Eleições, mudanças climáticas e Inteligência Artificial foram os principais eixos temáticos do Mídia e Democracia em 2024

Por: FGV Comunicação Rio

Por: FGV Comunicação

As transformações contemporâneas nas esferas política, ambiental e tecnológica têm gerado desafios interconectados que impactam profundamente a sociedade. O cenário atual exige reflexões abrangentes e ações concretas para enfrentar questões como a fragilidade dos sistemas democráticos, a crise climática global e o uso crescente de tecnologias baseadas em Inteligência Artificial. Esses três temas – eleições, mudanças climáticas e Inteligência Artificial – estiveram no centro das atividades do projeto Mídia e Democracia ao longo de 2024, a partir da produção de 41 estudos, 33 checagens de desinformação e 8 ciclos do Conselho Mídia e Democracia. Neste relatório anual, elencamos os principais destaques do projeto a partir dos eixos temáticos supracitados.

A crescente desinformação e os ataques à integridade de processos eleitorais, alimentados pela proliferação de conteúdos enganosos, minam a confiança pública e comprometem a representação democrática. Por outro lado, as mudanças climáticas seguem intensificando desigualdades socioeconômicas, afetando desproporcionalmente populações vulneráveis e exigindo respostas urgentes de governos, empresas e sociedade civil. Simultaneamente, os avanços na Inteligência Artificial, enquanto oferecem potencial para inovações significativas, levantam preocupações éticas sobre privacidade, discriminação e concentração de poder nas mãos de poucos.

Este relatório busca explorar as interseções e singularidades desses três eixos, destacando como as crises e oportunidades em cada campo se conectam em um panorama global marcado por incertezas. Além disso, o material investiga como as sociedades têm respondido a esses desafios, propondo um olhar crítico sobre as soluções propostas e os riscos subjacentes à falta de regulação e articulação entre atores globais e locais. Ao integrar perspectivas de diferentes áreas, pretendemos contribuir para um entendimento mais profundo e interdisciplinar sobre o debate digital que tem impacto direto sobre a democracia, lançando luz sobre caminhos que possam promover justiça social, sustentabilidade e inovação responsável.

Apresentamos esse  policy paper, inicialmente, com a seção “Linhas de análise: o panorama do período”, composta pelos resultados encontrados em estudos acerca dos três temas supracitados. Esses resultados, bem como o mergulho analítico realizado para a confecção destes estudos, permitiram o apontamento de possíveis linhas de ação, reunidas na seção “Linhas de ação: direcionamentos temáticos”. Por fim, na seção “Retrospectiva”, apresentamos as principais atividades desenvolvidas pelo projeto ao longo de 2024.

  1. Linhas de análise: o panorama de 2024

Em 2024, o projeto organizou seus estudos em torno de três eixos temáticos centrais: eleições, mudanças climáticas e Inteligência Artificial. Essas temáticas, embora diversas, compartilham um ponto em comum: sua relevância para a consolidação de práticas democráticas em um mundo cada vez mais mediado pelas dinâmicas digitais. A escolha desses eixos reflete a necessidade de compreender como os debates públicos sobre esses temas se desenvolvem em plataformas digitais e como isso afeta diretamente o exercício da cidadania, a governança e os direitos coletivos.

1.1 Eleições

Como observado nos estudos sobre eleições conduzidos ao longo do ano, o debate sobre o tema ilustra como as redes sociais se tornaram arenas decisivas para a comunicação política, na qual atores políticos e cidadãos comuns constroem narrativas e disputam visibilidade em torno de agendas, ideologias e visões de mundo distintas. É relevante pontuar que, no âmbito dessas dinâmicas, diversos desafios comunicacionais são colocados em evidência, como a desinformação, o discurso de ódio e a violência política de gênero, impactando frontalmente a qualidade do debate público e a saúde das democracias. Na seara dos pleitos democráticos, o projeto Mídia e Democracia se dedicou especialmente às eleições municipais brasileiras, mas também abrangeu aspectos das eleições presidenciais dos Estados Unidos e, em um recorte mais específico, pleitos em outros países afetados pelo uso de Inteligência Artificial, como será detalhado em seção posterior.

