Direitos das pessoas trans no Legislativo: parlamentares homens cis brancos são a maioria responsável pelos Projetos de Lei reacionários

Por: FGV Direito Rio

Por: FGV Direito Rio 

  • Foram mapeados 163 Projetos de Lei que versam sobre direitos de pessoas transexuais e travestis na Câmara dos Deputados; destes 81 foram apresentados por parlamentares do espectro político de direita, 32 por palamentares de centro e 50 por parlamentares de esquerda.
  • Do total de 62 homens cis autores de Projetos de Lei sobre os temas mapeados, 61,3% apresentaram propostas reacionárias e 38,7% apresentaram projetos progressistas. 
  • Em relação às 32 mulheres (cis e trans) proponentes, 53,1% apresentaram propostas progressistas, enquanto 46,9% apresentaram projetos reacionários. 
  • Em relação ao recorte racial dos proponentes de Projetos de Lei, dos 53 autores de PLs reacionários, 62,2% são brancos;
  • Especificamente sobre o debate de cotas para pessoas trans nas universidades públicas, 35% das 174 postagens analisadas no X apoiam a implementação da política de reserva de vagas, 19,5% foram contrárias e 44,8% foram de cunho neutro, apenas reproduzindo conteúdo jornalístico. 

Apresentação

Nos últimos meses, o debate sobre políticas de reserva de vagas para pessoas transsexuais nas universidades públicas foi alavancado pela aprovação dessa medida na Universidade Federal do Rio e Janeiro (UFF), em 19 de setembro de 2024, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em 27 de setembro, e na Universidade Nacional de Brasília (UnB), em 21 de outubro. As instituições seguiram o caminho já traçado por outras 15 universidades públicas estaduais e federais que possuem ações afirmativas direcionadas a essa comunidade, de acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (ANTRA). A política destina, em média, até 2% de vagas para pessoas trans, tendo o objetivo de corrigir as desigualdades históricas de acesso à educação e ao mercado formal que tal grupamento social enfrenta. 

Dada a ausência de lei federal que verse sobre o tema, havendo apenas legislações estaduais ou municipais, a ação das universidades é comemorada pelas organizações de luta por direitos de pessoas trans e travestis. Entretanto, há mobilização corrente no Congresso brasileiro para a restrição de direitos: não apenas de acesso à educação, mas de privacidade, intimidade e cidadania para este grupo. Há ainda a constante tentativa de patologização dessas pessoas e projetos de lei que objetivam restringir liberdade de expressão e de cátedra nas escolas e universidades a partir do movimento conservador mais amplo que identifica em tais ações a prática de “ideologia de gênero”.(1)

Com a intenção de identificar os projetos de lei em tramitação na Câmara Federal que versem sobre direitos da população transsexual e travesti, este relatório se debruça sobre a temática, complementando estudo anterior realizado no âmbito do Projeto Mídia e Democracia. Buscando verificar a existência de potenciais narrativas desinformativas, especialmente sobre o debate de cotas nas universidades públicas federais, analisamos também dados da plataforma X (anteriormente Twitter). 

Nesse sentido, o relatório está dividido em dois eixos principais, além desta apresentação e da metodologia: (i) análise das propostas legislativas; e (ii) análise de dados no X. Na primeira seção, identificamos a linha do tempo da apresentação de propostas, os temas sobre os quais elas versam, a identidade de gênero, a autodeclaração racial e o posicionamento político de seus proponentes. Já na segunda seção, apresentamos os dados gerais sobre posicionamento de usuários do X para o tema de cotas para pessoas trans e travestis nas universidades públicas e federais. 

Metodologia

Para a elaboração deste relatório, utilizamos dois conjuntos de dados distintos: i) o primeiro conjunto sobre propostas legislativas relacionadas às pessoas transexuais e travestis, e; ii) o segundo compreendendo postagens da rede social X sobre o debate das cotas para pessoas trans e travestis. 

Inicialmente, solicitamos via sistema Fale Conosco da Câmara dos Deputados (2) o levantamento de todas as proposições legislativas – englobando Projeto de Lei (PL), Projeto de Lei Complementar (PLP) e Proposta de Emenda à Constituição (PEC) – em tramitação na data de 31 de outubro de 2024, com termos e expressões relacionados à: (i) ideologia de gênero; (ii) linguagem não-binária ou linguagem neutra; (iii) trans e esportes; (iv) banheiro e sexo ou gênero; (v) trans e criança; (vi) cirurgia e sexo ou gênero; (vii) gênero biológico ou sexo biológico.

Na pesquisa textual realizada no Sistema de Informação Legislativa da Câmara dos Deputados (2), foram empregados os seguintes parâmetros de busca: 

[Ementa] contém '"identidade de gênero" or "ideologia de gênero" or "linguagem não-binária" or "linguagem neutra" or transexual or transexuais or transgênero or travesti or "pessoa não-binária" or transexualidade or transfobia or "transição de gênero" or "linguagem inclusiva de gênero"' or "gênero biológico" OR "sexo biológico" OR "identi* biologic*" OR "sexual biológic*" AND "genotípic*"' OU [Explicacao da Ementa] contém '"identidade de gênero" or "ideologia de gênero" or "linguagem não-binária" or "linguagem neutra" or transexual or transexuais or transgênero or travesti or "pessoa não-binária" or transexualidade or transfobia or "transição de gênero" or "linguagem inclusiva de gênero" or "gênero biológico" OR "sexo biológico" OR "identi* biologic*" OR "sexual biológic*" AND "genotípic*"' OU [Indexação] contém '"identidade de gênero" or "ideologia de gênero" or "linguagem não-binária" or "linguagem neutra" or transexual or transexuais or transgênero or travesti or "pessoa não-binária" or transexualidade or transfobia or "transição de gênero" or "linguagem inclusiva de gênero" or "gênero biológico" OR "sexo biológico" OR "identi* biologic*" OR "sexual biológic*" AND "genotípic*"'

Recebemos da Câmara dos Deputados um total de 163(3) proposições legislativas relacionadas aos itens mencionados, divididas da seguinte maneira: 161 projetos de lei (PLs) e dois projetos de lei complementar (PLP). 

Após uma análise prévia, observamos a existência de temas recorrentes, os quais foram utilizados para rotular cada uma das propostas. São eles: administração pública; cotas; direito penal; Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); educação; eleições; empresas; esporte; ideologia de gênero; liberdade de expressão; políticas sociais; registro civil e nome social; saúde; simbologia. Utilizamos mais de um rótulo temático para o mesmo projeto quando ele abordava mais de uma matéria. O Quadro 1 abaixo detalha os assuntos identificados.

