Deputadas de esquerda representadas no Conselho de Ética da Câmara ganham apoio na maioria dos comentários do YouTube

Por: Democracy Reporting International e FGV Direito Rio

 

Por: Democracy Reporting International e FGV Direito Rio

 

  • O debate sobre os processos disciplinares instaurados contra as deputadas é predominantemente polarizado. De um lado, mensagens de apoio prevalecem, com conteúdo favorável à Sâmia Bomfim individualmente, ao grupo de deputadas representadas como um todo e com críticas aos seus opositores. De outro lado, mensagens com discurso de ódio perpetuam estereótipos que questionam a presença de mulheres na política, atacando suas capacidades cognitivas, aparência e resistência ao processo, enquanto negam a desigualdade de gênero histórica no cenário político.
  • Dentre os canais que postaram vídeos relacionados aos processos disciplinares, o de Bomfim se destacou por reunir o maior número de comentários sobre o caso. Em canais de mídia alternativa, seu embate com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PL), também gerou um alto número de manifestações.
  • Enquanto mais da metade dos comentários analisados foram classificados como favoráveis às deputadas, menos de um terço foram classificados como contrários, concentrando-se estes últimos  principalmente em canais com conteúdos alinhados à extrema-direita.
  • Foram encontrados comentários tóxicos em todos os canais analisados neste debate, não sendo possível, portanto, falar em espaço isento de toxicidade. Contudo, os comentários de cunho altamente tóxico, na amostra analisada, foram majoritariamente direcionados contra as deputadas representadas.

 

Entre 30 de maio e 7 de julho de 2023, pelo menos 2.600 comentários postados em vídeos do YouTube estiveram relacionados aos processos disciplinares instaurados no dia 14 de junho contra as deputadas Célia Xakriabá (Psol-MG), Sâmia Bomfim (Psol-SP), Talíria Petrone (Psol-RJ), Erika Kokay (PT-DF), Fernanda Melchionna (Psol-RS) e Juliana Cardoso (PT-SP) pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Conforme indicado nas petições que instruem os processos, o que os motivou foi a imputação de quebra de decoro pelas parlamentares ao supostamente “criminalizarem” a integridade de deputados que votaram a favor do requerimento de urgência na tramitação do PL 490/07 (conhecido como PL do Marco Temporal), em sessão do dia 24 de maio de 2023 na Câmara, quando os chamaram de “assassinos”.

Neste relatório, identificamos uma discussão significativamente polarizada no YouTube. Nesta plataforma, comentários a favor das deputadas somaram número maior do que aqueles que se opuseram a elas em relação aos processos, com prevalência geral de menções à deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP). Na relação entre sentimento atrelado aos comentários, sua toxicidade e o posicionamento que expressam, observamos que aqueles sentimentos classificados pelo modelo linguístico como positivos costumam ser a favor das parlamentares e menos tóxicos do que aqueles classificados como negativos e contra elas. É o que mostra levantamento da Democracy Reporting International e do Programa de Diversidade e Inclusão e do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS-FGV), ambos da FGV Direito Rio.

 

Metodologia

O objetivo deste relatório é identificar, a partir da seção de comentários de vídeos do YouTube relacionados aos processos disciplinares apresentados contra as seis deputadas, o que os usuários da plataforma falaram sobre as representadas e qual o sentimento atrelado a essas mensagens, bem como sua toxicidade e posicionamento (contrário ou favorável a elas)¹. Para isso, fizemos o levantamento e coleta de todos os possíveis vídeos e comentários relacionados ao episódio. Como recorte temporal, consideramos aqueles postados entre 30 de maio — 3 dias antes do protocolo dos processos junto ao Conselho de Ética e 16 dias antes de suas efetivas instaurações — e 7 de julho deste ano.

Inicialmente, para a identificação dos vídeos, foi realizada busca no YouTube, utilizando uma regra de filtro linguística² orientada pelo nome das deputadas e termos relacionados aos processos disciplinares, à aprovação do PL do Marco Temporal, e ao léxico de violência política de gênero e raça³, além da hashtag #ElasFicam. Partimos de um universo de 3.538 vídeos, que, após análise qualitativa das autoras e autores deste relatório, foi reduzida para 103 vídeos. Para este filtro, levamos em consideração a presença de menção textual, no título ou na descrição do vídeo: i) ao caso (representação pelo Conselho de Ética); ii) ao processo legislativo do PL 490/07 (votação e aprovação); e iii) a comentários das deputadas representadas, com relação a este mesmo projeto de lei.



