instagram, o Facebook segue com uma discussão mais atrelada à política institucional.
Notas de rodapé
1.Soma de grupos dispersos com baixo volume de perfis e interações - 12,4% de perfis | 8,9% de interações