Quadro 1 - Classificação temática das propostas legislativas

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Além de utilizar as informações sobre cada uma das propostas disponibilizadas previamente pela Câmara (5), realizamos também os seguintes procedimentos: (i) avaliação sobre se o teor da proposta é progressista ou reacionário, tendo em vista a perspectiva de ampliação ou restrição de direitos das pessoas trans e travestis; (ii) classificação do espectro político do partido, associado à autoria principal das propostas, conforme o posicionamento no espectro político-ideológico entre “esquerda”, “centro” e “direita” (6); (iii) heteroidentificação da identidade de gênero (cis ou trans) das pessoas responsáveis pelas proposições; e (iv) autodeclaração racial dos proponentes. 

O segundo conjunto de dados utilizados nesta pesquisa diz respeito às postagens sobre a implementação de cotas de ingresso para pessoas trans nas universidades públicas. As postagens do X foram coletadas no período entre 30 de setembro e 30 de outubro de 2024 com o intuito de observar como o debate do tema se desenvolveu nessa rede social. Com o auxílio da equipe da FGV Comunicação Rio, foi empregada uma sintaxe de busca(7) orientada por expressões e hashtags relacionadas às cotas (e suas diversas variações linguísticas) e Universidade de Brasília (UnB), encontrando um total de 1.700 postagens

Esse conjunto inclui posts originais, replies, quotes e reposts, sendo que os últimos são apenas replicações de textos do post original. Assim, para os fins deste relatório, optamos pela análise das 174 postagens originais publicadas no X, as quais foram classificadas em: a favor, neutra e contra a implementação das cotas.

O relatório está dividido em duas seções principais: a primeira aborda os dados dos 163 projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados e a segunda trata das 174 postagens publicadas na plataforma X sobre as cotas de ingresso para pessoas trans na UnB.

(i) Análise sobre as propostas legislativas

  1. Métricas gerais

Evolução da tramitação dos projetos na Câmara dos Deputados

O Gráfico 1 mostra o ano de proposição dos projetos de lei que ainda estão em tramitação na Câmara dos Deputados, bem como o espectro político associado ao partido do autor da proposta. A maior parte das propostas em andamento, 156 dos 163 projetos identificados, foram apresentadas a partir de 2016 e permanecem ativas na Câmara.

Gráfico 1: Projetos em tramitação na Câmara dos Deputados por espectro político

 

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  • O projeto mais antigo que ainda tramita na Câmara dos Deputados é o PL 5872/2005. Proposto pelo deputado Elimar Máximo Damasceno (PRONA/SP), visa proibir a mudança de prenome em casos de “transexualismo”, nas palavras do próprio autor. Imbuída neste projeto, está a patologização de pessoas trans e travestis a partir do uso do sufixo “-ismo” e a negação do direito de retificação de documento. A proposta estava apensada ao PL 70/1995, que foi arquivado em janeiro de 2023, e retornou à pauta para apreciação do Plenário. Junto ao PL 5872/2005, tramitam como apensados outros cinco projetos (PL 2976/2008; PL 4241/2012; PL 1281/2011; PL 4870/2016 e PL 2232/2020). Todos esses, no entanto, buscam assegurar o direito de alteração do registro civil e nome social, ao contrário da proposta principal.
  • Dos 156 PLs ativos propostos após 2016, 45 são de parlamentares filiados a partidos de esquerda. Neste grupo, todas as propostas foram consideradas progressistas. Outros 32 projetos são de centro, divididos em 23 PLs progressistas e 9 reacionários. 
  • A maioria dos projetos em tramitação envolvendo a temática são de parlamentares filiados a partidos de direita, totalizando 79 propostas. Desses 79, apenas 8 têm conteúdo progressista, enquanto os outros 71 projetos foram considerados reacionários, o que espelha a configuração mais conservadora da Câmara nos últimos anos. 
  • Avaliando o total de 163 projetos encontrados tramitando na Câmara, verificamos que: dos 50 PLs propostos por parlamentares de esquerda, 35 estão apensados em 26 propostas distintas e os outros 15 PLs tramitam por conta própria em suas comissões. Das 32 propostas de centro, 25 estão apensadas em 24 projetos distintos e outros 7 tramitam independentes. Dos 81 PLs da direita, 64 tramitam de forma apensada a 34 projetos distintos, enquanto os outros 17 PLs tramitam normalmente isolados. 
  • Existem, portanto, 124 projetos sobre o tema tramitando de forma apensada a 68 propostas diferentes. A imagem abaixo mostra a conexão interna entre essas tramitações, ou seja, considerando apenas os projetos presentes na mesma planilha recebida da Câmara onde a análise dos dados foi realizada.

Gráfico 2: Propostas e apensamentos

 

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  • O projeto principal com maior número de apensamentos (12) é o PL 2596/2019, o qual determina que o sexo biológico deve ser o único critério para definição do gênero em competições esportivas oficiais no Brasil. Contudo, ainda que seja o PL com o maior número de apensamentos, ele próprio tramita de forma apensada ao PL 2200/2019, que dispõe acerca de pessoas trans em competições. 
  • A prática de apensar novas propostas às principais é bastante recorrente, conforme constatado em relatório previamente elaborado para o Projeto Mídia e Democracia “Projetos de lei sobre candidaturas de minorias: homens são a maioria dos autores de propostas que retrocedem a participação política de mulheres”. Da mesma forma, o apensamento pode ser compreendido como uma estratégia adotada pelos membros da Câmara para impulsionar ou postergar a tramitação da proposta original. Assim como no relatório citado, em que homens são maioria de proponentes de projetos que visam retroceder a participação política das mulheres, a análise dos PLs, bem como o cruzamento dos seus apensados, apontam para uma preponderância de propostas de partidos de direita, que buscam dificultar o andamento da pauta trans.

Análise qualitativa dos temas

A partir da análise da ementa e do teor dos Projetos de Lei, é possível identificar os temas que aparecem com maior recorrência, tanto de maneira geral, quanto por espectro político. Para essa seção, foram escolhidas temáticas guarda-chuva que agrupam os PLs de acordo com seu conteúdo. Cada PL pode acumular mais de um tema, já que as propostas podem ser bastante complexas, buscando, em muitos casos, disciplinar mais de uma matéria. 