Dos 103 vídeos selecionados, apenas 83 foram considerados para a análise, uma vez que, além de cumprirem os requisitos acima, possuíam pelo menos 1 comentário. A partir disso, realizou-se busca de menções (nominais ou indiretas) às deputadas,  o que levou a uma redução dos vídeos a serem analisados para 62, de 37 canais diferentes. Quantitativamente, selecionamos para esta análise apenas os canais que, na soma total de comentários de vídeos selecionados e vinculados a eles, possuem pelo menos 50 comentários, o que gerou um resultado final de 29 vídeos de 10 canais diferentes e um total de 2.262 comentários relacionados às deputadas representadas a serem analisados. 



Para a análise quantitativa, utilizamos três modelos principais para interpretação dos comentários: (i) modelagem de tópicos, um modelo que nos permite calcular a probabilidade de termos encontrados nos comentários estarem atrelados a tópicos mais amplos; (ii) análise de sentimento, uma técnica de processamento de linguagem natural que tem como objetivo identificar a polaridade emocional em um texto, classificando-o como positivo, negativo ou neutro; e (iii) análise de toxicidade, utilizando modelo pré-treinado, capaz de detectar atributos tóxicos em dados de texto.



Estruturalmente, o relatório conta com três seções: (I) "Repercussões do episódio" — que aborda quais tipos de conteúdo sobre os processos de representação contra as deputadas circularam no YouTube, as características dos canais que os publicaram e as repercussões do debate; (II) "O que é dito" — que analisa os principais assuntos veiculados nos comentários dos vídeos no YouTube sobre os processos de representação das parlamentares; e (III) "Como as deputadas são referenciadas" — que explora os resultados encontrados por meio de análise de sentimento e toxicidade dos comentários deixados nos vídeos, além daquela feita pelas autoras e autores do relatório para identificar se os comentários se posicionavam a favor ou contra as deputadas.

 

I. Repercussões do episódio: conteúdos produzidos no YouTube a respeito dos processos disciplinares instaurados contra as deputadas e seus desdobramentos

Para orientar a análise, classificamos os canais selecionados do YouTube em cinco categorias. A metodologia em que nos baseamos é da autora Nina Santos (2020), visto que a sua categorização permite compreender não apenas as diferentes linguagens adotadas pelos canais aqui mapeados, mas também fazer uma comparação entre eles e suas publicações, viabilizando um maior entendimento sobre os seus respectivos públicos e a maneira como interagem com o episódio explorado. Deste modo, conseguimos i) identificar os perfis de canais que postaram vídeos relacionados às representações das deputadas; ii) situar possíveis associações entre estes perfis e os comentários deixados nestes vídeos; e iii) verificar a quais tipos de canais as repercussões do episódio estão mais evidentemente relacionadas. As cinco categorias são:

  • Mídia Tradicional: Canais de veículos de mídia cujo alcance é significativo no Brasil, possuindo vínculo direto com empresas de comunicação de grande porte. São controlados por empresas amplamente reconhecidas pelo público por estarem disseminadas nos principais meios de comunicação em massa.
  • Mídia Alternativa: Canais cujo principal foco é a interlocução com o seu público e que buscam fortalecer os meios de participação popular — neste caso, gerar engajamento. Esta pode ser tida como a principal diferença da mídia alternativa em relação às mídias tradicionais, fator particularmente presente nos meios digitais de informação, segundo Ana Cristina Suzina (2019). Muitas vezes transitam entre estratégias de comunicação dos produtores de conteúdo digital e formato jornalístico. Geralmente, não contam com o investimento de conglomerados de mídia em massa e indicam o apoio financeiro de seu público como principal fonte de recursos. 
  • Criador de Conteúdo: Canais independentes, sem relação direta com empresas de comunicação, cujo principal objetivo é interagir com a audiência online por meio de uma comunicação mais próxima com seu público, tendo como foco a expressão de opiniões pessoais para gerar o engajamento com seus nichos de consumo. 
  • Governo: Canais oficiais da estrutura de comunicação e transparência do governo brasileiro. Os conteúdos trazem, em geral, os eventos dos quais participaram parlamentares, tais como Plenárias, votações de projetos de lei e comunicações abertas à imprensa que ocorrem dentro da Câmara dos Deputados.
  • Parlamentar: Canais oficiais de parlamentares cujo mandato político está em curso⁴. 