1.1.1 Abordagens

As eleições municipais de 2024 foram analisadas sob diferentes prismas no âmbito do projeto Mídia e Democracia, abrangendo questões centrais para compreender o cenário político brasileiro contemporâneo. Entre os focos de análise, destacam-se a violência política de gênero contra candidatas mulheres, que expõe desigualdades estruturais no acesso e permanência de mulheres na política; o alcance digital dos candidatos, com destaque para estratégias e ferramentas usadas para amplificar sua visibilidade nas redes sociais; a toxicidade nos discursos de candidatos durante debates televisivos, revelando padrões de agressividade e ataques direcionados; e o impulsionamento de postagens nas plataformas digitais, evidenciando a importância crescente do financiamento para o sucesso de campanhas online. Essa abordagem multifacetada buscou mapear as dinâmicas de poder e comunicação no processo eleitoral, com especial atenção para as mudanças trazidas pelas redes sociais.

O estudo “Eleições municipais nas redes: panorama do primeiro mês da disputa eleitoral para as prefeituras nas capitais brasileiras”, por exemplo, apresentou um cenário geral da disputa municipal nas capitais, no primeiro mês de campanha, a partir de um amplo mapeamento de estratégias, abordagens e alcance efetivo dos candidatos nas plataformas digitais. A pesquisa apontou que o Instagram foi a principal plataforma de engajamento, concentrando 91,4% das interações observadas, com destaque para vídeos no formato reels (88,2% das postagens mais impactantes). Além disso, observou-se que disparidades regionais e de gênero marcaram a disputa, uma vez que os candidatos de São Paulo concentraram 81,6% do engajamento total, enquanto as candidatas mulheres apresentaram desempenho inferior, refletindo desigualdades estruturais. Em termos de temas, a religiosidade e a família dominaram as postagens (34%), seguidas por esportes, violência política e retórica antissistema.

Um elemento que se sobressaiu foi a questão de candidatos que são influenciadores digitais e/coaches ligados a discursos de empreendedorismo, como o caso de Pablo Marçal, candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PRTB que, isoladamente, concentrou 80% das interações considerando as redes de todos os candidatos de todas as capitais. Um fenômeno semelhante ocorreu em Fortaleza, conforme demonstrado por outro estudo realizado no âmbito do projeto: o candidato André Fernandes, do PL, em discurso informal e jocoso, estabeleceu diálogo direto com a linguagem da influência digital jovem e dominou as principais redes com folga - embora, assim como Marçal, não tenha chegado a vencer o pleito.

Explorando a seara da violência política de gênero, um outro estudo apontou que candidatas mulheres foram mais alvos de comentários agressivos e misóginos (57,7%), enquanto candidatos homens receberam mais discordâncias (32,7%). Enquanto os homens sofreram ironias e apelidos depreciativos (16,54% dos comentários), as mulheres enfrentaram ataques mais graves, incluindo a desqualificação de suas capacidades (83,46%). Candidatas de direita, como Cristina Graeml (PMB-PR) e Emília Corrêa (PL-SE), tiveram maior volume de apoio, com 96,8% e 70,4% de comentários favoráveis, respectivamente. Já as candidatas de esquerda, como Duda Salabert (PDT-MG) e Tabata Amaral (PSB-SP), foram alvo de 86% dos ataques registrados. Duda Salabert foi particularmente alvo de ataques transfóbicos. Os resultados evidenciam a violência política de gênero no ambiente online, com ataques mais intensos contra mulheres de espectros políticos progressistas e de grupos marginalizados, refletindo barreiras estruturais à participação política feminina.

Outras abordagens deram conta de análises sobre o nível de toxicidade das falas dos candidatos em debates televisivos, especificidades do impulsionamento de posts e o debate brasileiro sobre as eleições estadunidenses. No caso do relatório sobre toxicidade, foram avaliadas falas de candidatos da cidade de São Paulo, que foram classificadas de acordo com o nível de toxicidade a partir de uma ferramenta de IA. Constatou-se, por exemplo, que episódios de violência física e verbal foram precedidos por retórica tóxica, sugerindo relação entre discursos e agressões. Já a pesquisa sobre impulsionamento mostrou que, com a proibição do Google, a Meta (Facebook e Instagram) se tornou a única plataforma disponível para fins de divulgação eleitoral paga. Em 2024, os gastos com impulsionamento no primeiro turno superaram o total de 2020, atingindo R$ 194 milhões. Sobre as eleições dos EUA, um outro estudo mostrou que comentários sobre os então concorrentes Kamala Harris e Donald Trump foram polarizados, com ataques à imprensa e teorias da conspiração, destacando o racismo e a misoginia em relação à candidata democrata.