Questões como combate à transfobia, acesso a  banheiros públicos, uso de linguagem neutra e educação sexual são abordados de diferentes perspectivas e, por vezes, abrangem mais de um campo do Direito. Foram identificados temas frequentes nos projetos de lei e, a partir disso, criamos a seguinte classificação, que pode se sobrepor: 

Gráfico 3: Temas principais em relação ao avanço ou retrocesso de direitos de pessoas trans ou travestis 

 

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  • Os temas mais recorrentes identificados nas propostas legislativas foram Direito Penal (46), Administração Pública (44), Educação (37) e Ideologia de Gênero (28). Cabe destacar que a categoria que tem mais PLs reacionários é a Educação (31), seguida por Ideologia de Gênero (28), Administração Pública (19) e Esporte (19). Já as propostas que mais se destacaram dentre as progressistas são Direito Penal (28), Administração Pública (25), Políticas Sociais (18) e Registro Civil e Nome Social (15).
  • Totalizando 46 propostas, o tema de Direito Penal se destacou ao revelar a tendência do Legislativo de criminalizar condutas consideradas violentas ou discriminatórias. Tanto no espectro progressista quanto no reacionário, foi possível observar um esforço do legislador para tipificar penalmente diversas práticas. No âmbito progressista, buscou-se punir a discriminação baseada em identidade de gênero e orientação sexual. Já nas propostas reacionárias há comumente iniciativas de restrição à liberdade de expressão, com punições para profissionais da educação que reproduzam o que grupos conservadores denominam como “ideologia de gênero”, além de punição para médicos e profissionais da saúde que realizam e/ou favorecem processos de transição de sexo em crianças e adolescentes.
  • Em segundo lugar, o tema de Administração Pública contou com 25 propostas progressistas e 19 reacionárias. A maioria das propostas progressistas estabelecem ou ampliam políticas públicas de inclusão de pessoas trans, como o respeito ao nome social, uso de linguagem inclusiva nas funções da Administração Pública e sanções administrativas para crimes de ódio cometidos por servidores públicos. 
  • O tema da Educação também despontou como foco de preocupação, principalmente em projetos reacionários. Entre as 31 propostas reacionárias, nota-se o receio com a grade curricular e a propagação da ideologia de gênero em ambiente escolar, bem como a conduta de professores e formadores de opinião que são supostamente agentes responsáveis por “corromper” crianças e adolescentes.
  • Por fim, a Ideologia de Gênero surge como um tema de preocupação transversal presente nas propostas reacionárias. Do total de 28 propostas, todas são de caráter reacionário e pretendem conter a difusão da chamada “ideologia de gênero”, por exemplo, através da criação de novos crimes e da proibição do uso de linguagem neutra. 

 

a. Direito Penal 

Identificamos 46 propostas que visam alterar artigos do Código Penal e da Lei de Contravenções Penais, ou que criam sanções administrativas. Destas, 28 foram consideradas progressistas e 18 como reacionárias. 

Propostas progressistas propõem a criminalização da homotransfobia (8) e intersexofobia (9), além de sanções contra servidores públicos que cometam crimes de ódio. Há também projetos de lei que buscam incluir mulheres transexuais na proteção da Lei Maria da Penha (PL 842/2022) e garantir atendimento a pessoas transgênero nas Delegacias da Mulher (PL 994/2022).

Chama atenção 5 iniciativas(10) que visam criminalizar o ensino de "ideologia de gênero" nas escolas. Outras propostas buscam criminalizar o uso de banheiros públicos que não correspondem ao sexo biológico da pessoa(11) e proíbem intervenções médicas de transição de gênero em crianças e adolescentes, tal qual o PL  2574/2023, proposto pelo Deputado Delegado Caveira (PL-PA).

b. Empresas 

Identificamos 14 Projetos de Lei envolvendo Empresas: 10 progressistas e 4 reacionários. As principais propostas progressistas buscam promover transparência e igualdade no mercado de trabalho, abordando discriminação e inclusão. Incluem a equiparação salarial entre gêneros e proteção contra discriminação com base em raça, orientação sexual e identidade de gênero, além de cotas para mulheres e pessoas LGBTQIA+(12), com penalidades para empresas que as descumprirem(13). Há também projetos que propõem a implementação de conteúdo informativo explícito contra discriminação em estabelecimentos e o incentivo à inclusão da população LGBTQIA+ no mercado de trabalho por meio do Sistema Nacional de Emprego (SINE).(14)

Por outro lado, projetos reacionários visam segregar enfermarias, banheiros e vestiários por sexo biológico, tanto em escolas, quanto em espaços públicos, estabelecimentos comerciais e ambientes de trabalho(15) e a proibição do uso de linguagem neutra em escolas privadas e públicas (16). 

c. Eleições 

Também foram identificados 4 Projetos de Lei relacionados ao procedimento eleitoral (17), todos eles progressistas. Em geral, procuram alterar o Código Eleitoral para proibir a violência política contra candidatos LGBTQIA+ ou transgêneros. Buscam também alterar a Lei nº 9.504, de 1997, que regula as eleições, para estabelecer um número mínimo de vagas para candidaturas autodeclaradas como trans, promovendo maior representatividade e proteção para essa população no contexto eleitoral.

d. Registro Civil e Nome Social 

Identificamos 19 propostas que versam sobre Registro Civil e Nome Social. Destas, 15 progressistas e 4 reacionárias. As progressistas visam assegurar o respeito à identidade de gênero (18) e à dignidade póstuma de pessoas trans e travestis, com alterações em diversas leis. Entre as mudanças propostas, destacam-se a garantia do direito à identidade de gênero, a possibilidade de alteração de prenome e gênero no registro civil sem necessidade de intervenções médicas (19) e a utilização de nome social (20). Outras medidas incluem a isenção de taxas para a retificação de nomes e gênero no registro civil(21), o respeito à diversidade sexual e de gênero, e o programa “Respeito Tem Nome”, que visa promover a cidadania de pessoas trans (22). 

Do lado reacionário, as propostas visam proibir o uso de linguagem neutra de gênero em documentos escolares e obrigação de estabelecer o sexo biológico como critério único em políticas públicas.

e. Administração Pública 

Foram identificadas 44 propostas relativas à Administração Pública, sendo 25 progressistas e 19 reacionárias

No âmbito dos projetos progressistas, estes sugerem a inserção de direitos e a inclusão da população LGBTQIA+ e das pessoas trans e travestis em diversas esferas, como a obrigatoriedade de placas informativas sobre o respeito ao nome social e à identidade de gênero, e a inclusão da coleta de dados salariais por orientação sexual e identidade de gênero. 

Entre essas propostas, destaca-se o Projeto 4637/2023, que propõe a  reserva de 2% das vagas em concursos públicos e estágios para pessoas transexuais e travestis. Além disso, há o PL 2668/2024 que traz a necessidade de registro adequado de crimes homotransfóbicos nos sistemas de segurança pública, proposto pela Deputada Erika Hilton (PSOL-SP). As mudanças também incluem proteção à população LGBTQIA+ encarcerada, uso de linguagem inclusiva na administração pública e a penalização de discriminação por identidade de gênero ou orientação sexual. Há também propostas que visam assegurar o atendimento a pessoas trans nas delegacias da mulher, criação de programas de apoio psicológico no SUS para familiares de pessoas trans, obrigatoriedade de educação sobre diversidade de gênero em escolas e fixação de placas contra discriminação em estabelecimentos. Há, ainda, a previsão de sanções administrativas para crimes de ódio cometidos por servidores, bem como o PL 3627/2023, que proíbe terapias de conversão pelo SUS. 