 

Veja aqui a tabela da categorização dos canais no YouTube que postaram vídeos cujos comentários foram selecionados para análise.

 

  • No total, os 10 canais mencionados acima publicaram 29 vídeos diferentes que entraram no escopo final da análise. Em termos quantitativos, as categorias de “Mídia Alternativa” e “Mídia Tradicional” são as que possuem maior engajamento do público via comentários, e integram a análise com 12 e 8 vídeos respectivamente. O canal do Governo e o da parlamentar Sâmia Bomfim seguem abaixo contribuindo, o primeiro, com 4 vídeos e o segundo com 3, frente aos “Criadores de Conteúdo” que tiveram pelo menos um vídeo com mais de 50 comentários relacionados às parlamentares.
  • A análise de conteúdos divulgados pelo canal Jovem Pan revela a presença de pautas favoráveis à ideias conservadoras, demarcando também um alinhamento político-partidário com figuras da extrema-direita. 
  • Nos canais aqui classificados como “Criadores de Conteúdo” o alinhamento partidário também se mostra presente, embora mais diverso em termos de posicionamento político. O canal de “Antônio Lopes da Silva” é um exemplo de perfil que se autodenomina conservador e evangélico, com posicionamentos à direita. Por outro lado, “Rony Teles”, adota um posicionamento de combate à desinformação política e ao negacionismo científico, sendo crítico às figuras políticas e parlamentares do Partido Liberal (PL) alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro e responsáveis pela apresentação da representação das deputadas, com posicionamento mais bem definido à esquerda. 
  • Já em relação à “Mídia Alternativa”, é importante destacar que os canais “Brasil de Fato”, “My News”, “TV Fórum” e “Meteoro Brasil” costumam orientar os conteúdos que produzem a partir de uma orientação  político-partidária bem estabelecida, à esquerda.  Suas produções, no entanto, não estão necessariamente alinhadas a um partido político específico. 
  • O canal de Sâmia Bomfim, única parlamentar cujos vídeos no YouTube foram incluídos na análise final, em razão de cumprir todos os critérios da filtragem, possui quase 50 mil inscritos e se destaca ao reunir mais de  400 comentários relacionados a ela e/ou demais parlamentares mulheres.

 

Evolução temporal dos comentários associados aos vídeos objeto de análise

 

O gráfico abaixo apresenta a evolução do número de comentários recebidos por canal durante o período de análise. Para sua criação, mapeamos a distribuição de comentários por dia em cada canal. Além disso, adicionamos a linha que indica o dia 14 de junho de 2023, por corresponder à data em que os processos disciplinares foram instaurados pelo Conselho de Ética. 

 

Gráfico 1: Evolução dos comentários relacionados às deputadas entre 30 de maio e 7 de julho

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Fonte: YouTube | Elaboração: Democracy Reporting International (DRI)

 

  • O pico de comentários observado no canal da parlamentar Sâmia Bomfim (Psol-SP) no dia 30 de maio registra a reação dos usuários à votação final do Projeto de Lei do Marco Temporal. O vídeo em questão é referente ao momento em que a representante do Psol se pronuncia ao votar contra a tese que impede a demarcação de terras indígenas. 
  • O aumento na quantidade de comentários observados entre os dias 3, 4 e 5 de junho, no canal do criador de conteúdo “Ronny Teles”, é referente a um vídeo replicado das redes sociais de Sâmia Bomfim, no qual a deputada comunica à sua base de apoio pela primeira vez sobre os processos protocolados contra ela e as demais deputadas de esquerda pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. No vídeo, a parlamentar pede que seus apoiadores participem de um abaixo-assinado contra o processo, que ainda seria propriamente instaurado.
  • Em 14 de junho, dia da instauração dos processos contra as 6 deputadas do PT e do Psol, observou-se um pico no número de comentários nos canais da parlamentar Sâmia Bomfim e no canal da UOL. Os maiores números de comentários se concentram em 2 diferentes vídeos nos quais Sâmia questiona a regularidade dos processos e acusa os seus representantes de tentativa de intimidação.
  • No decorrer dos processos contra as deputadas, Bomfim foi convidada por canais de mídia alternativa para comentar o embate com o atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP). “Por que o presidente da Câmara odeia tanto você?, questiona Mara à Sâmia Bomfim; veja a resposta” é o título do vídeo com mais comentários no canal “My News” referente ao pico do dia 23/06, e “Sâmia: ‘Lira diz nos corredores que seremos punidas; ele nem é da Comissão de Ética!‘” é a fala que intitula o vídeo da TV Fórum no dia 25/06, e que gerou o maior número de comentários observados sobre o caso.