1.1.2 Análise de Risco DRI

O relatório “Integridade Eleitoral no Ambiente Digital: Riscos e Recomendações para as Eleições Municipais Brasileiras” foi um dos destaques do projeto, em sua busca por compreender os desafios do cenário político brasileiro no contexto das campanhas digitais. O documento oferece uma análise abrangente sobre a vulnerabilidade das eleições municipais de 2024 a ameaças online, com foco em três áreas principais: discurso de ódio, desinformação e propaganda política. Para enfrentar esses riscos, o relatório apresenta recomendações direcionadas a diferentes atores do processo eleitoral. O relatório foi produzido pela Democracy Reporting International (DRI), com a participação da FGV Comunicação Rio, FGV Direito Rio e Lupa, além das contribuições de especialistas de diferentes setores ouvidos em mesas-redondas do Conselho de Democracia Digital.

Para as autoridades eleitorais, sugeriu-se o fortalecimento da fiscalização e a promoção de treinamentos específicos para os órgãos responsáveis, além de iniciativas que fomentem a transparência no processo eleitoral e a educação cívica. Já para as plataformas digitais, as recomendações incluíram o uso de ferramentas avançadas para identificar e mitigar riscos, bem como o ajuste de algoritmos para reduzir a visibilidade de conteúdos prejudiciais. Por fim, às organizações da sociedade civil foi sugerido que liderem esforços por regulações mais rigorosas no ambiente digital e desenvolvam pesquisas contínuas para compreender os impactos das ameaças online.

Além do relatório, o DRI lançou um painel interativo que monitorou o discurso no Instagram sobre as eleições municipais de 2024 em quatro capitais brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Recife. Essa pesquisa investigou as narrativas dominantes em torno dos principais candidatos à prefeitura de cada cidade, oferecendo um panorama detalhado sobre os debates que moldaram o cenário digital. Com essas iniciativas, o projeto buscou contribuir para a construção de um ambiente eleitoral mais seguro e democrático, reforçando a necessidade de ações conjuntas entre instituições públicas, sociedade civil e empresas de tecnologia.

1.2 Mudanças climáticas

O debate digital sobre mudanças climáticas foi central para o Mídia e Democracia em 2024. Os estudos produzidos pelo projeto constataram a alta circulação de discursos negacionistas e desinformativos que podem colocar a população em risco efetivo, especialmente em meio a eventos extremos, como as enchentes do Rio Grande do Sul, ocorridas em maio deste ano. O aumento da circulação de conteúdos digitais relacionados ao clima, com postagens de políticos, ativistas, cientistas e cidadãos, destaca a necessidade de entender como esses discursos são formados, disseminados e consumidos. Investigar o debate digital sobre mudanças climáticas permite identificar os principais atores envolvidos, as estratégias utilizadas para espalhar informações falsas ou manipuladas, e as consequências disso para o engajamento cívico e as políticas públicas.

1.2.1 Abordagens

Nos relatórios com esta temática, buscamos compreender, entre outras abordagens, o impacto de tragédias climáticas no discurso de políticos em meio às eleições municipais, os tensionamentos entre as instâncias pública e privada no contexto de eventos extremos e o debate sobre racismo ambiental. Os estudos evidenciam diversas dinâmicas, como a polarização das discussões e o papel dos influenciadores e celebridades na mobilização digital em eventos extremos e a circulação de desinformação e negacionismo climático em contextos de alta polarização política.

Em uma perspectiva transversal que conecta o tema das eleições às mudanças climáticas, um dos estudos analisou como os candidatos à prefeitura de Porto Alegre abordaram as questões climáticas em suas campanhas eleitorais. Durante a crise das enchentes, cerca de 41% das postagens dos candidatos trataram diretamente sobre o tema. No entanto, o debate foi mais reativo do que propositivo, concentrando-se nos impactos imediatos das inundações, e não em políticas climáticas de longo prazo. A diminuição do volume de postagens sobre o tema nas semanas seguintes sugere que os candidatos podem ter mobilizado a questão climática de forma oportunista, ajustando-se à preocupação pública sem priorizar uma agenda sustentável a longo prazo.