Por outro lado, projetos reacionários visam à proibição do uso de linguagem neutra nas instituições de ensino públicas e da administração pública, além da  vedação de vagas específicas para pessoas trans em instituições de ensino e concursos. 

f. Cotas 

Na categoria Cotas, identificamos 8 propostas, sendo 7 progressistas e 1 reacionária. As propostas progressistas buscam reservas de vagas para pessoas transexuais e travestis em concursos públicos, estágios profissionais, no Sistema Nacional de Empregos, nas universidades federais e demais instituições federais de ensino superior, no programa Jovem Aprendiz, entre outros. 

Já o único reacionário (PL 3914/2024), proposto pela Deputada Júlia Zanatta (PL-SC), pretende vedar a reserva de vagas para pessoas trans em instituições de ensino públicas e privadas e serviços federal, estadual e municipal. 

g. Ideologia de gênero 

No que tange às 28 propostas classificadas como ideologia de gênero, todas são reacionárias. Dessas, 25 foram escritas por integrantes de partidos de direita e 2 por partidos considerados de centro. 

 Quase a metade do total dos projetos apresentados versa sobre a proibição de linguagem neutra e da ideologia de gênero nas escolas. Foi possível notar uma grande preocupação por parte dos partidos de direita em inviabilizar mudanças no sentido de tornar a língua portuguesa mais inclusiva em relação às identidades de gênero diversas, especialmente para pessoas que não se identificam com os pronomes existententes na norma culta. 

A outra parte dos PLs contidos nessa categoria abarca uma diversidade de temas. Além da proibição de linguagem neutra na educação de modo geral, há propostas que visam garantir aos pais o direito de vedar a participação dos filhos em qualquer tipo de evento que supostamente incentive o uso de linguagem neutra. Em especial, encontramos o PL 4893/2020 de autoria do Deputado Léo Motta (REPUBLICANOS-MG), que criminaliza a “imposição violenta de ideologia de gênero”. Neste último, chama atenção em sua justificativa a insinuação de que pessoas trans podem cometer agressões físicas, incluindo, assassinatos. 

h. Educação

A categoria Educação conta com 37 propostas, sendo 6 progressistas e 31 reacionárias. Como observado no tópico anterior, sobre “Ideologia de gênero”, a educação é uma grande preocupação de políticos reacionários. 

 As propostas progressistas têm como objetivo a garantia de direitos para exercer livremente a identidade de gênero e orientação sexual dos alunos. Além disso, também há valorização da diversidade tanto no currículo educacional, quanto nos estabelecimentos de ensino. Além disso, pleiteiam também reservas de vagas para estudantes transgêneros e advogam pela utilização da linguagem neutra. 

Já os reacionários buscam vetar esses direitos. Historicamente, a educação é observada como um lugar social de formação não só acadêmica como também de princípios éticos e morais. Políticos conservadores têm se voltado à educação para, de forma reacionária, vedar a ampliação do acesso de grupos historicamente vulnerabilizados e o avanço de ideias que buscam alavancar a justiça social. Nesse sentido, as propostas reacionárias que estão nesta categoria visam a proibição da ideologia de gênero, almejam proibir o ensino sobre orientação sexual, linguagem neutra e buscam assegurar que os pais possam proibir seus filhos de terem contato com o tema.

i. Políticas Sociais

Nesta categoria temos 22 propostas, 18 propostas progressistas e 3 reacionárias.  

Os projetos progressistas incluem mulheres trans em leis já existentes, como a Lei Maria da Penha, como o PL 8032/2014, de autoria da Deputada Jandira Feghali, (PCdoB-RJ), que garante o atendimento adequado a mulheres,  direito ao atendimento na Delegacia da Mulher, a possibilidade de plástica de reparação a mulheres trans vítimas de violência - proposta do Deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) com o PL 993/2022 - além de garantia de acolhimento e emprego para pessoas trans.  

As propostas reacionárias buscam negar a existência de pessoas trans, alegando a existência apenas do sexo biológico. Elaborado pelo Deputado Alex Santana (PDT-BA) (23), o PL 684/2022 propõe que os valores da aposentadoria sejam estabelecidos a partir do sexo biológico – e não da identidade de gênero do beneficiado. Esse tipo de proposição ignora a diversidade de gênero na dinâmica do trabalho e, consequentemente, ignora a existência de pessoas trans. 

Os outros dois projetos reacionários seguem na mesma linha: o PL 5275/2023, proposto pela Deputada Júlia Zanatta (PL-SC), que propõe que políticas públicas sejam baseadas em sexo biológico e o PL 2578/2020, de autoria do Deputado Filipe Barros (PSL-PR), que propõe que a categoria “gênero” no Brasil seja definida a partir de cromossomos e pelo que chamaram de “características sexuais primárias”. 

j. Saúde

Das 163 propostas analisadas, somente 15 foram classificadas nesta categoria , sendo 9 de cunho progressista e 6 de caráter reacionário.  Esta categoria foi mobilizada em conjunto com outras como Direito Penal, ECA, Administração Pública, entre outras. De uma maneira geral, as propostas progressistas buscam ampliar direitos para a população trans, viabilizando o acesso  à saúde. Dentre as 9 propostas  progressistas, 4 foram propostas por partidos de esquerda, 4 por partidos de centro e apenas 1 foi proposta por partido de direita. 

No âmbito das propostas progressistas,  os PLs 2414/2022, 737/2022 e 3627/2023 merecem especial destaque. Proposto pelo Deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), o PL 2414/2022 pretende estender o suporte psicológico a pais e responsáveis de pessoas trangêneros, transexuais e travestis, “com vistas à conscientização e enfrentamento ao preconceito das questões de gênero". A proposta determina a obrigação do  Ministério da Saúde, através do Sistema Único de Saúde (SUS), de instituir um programa de apoio psicológico, às mães e pais de pessoas trans.

Por sua vez, os PLs 737/2022 (Deputado Bacelar - PODE-BA) e 3627/2023 (Deputada Duda Salabert - PDT-MG) tratam das terapias de conversão sexual, comumente realizadas por organizações e autoridades religiosas. Ambas as propostas visam a criminalização da promoção, divulgação e prática de terapias de conversão de orientação sexual, identidade de gênero e expressão de gênero. 