 

II. O que é dito: assuntos recorrentes dos comentários deixados nos vídeos no YouTube sobre as representações das deputadas

O gráfico abaixo apresenta os principais tópicos encontrados nos comentários analisados. A modelagem de tópicos utilizada nesta seção é uma técnica que permite identificar e extrair tópicos significativos de um grande conjunto de dados não estruturados, como as postagens em mídias sociais. 

 

Gráfico 2: Principais tópicos encontrados dentre os comentários relacionados às deputadas

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Fonte: YouTube  | Elaboração: Democracy Reporting International 

 

  • Dentre os comentários analisados, dois grandes tópicos foram encontrados: mensagens de apoio e mensagens de ódio às parlamentares. Estes dois grandes tópicos reforçam a polarização encontrada no debate sobre os processos disciplinares instaurados contra as deputadas.  
  • Dos 2.262 comentários analisados, quase 70% (1.578) são mensagens de apoio às deputadas. Dentro desse conjunto encontramos três subtópicos principais: apoio direto à Deputada Federal Sâmia Bomfim (729; 46%); apoio às seis deputadas no geral (459; 29%); e ataques de cunho ideológico-partidário (390; 24%). 
  • O alto número de mensagens de apoio à deputada Sâmia pode ser explicado pela projeção de seu canal no YouTube, mencionada anteriormente. Além disso, sua participação em um vídeo do canal Meteoro Brasil também gerou alto engajamento e contribuiu para sua visibilidade, conforme analisado neste relatório. Os vídeos com participação da parlamentar geraram, assim, o número alto de comentários que a mencionam diretamente e a apoiam. 
  • Em relação às mensagens com ataques de cunho ideológico-partidário, cerca de 30% mencionam o presidente da Câmara dos Deputados, o Deputado Federal Arthur Lira (PP-AL). As mensagens contam com críticas a Lira, fazendo referência muitas vezes à acusação de sua ex-esposa sobre violências sexuais praticadas contra ela pelo Deputado. O restante dos comentários conta com conteúdo contra os partidos da oposição, com a narrativa de que o processo é movido por machismo e misoginia.
  • No que diz respeito às mensagens com discurso de ódio encontradas (683), estas foram divididas em quatro subtópicos: i) ataques à aparência das deputadas (totalizando 57 e representando 8.3% do total); ii) ataques com uso de estereótipos de gênero (229; 33.5%); iii) ataques de cunho ideológico-partidário (244; 35.7%);  e iv) acusações de vitimismo (153; 22.4%). É importante ressaltar que, apesar desta classificação, muitos comentários encontrados poderiam ser classificados em mais de um tópico. Por exemplo, foram encontrados comentários com adjetivos degradantes em relação à aparência, ao mesmo tempo em que  atacavam seus perfis ideológico-partidários. 
  • Os comentários com uso de estereótipos de gênero são os mais frequentes do conjunto analisado. Estes são referentes à ideia retrógrada de que mulheres não deveriam participar da vida política e que, ao se expressarem de forma assertiva, seriam “barraqueiras” e “sem educação”. Foram também encontrados comentários associando as parlamentares à loucura e histeria, também derivados de e associados a estereótipos construídos sócio-historicamente sobre como mulheres supostamente deveriam se portar e agir em interações sociais. Alguns comentários mencionam que as deputadas deveriam estar em casa cuidando de seus maridos ou lavando a louça, por exemplo. 
  • Os ataques de cunho ideológico-partidário, neste grupo de comentários, contam com mensagens que depreciam o perfil mais alinhado com a esquerda das seis deputadas. Os comentários imputam às parlamentares mulheres de esquerda atributos de “incompetência” e “mediocridade” e expressam que, por isso, mereceriam o processo instaurado. Foram localizados comentários que também as desqualificam associando as parlamentares ao uso de drogas, como “maconheira” e “bêbada”. Tal estereótipo é historicamente⁷ concebido como crítica conservadora à esquerda. Os ataques ganham tom de misoginia por reforçarem a desmoralização destas mulheres parlamentares e papéis de gênero conservadores.  
  • O grupo do subtópico “acusações de vitimismo” serviu à classificação de comentários que questionam a resistência das deputadas em relação ao processo instaurado. Muitos destes comentários afirmaram que “se as parlamentares fossem mesmo feministas, não teriam problema em serem julgadas” e que “elas estão se fazendo de vítimas, mas se fossem homens isso não aconteceria”. Essas percepções refletem uma incompreensão fundamental da natureza do feminismo, que busca igualdade de direitos e justiça, e não favorecimento injustificado. O argumento de que a mesma situação não seria criticada se envolvesse homens ignora o contexto histórico e social de desigualdade de gênero na política e na sociedade como um todo.
  • Por fim, apesar de em menor quantidade, há diversas mensagens que discutem apenas a aparência dessas parlamentares. Diversos comentários se utilizam de adjetivos degradantes sobre o corpo e rosto das parlamentares como estratégia de deslegitimação de suas posições políticas. Essas percepções buscam questionar suas presenças naqueles espaços com base em aspectos físicos, reforçando a objetificação das mulheres parlamentares.