Um outro ângulo desenvolvido sobre o tema no âmbito do projeto abordou o racismo ambiental, que foi investigado no contexto de duas tragédias climáticas de grande repercussão nacional: as enchentes do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, ocorridas em janeiro e maio de 2024, respectivamente. No caso do Rio de Janeiro, a pesquisa identificou que, enquanto o conceito de racismo ambiental gerou debates e defesa de figuras públicas, também provocou ataques racistas e misóginos, com ironia e estigmatização de populações vulneráveis e ataques contra a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, que mobilizou o termo na ocasião. Já no Rio Grande do Sul, que foca na reação pública ao anúncio de políticas daquele ministério para grupos vulnerabilizados, identificou que a estratégia narrativa predominante foi a invisibilização, questionando as políticas focadas nas populações mais afetadas.

É possível aventar que ambos os estudos sobre racismo ambiental evidenciaram a manipulação do debate nas redes, com ênfase em desqualificar as ações de reparação e minimizar as questões de desigualdade socioambiental. A presença de estereótipos, racismo online e ataques políticos revela a resistência em reconhecer o impacto das mudanças climáticas nas populações mais vulneráveis, especialmente negras e periféricas.

Uma outra perspectiva proposta teve como mote central as narrativas digitais sobre as enchentes do Sul no primeiro momento da tragédia, entre 1º e 15 de maio de 2024. A análise revelou uma polarização significativa nas discussões, com foco em seis grupos: direita, esquerda, influenciadores, organizadores de doação, páginas de entretenimento e perfis comuns. No Instagram, as postagens mais impactantes foram feitas por celebridades e influenciadores, como DJ Alok e Whindersson Nunes, que usaram suas plataformas para mobilizar solidariedade. No Facebook, predominaram páginas de notícias, veículos partidários e conteúdos locais, com uma abordagem mais prática e informativa sobre a crise.

1.3 Inteligência Artificial

Ao longo de 2024, a Inteligência Artificial também esteve em evidência no projeto Mídia e Democracia, a partir de estudos que ilustram como essa tecnologia se tornou um elemento central para as dinâmicas comunicacionais contemporâneas. O objetivo, com isso, foi explicitar diferentes facetas desse tópico, demonstrando como a IA não apenas amplia a capacidade de produção e disseminação de conteúdos, mas também intensifica desafios relacionados à desinformação, à criação de deepfakes, ao reforço de vieses discriminatórios, dentre outros.

1.3.1 Abordagens

A Inteligência Artificial (IA) foi analisada de diferentes maneiras, com destaque para suas implicações nas dinâmicas de comunicação, processos eleitorais e integridade informacional. No contexto mais amplo da comunicação em plataformas digitais, o estudo Imaginários sobre a Inteligência Artificial no debate digital brasileiro revelou como essa tecnologia se tornou um tema central nas redes sociais, refletindo uma gama de percepções que vão do otimismo utilitarista às preocupações éticas e sociais. De janeiro a maio de 2024, mais de 365 mil posts foram coletados no Facebook, X e Instagram. A predominância de imaginários positivos e neutros chama atenção: 41,02% dos posts avaliados apresentaram um tom otimista, enquanto 42,36% adotaram uma abordagem neutra ou ponderada. Os conteúdos otimistas, impulsionados por influenciadores e empresas, reforçam a percepção da IA como uma solução para desafios cotidianos em áreas como saúde, marketing e entretenimento. Por outro lado, apenas 7,77% dos posts apresentaram uma perspectiva pessimista, criticando os riscos da automação e os impactos da IA em relações trabalhistas e éticas.

Considerando a relevância desta tecnologia em contextos políticos, alguns estudos do projeto Mídia e Democracia partiram de um recorte mais específico, analisando a relação entre IA e eleições. Uma vez que, em 2024, mais de um quarto da população mundial foi às urnas eleger seus representantes, estes estudos mapearam não apenas o contexto brasileiro, mas também as conjunturas da Índia, África do Sul, México e Parlamento Europeu. 

Com isso, mapeamos uma extensa utilização da IA para criação de deepfakes, seja para manipular imagens e produzir conteúdos que visavam desinformar, seja para atacar reputações e influenciar eleitores. Casos como os deepfakes de figuras políticas indianas já falecidas e vídeos fraudulentos na África do Sul, envolvendo personalidades internacionais como Donald Trump e Eminem, demonstram a capacidade da IA de moldar narrativas locais com impactos globais.