Dentre as 6 propostas reacionárias, 2 foram propostas por partidos de centro e 4 por partidos de direita. Dentre estas propostas, foi possível observar em 4 delas um foco na regulação e criminalização de condutas que realizem, auxiliem ou induzam intervenções médicas – cirúrgicas e/ou hormonais – em crianças e adolescentes com o objetivo de redesigná-los sexualmente. Sob o pretexto defender o bem-estar de crianças e adolescentes, as justificativas das propostas argumentam que a dificuldade de reversão desses procedimentos poderia levar ao arrependimento dos pacientes, por ainda não gozarem de plena capacidade para este tipo de tomada de decisão. 

Ainda, é possível observar a intenção do legislador de responsabilizar civil e criminalmente profissionais de saúde, responsáveis legais e pais que estejam envolvidos em processos de redesignação sexual de pessoas com menos de 18 anos, como o PL 4537/2023, de autoria de Lincoln Portela (PL-MG) (24) e o PL 4524/2023, de autoria da Deputada Priscila Costa (PL-CE) (25). 

Somente 2 propostas tratam do acesso à saúde para além de cirurgias de transgenitalização e procedimentos de redesignação sexual. Chama atenção o PL 2587/2019 de autoria do Deputado Sargento Pastor Isidório (AVANTE-BA) que dispõe sobre os cursos de formação em Psicologia e regulamenta a profissão de Psicólogo para atribuir aos psicólogos a função de “solução de problemas de ajustamento e transtornos psicológicos, inclusive os relacionados à identidade de gênero e à orientação sexual”. 

À primeira vista, a proposta aparenta ser progressista por ampliar o escopo de atuação de psicólogos para acolhimento de pessoas trans, no entanto, a justificativa reforça a patologização de pessoas LGBT+, considerando sexualidades desviantes como resultantes de problemas de saúde mental e, portanto, passíveis de tratamento e “ajuste” à norma. 

k. ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)

Foram identificadas 13 propostas na categoria “ECA”, sendo todos de caráter reacionário (12 de autoria de partidos de direita e somente 1 de autoria de partido de centro). Com o objetivo de alterar a legislação vigente, as propostas de lei reacionárias visam combater a propagação da ideologia de gênero entre crianças e adolescentes, focando especialmente no ambiente escolar. Por essa razão, os Projetos de Lei também adentram ao direito penal, tipificando a conduta de responsáveis e professores que promovam ideologia de gênero e auxiliem tratamentos hormonais ou procedimentos de alteração do sexo biológico em crianças e adolescentes. Por exemplo, o PL 1978/2024, de autoria do Deputado Capitão Alden (PL-BA), pretende aprimorar o combate ao aliciamento infantil para fins sexuais, bem como criminalizar aqueles que utilizam de sua posição de autoridade para os persuadir crianças e adolescentes em relação ao seu sexo/gênero biológico, focando na punição de “pessoas formadoras de opinião e/ou da confiança dos menores ou de seus pais como professores, médicos, parentes.” 

I. Simbologia 

Das 8 propostas desta categoria, 6 são progressistas e de autoria de partidos de esquerda. Os PLs progressistas representam conquistas no campo simbólico, mas também envolvem a Administração Pública, Registro Civil e Nome Social. A título de como o PL 250/2024, da Deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que inscreve Xica Manicongo, a primeira travesti brasileira, no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, enquanto o PL 5434/2016 (Deputado Orlando Silva - PCdoB-SP) pretende incluir homenagens a personalidades femininas e negras nas cédulas de moeda-papel e nas moedas metálicas. Já os PLs 416/2024 (Deputada Erika Hilton - PSOL-SP) e 2831/2022 (Deputado José Guimarães - PT-CE) tratam da sinalização e fixação de placas em estabelecimentos públicos e privados relativos ao respeito ao nome social,  o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas trans e travestis e o combate à discriminação. 

O PL 3334/2024, proposto pelo Deputado Dr. Zacharias Calil (UNIÃO-GO), foi classificado como reacionário uma vez que torna obrigatória a execução do Hino Nacional Brasileiro com sua letra original, proibindo o uso de linguagem neutra. Também reacionário, o PL 2363/2024, de autoria do Deputado Pastor Sargento Isidório (AVANTE-BA), busca garantir a liberdade de expressão, dispondo sobre a não obrigatoriedade de utilização da linguagem neutra por parte dos cidadãos em suas falas e escritas.

m. Liberdade de Expressão

Nesta categoria, foram identificados 6 Projetos de Lei, sendo todos de natureza reacionária propostos por partidos de direita e centro (PSL, UNIÃO, PSC, PATRIOTAS e AVANTE). Aqui, a liberdade de expressão é comumente utilizada como uma das bases para impor obstáculos ao reconhecimento dos direitos de pessoas trans. 

Cumpre destacar a relação entre as categorias “Liberdade de Expressão” e “Simbologia” que revela uma disputa simbólica em torno dos direitos da população trans. A legitimação do uso da linguagem neutra representa um avanço significativo para a inclusão de pessoas trans e não-binárias e, por isso, setores conservadores se articulam para conter a popularização do uso da linguagem inclusiva.  Assim, as propostas reacionárias pretendem proibir a utilização de linguagem neutra sob o argumento de preservação da língua portuguesa, além de determinar a obrigatoriedade do uso da norma culta em instituições de ensino, materiais didáticos, editais de concursos públicos e em outros documentos oficiais. 

Quanto à liberdade de crença, o PL 4949/2019 (26) de autoria do Deputado Otoni de Paula (PSC-RJ) merece destaque. A proposta visa alterar a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, para definir e punir os crimes resultantes de discriminação ou preconceito por sexo ou orientação sexual. Embora apresente um verniz progressista, nota-se uma ressalva em relação a cultos e manifestações religiosas, dentro e fora de templos (27). Aparentemente, o Projeto de Lei condena a transfobia, porém chancela exceções baseadas em convicção religiosa, não considerando crime  práticas discriminatórias quando fundadas na liberdade de consciência e de crença. 

n. Esporte 

Das 20 propostas enquadradas na categoria “Esporte”, 19 foram consideradas reacionárias e apenas 1 foi classificada como progressista. Dentre as 19 propostas reacionárias, 18 foram são de iniciativa de partidos de direita e somente 1 foi encaminhada por um partido de centro. As propostas analisadas buscam pacificar o debate em torno do critério definidor de gênero para participação em competições e campeonatos esportivos oficiais em território nacional. Sob o argumento de garantia de igualdade de condições para uma competição justa, as propostas reacionárias proíbem transsexuais de competirem em categorias esportivas distintas do seu sexo biologico. Isto é, o sexo biológico seria o critério exclusivo para definição de gênero. 