 

III. Como as deputadas são referenciadas: análise de sentimento e toxicidade da seção de comentários dos vídeos no YouTube

O gráfico abaixo apresenta a distribuição de comentários contra, a favor ou neutros em relação às deputadas representadas ao longo do período considerado para análise. A classificação foi realizada pelas autoras e autores deste relatório levando em consideração o posicionamento manifestado pelos usuários no YouTube por meio de mensagens de apoio ou de crítica. Dos 2.262 comentários, 1.467 (63,8%) foram classificados como sendo a favor das deputadas, 653 (29,7%) contra e 142 (6,5%) neutros. É importante ressaltar que esta primeira classificação faz referência apenas ao posicionamento em relação ao caso analisado e não ao nível de toxicidade e sentimento encontrado nos comentários. 

 

Gráfico 3: Evolução temporal de comentários classificados como contra ou a favor das deputadas representadas

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Fonte: YouTube  | Elaboração: Democracy Reporting International 

 

  • Proporcionalmente, os comentários estão majoritariamente distribuídos entre aqueles classificados como sendo a favor das parlamentares (que somam 1.467 e representam 63,8% do total) ou contra (totalizando apenas 653, ou seja, 29,7%). A concentração nesses dois extremos e a baixa quantidade de comentários neutros, que não traduzem defesa ou ataque às deputadas, confirmam a polarização do debate e reforçam o resultado identificado anteriormente na descrição dos tópicos mais discutidos. 
  • Os dois picos identificados no gráfico acima coincidem com aqueles do Gráfico 1; neste caso, contudo, é possível entender o alcance que publicações contrárias ou favoráveis às deputadas tiveram quando suas representações pelo Conselho de Ética foram mais repercutidas no YouTube. Em ambas as datas (14 e 25 de junho), a predominância é de comentários que se alinham às parlamentares, parabenizando-as por seu posicionamento contra aquilo que chamam de intimidação (em referência aos processos). 
  • Por um lado, no dia 14/06 — data em que o episódio atinge o maior número de menções — a concentração dos comentários a favor está no canal de Sâmia Bomfim (com 73% do total); por outro, no dia 25/06, em que os vídeos estavam mais especificamente relacionados com a atuação de Arthur Lira em relação ao caso, os canais de Mídia Alternativa concentraram todos os comentários analisados (em sua maioria, demonstrando suporte a Bomfim e criticando Lira). 
  • No total, cerca de um terço dos comentários (436 de 1.467) classificados como “a favor” foram postados no canal da deputada Sâmia Bomfim. Embora o canal represente rede de apoio à parlamentar, reunindo o maior número de mensagens favoráveis a ela e às demais deputadas, é importante destacar que comentários desfavoráveis também foram identificados (e.g. “É o time das barraqueiras 🤦🏻” e “Toma sua nojenta kkkķkk perdeu cambada kkkkkkk”). Sendo assim, ainda que presentes em menor número, esses comentários indicam que aquele não seria um ambiente exclusivamente favorável.
  • Os comentários a favor das deputadas possuem tom semelhante entre si, afirmando que elas devem ter “força”, que são “guerreiras” e que não podem desistir de lutar. Indicam, ainda, a importância de sua participação na Câmara dos Deputados e que elas não serão caladas. Ainda que muitas das publicações refiram-se às parlamentares de forma conjunta, é notável a predominância daquelas dirigidas especificamente a Bomfim, citada nominalmente pelo menos 670 vezes nesse conjunto de comentários.
  • Para além de Bomfim, apenas os nomes de Fernanda Melchionna, Célia Xakriabá e Érika Kokay são individualmente mencionados em comentários de apoio, enquanto Talíria Petrone e Juliana Cardoso aparecem em mensagens coletivas: “PARABÉNS FERNANDA NÓS OS BRASILEIROS (AS)ESTAMOS JUNTOS COM VOCÊS”; “Parabéns, deputada Célia Xacriaba pela sua fala esclarecedora e sábia. Não ao marco temporal. Estamos juntos. Viva os povos indígenas do Brasil, defensores do meio ambiente e do Brasil”; “Parabens deputada Erica Kokay!”; “Eu tenho profundo respeito pela Sâmia, Fernanda, Talíria, Célia, Érika e Juliana. Reitero o meu apoio e se Deus quiser, elas vão sair dessa situação e continuarão firmes na sua luta!!!”.
  • Além de demonstrar seu apoio, os usuários também posicionaram-se contra o que identificam como machismo e misoginia, normalmente associados ao bolsonarismo de forma ampla e ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, de modo mais específico. Nesses casos, a oposição Sâmia versus Lira surgiu com alguma frequência, assim como menções a “bolsonaristas corruptos” e a um “Congresso machista”. 