Nesse sentido, enquanto o Brasil e a União Europeia avançaram em regulamentações específicas para mitigar esses riscos, outros contextos, como o da Índia, demonstraram a necessidade de medidas mais abrangentes e preventivas para lidar com os desafios emergentes. No Brasil, apesar de não se concretizar o uso massivo previsto de IA nas eleições municipais, casos de deepfakes humorísticos e com uma estética “tosca”, além de deepnudes contra candidatas mulheres, evidenciaram como a IA pode amplificar dinâmicas socioculturais preexistentes, como a violência política de gênero e a “cultura dos memes”. Além dos desafios, os estudos também destacaram o potencial positivo da IA para a promoção da cidadania e a integridade democrática. O uso de chatbots por campanhas eleitorais e órgãos institucionais, por exemplo, demonstrou como a IA pode facilitar o acesso à informação e aumentar o engajamento político. 

Além do debate sobre os usos da IA, o projeto utilizou metodologias inovadoras para captar o que as principais IAs generativas – Copilot (Microsoft), ChatGPT 4o e 4o-mini (OpenAI), Claude 3.5 Sonnet (Anthropic) e Gemini (Google) – tinham a dizer sobre alguns processos eleitorais no Brasil e no mundo. Esse esforço de pesquisa revelou limitações na precisão das informações fornecidas, com erros factuais e inconsistências notadas – o que reforça a necessidade de regulamentação e desenvolvimento de ferramentas que garantam a confiabilidade da IA na disseminação de informações em contextos críticos como eleições e comunicação digital.

2. Linhas de ação: direcionamentos temáticos

Os estudos realizados ao longo de 2024 evidenciam que desafios recorrentes no espectro político nacional se refletem tanto nas eleições quanto nas agendas relacionadas às mudanças climáticas e à Inteligência Artificial. No campo eleitoral, emergem questões que envolvem o comportamento dos candidatos, a forma de participação dos eleitores e o impacto crescente das plataformas digitais na mediação do diálogo político. Esses fatores demandam não apenas a superação de obstáculos estruturais, mas também um consenso sobre a regulamentação das big techs, que amplificam problemas como a desinformação e o discurso de ódio.

De forma correlata, a integração das questões climáticas nas agendas políticas revela um cenário de urgência. A ausência de comprometimento político com a mitigação e adaptação às mudanças climáticas tem consequências diretas na qualidade de vida da população e na sustentabilidade do país. Por sua vez, os avanços da Inteligência Artificial, enquanto ferramenta com potencial de transformar positivamente a governança e os processos eleitorais, também levantam preocupações quanto à ética de uso, à manipulação de dados e ao reforço de desigualdades já existentes.

As evidências produzidas nas análises, juntamente com as reflexões dos encontros periódicos do Conselho, indicam caminhos e inspirações para a formulação de políticas públicas e ações de advocacy. Tais ações visam fortalecer um ambiente democrático fundamentado em valores como transparência e inclusão, promovendo o diálogo entre diferentes perspectivas ideológicas e combatendo a hostilidade, a toxicidade e a desinformação que caracterizam o atual debate público no Brasil.

Enfrentar esses desafios requer uma articulação ampla entre os diversos atores comprometidos com a consolidação da democracia. É essencial promover ações em rede que incentivem inovações institucionais implementadas de forma permanente, com as eleições e as políticas climáticas servindo como momentos de avaliação e ápice dessas iniciativas. Nesse contexto, a coordenação entre a sociedade civil, as Big Techs e os governos, especialmente por meio de instituições como o TSE e os TREs, torna-se crucial para fortalecer uma estrutura democrática robusta, adaptada às exigências dos tempos atuais.

Entre as ações prioritárias, destacam-se o aprimoramento das políticas públicas, com a criação de mecanismos que orientem a conduta de candidatos, eleitores e plataformas digitais em temas cruciais como mudanças climáticas e regulação da Inteligência Artificial. É imprescindível o fortalecimento de dispositivos técnicos que promovam a transparência dos algoritmos, assegurem uma arquitetura digital ética e removam conteúdos tóxicos e violentos, além de identificar práticas ilícitas. A combinação de moderação humana e algorítmica deve ser desenvolvida de forma integrada para atender a essas demandas.

De forma complementar, é essencial ampliar as ações de advocacy e educação promovidas pela sociedade civil, com campanhas que não apenas incentivem o engajamento em questões climáticas, mas também capacitem a população a identificar, denunciar e combater práticas prejudiciais amplificadas pela Inteligência Artificial. A pressão sobre governos e empresas deve ser contínua, visando a regulamentação do uso de IA em processos sensíveis e a ampliação da transparência das plataformas digitais.