A título de exemplo, o PL 1417/2023 (Lincoln Portela - PL-MG) pretende instituir o Comitê Transolímpico Brasileiro e o Comitê Brasileiro de Clubes Transolímpicos destinados aos atletas transgêneros, reforçando a segregação de pessoas trans. Novamente, o argumento mobilizado gira em torno do reconhecimento da chamada “verdade biológica” e da superioridade física de determinados atletas trans em comparação a atletas cis. De autoria de Duda Ramos (MDB-RR), o PL 1869/2024 foi o único classificado como progressista, buscando combater práticas discriminatórias, racistas, xenófobas, homofóbicas, transfóbicas ou contra as mulheres no ambiente esportivo. 

Quem propõe?

Nesta seção, verificamos quem são os parlamentares autores das proposições legislativas referentes às temáticas ligadas aos direitos de pessoas transexuais e travestis. A classificação dos autores por posicionamento do Projeto de Lei (PL) foi analisada a partir da identidade de gênero e da autodeclaração racial informada no ato da candidatura ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) (28). Cabe ressaltar que casos em que a autodeclaração racial não foi informada, trata-se de candidaturas registradas antes do TSE recolher oficialmente esses dados (29). 

Encontramos o total de 95 parlamentares autores para os 163 Projetos de Lei analisados. Grande parte dos autores são do gênero masculino, 63 deles, enquanto 32 são do gênero feminino. Foram identificados 59 parlamentares brancos, 16 pardos, 13 pretos, 1 amarelo, e 6 não declarados.  Em relação ao posicionamento dos autores, identificados a partir dos Projetos de Lei, encontramos 53 autores reacionários, 41 autores progressistas e 1 classificado como ambos

No Gráfico 4 abaixo, verificamos os 5 parlamentares com maior número de propostas legislativas direcionados aos direitos de transexuais e travestis.

Gráfico 4: Principais autores de propostas

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Fonte: Câmara dos Deputados | Elaboração: FGV Direito Rio

 

  • Dos 163 PLs analisados, 16 foram propostos por Alexandre Frota (PSDB-SP); Erika Hilton (PSOL-SP) figura como a segunda parlamentar com mais propostas apresentadas, sendo autora de 9 PLs. O Pastor Sargento Isidório (AVANTE-BA) aparece em terceiro lugar, com 6 propostas apresentadas, seguido por Duda Salabert (PDT-MG) e Erika Kokay (PT-DF), ambas com 5 PLs.
  • Quanto ao volume de propostas enviadas, dos outros 90 parlamentares que apresentaram Projetos de Lei sobre direitos de pessoas transexuais e travestis, 64 parlamentares propuseram apenas 1 PL, 21 parlamentares apresentaram 2 PLs, 4 parlamentares apresentaram 3 PLs e 1 parlamentar apresentou 4 PLs. 
  • Alexandre Frota (PSDB-SP) figura como autor de mais Projetos de Lei, sendo todos eles classificados como progressistas. Se torna importante ressaltar que o parlamentar é bastante atuante em pautas ligadas à temática de gênero, principalmente na garantia de direitos para transexuais e travestis. Esse posicionamento progressista nem sempre se repete em outros temas ligados à gênero, como mostra o mapeamento realizado anteriormente em relatório produzido pela equipe da FGV Direito Rio no âmbito do Projeto Mídia e Democracia e mapeamento do Projeto Elas no Congresso, o parlamentar foi autor de um PL que retrocede na legislação sobre reserva de vagas para minorias sociais nas eleições para cargos legislativos.
  • As análises dos autores com mais Projetos de Lei sobre direitos de pessoas transexuais e travestis reforça a importância de ampliar a representatividade de grupos socialmente minoritários nos cargos legislativos. As únicas duas parlamentares com identidade de gênero trans - Duda Salabert (PDT-MG) e Erika Hilton (PSOL-SP) – apresentaram Projetos de Lei progressistas que versam sobre os direitos dessa população. Erika Kokay (PT-DF) se destaca como uma parlamentar com mais propostas progressistas porque, historicamente, atua em temas ligados à defesa dos direitos das mulheres e da população LGBT+.
  • Em relação ao Pastor Sargento Isidório (AVANTE-BA), o parlamentar foi o que mais apresentou Projetos de Lei reacionários em relação aos direitos de pessoas transexuais e travestis. Apesar de ser filiado a um partido classificado como de centro, o que poderia sugerir posicionamentos moderados, os projetos apresentados por ele refletem os dogmas religiosos do grupo social do qual faz parte e que, além de não reconhecer, combate a existência de pessoas com identidades de gênero diversas.

a) Identidade de Gênero 

Gráfico 5: Identidade de Gênero (Feminino vs. Masculino) do proponente e Posicionamento do Projeto de Lei

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Fonte: Câmara dos Deputados | Elaboração: FGV Direito Rio

  • De acordo com o Gráfico 5 acima, dos 163 Projetos de Lei analisados, 32 foram apresentados por mulheres e 63 por homens;
  • Dos 32 Projetos de Lei apresentados por mulheres, 15 visam restringir direitos de pessoas transexuais e travestis, enquanto 17 visam ampliar direitos;
  • Já no caso das 63 propostas apresentadas por homens, 38 têm como objetivo restringir direitos de pessoas transexuais e travestis, enquanto 24 buscam ampliar os direitos.
  • Encontramos 1 caso em que o autor foi classificado como progressista e reacionário ao mesmo tempo, refere-se aos projetos de lei apresentados por Sóstenes Cavalcanti (DEM-RJ). O parlamentar  foi autor de três PLs, dois deles foram classificados como reacionários, trata-se dos PL 9742/2018 (30) e PL 2639/2019 (31); por sua vez, o PL 3453/2019 (32) foi classificado como progressista.
  • Desconsiderando o caso de Sóstenes Cavalcanti (DEM-RJ), do total de 62 homens, 61,3% apresentaram PLs reacionários e 38,7%, PLs progressistas. Já em relação às 32 mulheres, 46,9% indicaram PLs reacionários e 53,13%, PLs progressistas. Ou seja, apesar de serem minoria, em termos numéricos, proporcionalmente as mulheres propõem mais Projetos de Leis a favor dos direitos de pessoas transexuais e travestis que os homens. 

Gráfico 6: Identidade de Gênero do Proponente (Cis x Trans)

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Fonte: Câmara dos Deputados | Elaboração: FGV Direito Rio

  • No Gráfico 6 acima, temos que dos 95 autores encontrados neste mapeamento, 93 são cisgênero (pessoas que se identificam com seu gênero biológico) e 2 são transexuais/travestis (pessoas que não possuem identidade com o seu gênero biológico), sendo elas a Erika Hilton (PSOL-SP) e Duda Salabert (PDT-MG);
  • Esses números demonstram o problema da sub-representação de pessoas transexuais e travestis para a garantia de direitos dessa população. Erika Hilton (PSOL-SP) e Duda Salabert (PDT-MG) são as únicas transexuais dos 513 parlamentares da Câmara de Deputados. Ambas foram eleitas em 2022 e, até então, são as únicas parlamentares eleitas que fazem parte dessa população nos 198 anos de Congresso Nacional. 

b) Autodeclaração racial dos proponentes 

Gráfico 7: Autodeclaração racial do proponente e posicionamento do Projeto de Lei

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Fonte: Câmara dos Deputados | Elaboração: FGV Direito Rio

  • Em relação à autodeclaração racial dos 95 proponentes, no Gráfico 7 acima verificamos 1 autor autodeclarado amarelo; 59 autores autodeclarados como brancos; 16 dos autores são autodeclarados como pardos e 13 como pretos. Finalmente, 6 autores não realizaram autodeclaração racial ao TSE, devido ao fato de suas candidaturas terem sido registradas antes da solicitação obrigatória do TSE em 2014.
  • Em relação ao posicionamento do Projeto de Lei por autodeclaração racial, temos: autores brancos foram responsáveis por 33 propostas reacionárias, 25 propostas progressistas e 1 classificada como ambos; proponentes pardos foram responsáveis por 4 Projetos de Lei progressistas e 12 reacionários; os parlamentares pretos foram autores de 9 propostas progressistas e 4 reacionários e; por fim, os autores sem autodeclaração racial foram responsáveis por 3 Projetos de Lei progressistas e 3 reacionários. 
  • Em termos ilustrativos, se somarmos os números de pessoas  Pretas e Pardas, como historicamente faz o IBGE, e analisarmos as proporções por dentro tanto dos progressistas quanto dos reacionários, percebemos que 62,2% dos 53 autores de PL’s reacionárias são brancos e 30,2% são pretos e pardos. Já 61% dos 41 autores de PL’s progressistas são brancos e 31,7% são pretos e pardos.

(ii) Análise de postagens no X (antigo Twitter)

Desde a compra do Twitter pelo empresário Elon Musk em 2022, foi possível observar um aumento de perfis e conteúdos considerados de direita e reacionários (33) na plataforma e uma migração intensiva de perfis e páginas consideradas progressistas para outras redes sociais como BlueSky e Threads.(34)

A situação foi agravada em 2023 e 2024, com os ataques de Elon Musk ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Ministro Alexandre de Moraes, com afirmações de que não seguiria as requisições judiciais de retirada de perfis e conteúdos ilegais da plataforma, levando à suspensão do X em 31 de Agosto  no Brasil. 

Diante desse contexto, a análise com dados no X pode contar com subrepresentação de grupos com orientação política diversa. Entretanto, a partir dos 174 comentários extraídos do X sobre o tema das cotas trans nos institutos federais, ainda assim, há um cenário majoritariamente neutro (45,4%). Já os comentários explicitamente a favor somam 35% e contra 19,54%.

Gráfico 8: X (Twitter) Neutro, a Favor e Contra

 

Made with Flourish

Fonte: X (Twitter) | Elaboração: FGV Direito Rio

II.Neutro

  • Do total de 174 postagens analisadas, foram identificadas 79 consideradas neutras (45,4%), quase metade da amostra. Essas postagens geralmente descrevem o fato ocorrido, sem disseminar um posicionamento favorável ou contrário ao assunto.
  • Essas postagens seguem um padrão de textos sucintos e diretos, como um chamariz e um link no final, direcionando o leitor para a leitura mais aprofundada. Seguem exemplos de como essas postagens se comportam:
Universidade de Brasília se une a outras 4 instituições e adota cotas para pessoas trans em seus cursos de graduação https://t.co/3z3C3LuJoW
UnB aprova cotas para trans https://t.co/YrPa7dbtYm .
A expectativa é que as cotas entrem em vigor no vestibular de agosto de 2025, para ingresso no primeiro semestre de 2026 https://t.co/EojqB2SwEA

III.Apoio

61 postagens (35%) publicadas na rede social X disseminaram mensagens favoráveis ao tema das cotas para pessoas. O conteúdo principal dessas postagens tinha como objetivo parabenizar e celebrar mais uma conquista para o movimento de pessoas transgênero. Alguns posts conectaram a iniciativa com outras políticas de ações afirmativas já consolidadas no país, como a reserva de vagas para pessoas negras ou com deficiência. 

????????? VITÓRIA PARA A LUTA TRANS! 
UnB acaba de aprovar a implementação de cotas para pessoas trans em todos os cursos de graduação da instituição! Importante vitória nossa, pessoas trans, que construímos essa Universidade. E lembremos: entrar, permanecer e formar! Viva a luta!
Ainda há uma jornada grande pela frente, mas esse passo da UnB - assim como foi no caso das cotas raciais - sirva de inspiração para outros cursos e para mudanças efetivas para a igualdade racial no sistema de justiça. https://t.co/fI324K7bX6
Foi aprovada as cotas trans na UnB. Um momento histórico na história brasiliense. Que luta nunca acabe.

IV. Contra

  • As postagens contra a implementação da política de reserva de vagas para pessoas trans na UNB corresponderam à minoria da amostra analisada, totalizando 34 posts (19,54%). 
  • Apesar do número baixo em comparação aos demais, o tom de deboche e insatisfação das mensagens chama atenção. As postagens veicularam links com a notícia, mas adicionando comentários depreciativos em relação à comunidade de pessoas transgênero. 
  • Algumas postagens colocam em xeque a capacidade de pessoas trans ingressarem na universidade e classificam a política como um retrocesso para o país. Outras mensagens relativizam a existência dessas pessoas, como mostra um dos exemplos abaixo. Também foram identificados posts chamando a política  de tragédia, criticando o governo e acusando as pessoas trans de “roubarem vagas de outras pessoas”, algo que também é observado em relação às cotas para pessoas pretas e pardas.
Ainda há uma jornada grande pela frente, mas esse passo da UnB - assim como foi no caso das cotas raciais - sirva de inspiração para outros cursos e para mudanças efetivas para a igualdade racial no sistema de justiça.
https://t.co/fI324K7bX6
Pq eles não são capazes de conseguir sem ajuda? 
https://t.co/UIyXJrAkYo
UNB, Universidade de Brasília, mais uma que criou 'cotas' para pessoas 'trans' ! https://t.co/jJdL7GYttg
Cotas trans na UnB cada dia um retrocesso maior????????
Olavo de Carvalho realmente estava certo
Vi agora que aprovaram cotas para pessoas trans nos cursos de graduação da UnB de forma bastante ampla, isso é uma tragédia anunciada. E o movimento trans é quem vai pagar por isso, aguardem.
A minoria sempre foi mais importante que a maioria nesse desgoverno.
Universidade de Brasília aprova cotas para trans https://t.co/ijewtZQLPj
UnB aprovou cotas pra trans e pessoas não binárias.
Parece piada, mas não é.
Minhas chances só reduzem a cada dia que passa.