A transparência e o acesso a dados que circulam nas plataformas digitais continuam sendo uma das demandas mais urgentes para pesquisadores, jornalistas e observadores. As empresas de tecnologia devem disponibilizar APIs que garantam o acesso a informações detalhadas sobre os fluxos de conteúdo, contribuindo para a responsabilização das plataformas e a formulação de estratégias baseadas em evidências.

Deste modo, propõem-se as seguintes linhas de ação:

2.1 Políticas públicas

  • Fortalecer mecanismos de regulação e fiscalização eleitoral, como o combate contínuo e sistemático à desinformação, ao discurso de ódio e à violência política de gênero, o que pode ser promovido por meio de parcerias com plataformas digitais, protocolos de monitoramento e maior transparência em gastos com impulsionamento;
  • Fomentar educação cívica e inclusão a partir da implementação de programas de letramento midiático e incentivo à diversidade na política com políticas afirmativas, além de formalizar o oferecimento de suporte jurídico e psicológico para candidatas vítimas de violência, seja através dos próprios partidos ou de instâncias como os tribunais eleitorais regionais e o TSE;
  • Integrar políticas climáticas às campanhas a cargos executivos e gestões públicas, estabelecendo planos de ação climática com compromissos claros sobre sustentabilidade e adaptação a eventos extremos;
  • Combater o negacionismo climático e a desinformação, por meio de parcerias com plataformas digitais e veículos de mídia, além de campanhas educativas que esclareçam a gravidade e a ciência das mudanças climáticas;
  • Promover a equidade ambiental, priorizando recursos para mitigação de desastres e proteção de populações vulneráveis, especialmente em contextos de racismo ambiental;
  • Desenvolver uma regulamentação de Inteligência Artificial abrangente para a criação e disseminação de conteúdos manipulados em contextos eleitorais, mas também em circunstâncias não eleitorais;
  • Promover letramento digital voltado para IA, capacitando cidadãos a compreenderem seus impactos e limitações, especialmente em contextos políticos e em situações de crise, como eventos extremos associados às mudanças climáticas.

2.2 Empresas de plataformas digitais

  • Aperfeiçoar ferramentas que garantam transparência em campanhas políticas digitais, como a identificação de conteúdos pagos e o detalhamento dos responsáveis pelas campanhas, com regulação eficaz que previna a circulação de conteúdos de ódio e/ou desinformativo. Combater a desinformação eleitoral por meio de sistemas de checagem automática, parcerias com agências de fact-checking locais e mecanismos ampliados de denúncia de conteúdos falsos, com respostas rápidas e claras aos usuários;
  • Prevenir manipulações algorítmicas, restringindo o uso de bots para campanhas, exigindo autenticação rigorosa e tornando públicos os critérios de recomendação algorítmica durante períodos eleitorais;
  • Disponibilizar acesso às API e interfaces de acesso amigável, para que usuários comuns, instituições de pesquisa, jornalistas e observadores eleitorais possam acessar e auditar as mensagens que circulam nas plataformas, além de criação de um grupo de trabalho financiado pelas plataformas e composto por diferentes representantes da sociedade civil, governo e campanhas eleitorais para que o monitoramento dos conteúdos seja feito em tempo real;
  • Em relação às mudanças climáticas, ampliar parcerias com especialistas e ONGs para revisar conteúdos que propaguem desinformação ambiental, introduzindo alertas em postagens com dados falsos sobre mudanças climáticas e crises ambientais. Ajustar algoritmos para priorizar conteúdos de fontes confiáveis, promovendo dados científicos e debates informados;
  • Oferecer espaços gratuitos para ONGs e movimentos sociais realizarem campanhas educativas que reforcem a justiça climática e incentivem práticas sustentáveis, ampliando a visibilidade e o alcance dessas iniciativas;
  • Incorporar tecnologias para detectar deepfakes e manipulações visuais em tempo real, proibindo o uso de IA para criar falsificações que comprometam eleições ou o debate sobre mudanças climáticas e eventos extremos;
  • Garantir auditorias independentes nos algoritmos para evitar a amplificação de discursos de ódio e vieses, além de oferecer explicações claras aos usuários sobre o funcionamento das recomendações de conteúdo;
  • Promover o uso da IA para o bem comum, desenvolvendo iniciativas colaborativas para mapear desinformação e monitorar crises ambientais, com transparência e acesso aberto aos dados.