Referencias:

  1. Termo historicamente empregado por grupos conservadores para construir uma percepção moral que apresenta os avanços nos direitos sexuais e reprodutivos de mulheres e pessoas LGBTQIA+ como ameaças ao modelo hegemônico da família hetero-cis nuclear. (Miskolci; Campana, 2017)

  2.  Disponível em: https://www.camara.leg.br/fale-conosco.

  3.  Um projeto de lei (PL 4686/2004) que versa sobre identidade biológica, especificamente o direito ao conhecimento da origem genética do ser gerado por reprodução assistida, foi retirado da análise, tendo em vista a não pertinência temática para esta pesquisa.

  4.  A ideologia de gênero pode ser compreendida como uma reação de setores conservadores ao reconhecimento e normatização dos direitos sexuais e reprodutivos ao longo da década de 90 no cenário internacional (Miskolci; Campana, 2017). Atualmente, a ideologia de gênero opera como uma ferramenta para uma rápida e radical mobilização política. Para Miguel (2021, p. 01), a ideologia de gênero é “uma caricatura do feminismo e da teoria queer”, representando “uma ofensiva contra a desnaturalização dos papeis sociais de gênero” (2021, p. 03). 

  5. Proposição; Inteiro Teor; Documento Origem; Proposição Origem; Ementa; Tema; Indexação; Autor; Partido; UF; Gênero do Autor; Outros Autores; Apresentação; Tipo; Regime; Apreciação; Situação na CD; Data Última Ação; Última Ação; Data Último Despacho; Último Despacho; Último Relator Designado; codProposicao; codAutor.

  6. Esta classificação teve como respaldo o artigo “Para Entender a Nova Direita Brasileira”, de André Borges e Robert Vidigal (2023, p. 7), com o objetivo de estabelecer um posicionamento fixo de maneira deliberativa para cada partido. 

  7.  A sintaxe de busca (também conhecida por query) refere-se à maneira como formulamos consultas para procurar informações específicas em bancos de dados, motores de busca ou sistemas de filtragem de dados. Esses filtros têm a base linguística, o que corresponde a um aglomerado de palavras-chave (ou termos) associadas a operadores booleanos e caracteres de linguagem de programação. Para este relatório, agradecemos à equipe da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV pelo apoio na elaboração do conjunto de palavras que orientaram a busca e extração das postagens.

  8.  PL 104/2021, PL 1225/2021, PL 1225/2021, PL 2138/2015, PL 6825/2017, PL 2057/2019, PL 1565/2021, PL 3453/2019, PL 7702/2017, PL 1276/2021

  9.  PL 2921/2024

  10. PL 1176/2022, PL 772/2024, PL 4893/2020, PL 3235/2015

  11.  PL 2276/2024, PL 9742/2018

  12.  PL 4637/2023

  13.  PL 3621/2021

  14.  PL 960/2023

  15.  PL 2276/2024, PL 4146/2024

  16.  PL 2650/2021, PL 2759/2021

  17.  PL 78/2021, PL 79/2021, PL 2540/2023, PL 128/202

  18.  PL 4241/2012

  19.  PL 92/2021

  20. PL 2976/2008, PL 2644/2023

  21. PL 3667/2020   

  22. PL 5123/2023

  23.  É importante ressaltar que o parlamentar apresentou o Projeto de Lei às vésperas de sair do PDT. No mesmo mês de 2022 em que propôs o projeto, Alex Santana se filiou ao REPUBLICANOS-MG, partido classificado no espectro político de direita.  

  24.  Prevê o aumento da pena para pais ou responsáveis legais que autorizem ou promovam  tratamentos hormonais em crianças e adolescentes. “Art. 2º A Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, passa a vigorar acrescido do seguinte artigo: “Art. 244-C. Submeter criança ou adolescente a tratamento hormonal com o objetivo de alterar suas características sexuais secundárias em razão de questões relacionadas à identidade de gênero. Pena - reclusão de quatro a seis anos, e multa. 

    §1o A pena será aumentada de um terço aos pais ou responsáveis legais que autorizarem ou promoverem a administração de tratamentos hormonais em crianças e adolescentes. 

    §2o Na hipótese do parágrafo anterior, se a vítima ao atingir a maioridade civil se sentir lesada pela submissão ao tratamento hormonal, aplica-se a pena em dobro.” . Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2329762&filename=PL%204537/2023>.

  25. Determina pena de reclusão para “profissionais de saúde que realizam ou prescrevem o tratamento para mudança de sexo biológico em criança ou adolescente.

  26.  A ementa do PL 4949/2019 dispõe que “Altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, para definir e punir os crimes resultantes de discriminação ou preconceito por sexo ou orientação sexual.” . 

  27.  “Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero, não sendo considerada criminosa a conduta fundada na liberdade de consciência e de crença, aqui incluído o livre exercício dos cultos religiosos e manifestações religiosas, dentro e fora dos templos, em veículos de comunicação e em escolas confeccionais.” (NR). Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1811614&filename=Avulso+-PL+4949/2019> .  

  28.    Disponível no site do TSE

  29.   O Tribunal Superior Eleitoral passou a registrar obrigatoriamente a cor/raça dos candidatos a partir das eleições de 2014. A medida foi implementada através da Resolução TSE nº 23.405/2014, que determinou a inclusão do campo raça/cor no formulário de Requerimento de Registro de Candidatura (RRC). Os candidatos passaram então a ter que se autodeclarar de acordo com as categorias utilizadas pelo IBGE: branca, preta, parda, amarela ou indígena. Candidaturas anteriores ao pleito de 2014 não possuem declaração de cor/raça.

  30.   Estabelece como contravenção penal a utilização, em hospitais, enfermarias, asilos, sanitários públicos, escolas ou universidades, de espaços designados para uso exclusivo masculino ou feminino, por pessoas de sexo diverso, em desobediência às normas estabelecidas.

  31.   Estabelece o sexo biológico como critério exclusivo para a definição do gênero em competições esportivas oficiais no Brasil.

  32.   Insere nos crimes de homicídio e lesão corporal, a causa de aumento de pena quando esses forem motivados pela transexualidade e/ou orientação sexual da vítima. 

  33.  Conforme é abordado em livro de jornalistas do The New York Times, Limite de Caracteres: Como Elon Musk destruiu o Twitter. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/elon-musk-abre-as-portas-do-x-a-extrema-direita/.

  34.  Em especial, após a vitória de Donald Trump, apoiado por Musk. Disponível em: https://olhardigital.com.br/2024/11/25/internet-e-redes-sociais/na-luta-por-novos-usuarios-threads-se-ve-ameacado-pelo-bluesky/