2.3 Organizações da sociedade civil

  • Criar coalizões de checagem de fatos focadas em narrativas locais e regionais, além de oferecer oficinas de letramento midiático para grupos e comunidades vulneráveis à desinformação;
  • Desenvolver plataformas de monitoramento de gastos eleitorais em redes sociais e publicar relatórios sobre a circulação de desinformação, analisando seus impactos no debate público;
  • Utilizar tecnologia para mapear desastres ambientais e crimes como desmatamento, compartilhando dados com a imprensa e órgãos reguladores, de modo a pressionar e responsabilizar empresas;
  • Fortalecer movimentos de justiça climática liderados por populações indígenas e quilombolas, promovendo a articulação de redes internacionais que compartilhem estratégias e experiências;
  • Criar observatórios independentes para monitorar o uso de IA em decisões que impactem direitos humanos, além de ampliar parcerias com universidades e especialistas para auditar sistemas de IA;
  • Pressionar por legislações que proíbam o uso de IA para deepfakes de cunho político ou desinformativo, defendendo regulamentações que garantam transparência nas decisões algorítmicas e a prevenção de vieses discriminatórios.

3. Retrospectiva

Monitoramento

No decorrer de 2024, foram elaborados 41 estudos acerca das temáticas de segurança pública, indígenas, meio ambiente, saúde, eleições, política internacional, gênero e desafios comunicacionais. Durante esse período, se destacam os estudos que abordaram as estratégias comunicacionais na disputa pelas prefeituras das capitais brasileiras, o debate sobre a tragédia climática no Rio  Grande do Sul  e episódios de violência sofridos por grupos minorizados, como populações indígenas, mulheres e população transgênero.

Fact-Checking

A partir do monitoramento de redes sociais, a Lupa realizou 33 verificações de conteúdos desinformativos em circulação nas plataformas. No contexto deste ano, as eleições municipais, as olimpíadas e eventos climáticos extremos como as chuvas no Rio Grande do Sul mobilizaram ondas de desinformação nas mídias sociais Destacaram-se checagens como da judoca Beatriz Souza que não fez o gesto de ‘L’ na Olimpíada de Paris, da taxação do governo em medalhas olímpicas brasileiras, da liberação do aborto em qualquer tempo gestacional por Lula, do patrocínio do governo ao show da Madonna ao invés de recursos as vítimas de RS, dentres outros.

Eventos

Ao longo de 2024,  o projeto mobilizou autoridades públicas e representantes da sociedade civil na organização de eventos que trataram de temas como os preparativos para o  G20 no Brasil, os impactos da Inteligência Artificial na democracia , violência política de gênero e discussões sobre as eleições municipais no Brasil . Dentre esses, destacou-se o “Seminário Internacional – Inteligência Artificial, Democracia e Eleições”, promovido em parceria com o  TSE, com a participação do ministro Alexandre de Moraes e da presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia. O evento, que aconteceu na sede do TSE em Brasília, reuniu autoridades, especialistas e representantes de redes sociais para debater os impactos da Inteligência Artificial e das fake news na integridade eleitoral. Com apoio de parceiros nacionais e internacionais, o seminário abordou questões éticas e sociais relacionadas ao uso da tecnologia, reforçando a importância de proteger a democracia na era digital. 

Debate sobre IA e eleições no Jornal Nacional

Em agosto deste ano, a Fundação Getúlio Vargas analisou o impacto da Inteligência Artificial nas eleições ao redor do mundo, para o Jornal Nacional. Em diversos países, essa tecnologia tem sido utilizada para disseminar informações falsas. Para mais detalhes sobre o estudo, acesse a reportagem completa: “Inteligência artificial é usada na disseminação de informações falsas; FGV analisa impacto da tecnologia em eleições pelo mundo”.

Conselho Mídia e Democracia

Durante o ano de 2024, o Conselho realizou oito ciclos de debate, abordando temas como meio ambiente, desinformação e uso da Inteligência Artificial durante as eleições. As reuniões contaram com a presença da ministra da Ciência e da Tecnologia, Luciana Santos; do gerente de políticas públicas do TikTok, Gustavo Rodrigues; do diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, além de outras autoridades e especialistas.