grafico

Fonte: YouTube | Elaboração: Programa de Diversidade e Inclusão (FGV Direito Rio)

 

  • Os comentários classificados como “contra” as deputadas adotaram tom mais ofensivo e foram utilizados para atacá-las pessoalmente. Em perspectiva geral, enquanto termos associados à desqualificação da esquerda foram identificados (e.g. “esquerdopatas”, “esquerdalha” e “comunistas”), outras formas de identificação mais agressivas também reuniram as candidatas em conjunto — como “imundas”, “inúteis” e “vagabundas”. 
  • Ao mencionarem as deputadas individualmente, as publicações estiveram mais centradas em suas (supostas) características pessoais e em afirmar que elas não estariam aptas a ocupar seus cargos públicos: “Samia vc parece um cabelo encravado”; “Dá um Hambúrguer 🍔 pra essa menina. Da um pinga pra outra esquerdista do PSOL. Parabéns às damas do Lula ladrão 😂😂😂”; “Faliria, Melquiona, Samia deviam estar em outro lugar, e não no congresso Nenhuma tem classe”.  
  • Ao acionar, portanto, estereótipos de gênero (e também de raça e classe) de que mulheres precisariam “ter classe”, “se acalmar” e de que seriam incompatíveis com o ambiente político, os comentários reforçam a ideia de que as deputadas devem ser cassadas e que estariam apenas se vitimizando ao protestar contra os processos instaurados. Assim, suas falas são lidas como “barraco” e o episódio é utilizado para colocar em questão suas próprias atividades parlamentares, conforme explorado com mais detalhes na próxima seção. 

 

Análise de sentimento dos comentários que fazem referência às deputadas 

A análise de sentimento é uma técnica de processamento de linguagem natural que tem como objetivo identificar a polaridade emocional em um texto, classificando-o como positivo, negativo ou neutro. Utilizando um modelo pré-treinado para análise de sentimento, analisamos as postagens que compõem nosso corpus para entender o sentimento atrelado a elas. Como o objetivo é identificar a polaridade emocional, a análise de sentimento, por si só, não indica se as mensagens são contrárias ou favoráveis, mas sim o sentimento atrelado a elas. Uma mensagem de apoio pode veicular sentimentos negativos (quando invoca violências sofridas, por exemplo) e uma mensagem de reprovação pode conter sentimentos positivos (se, por exemplo, veicular mensagens de esperança num futuro melhor). O gráfico abaixo apresenta a porcentagem de comentários classificados como negativos, positivos ou neutros dos 10 canais cujos vídeos compuseram nossa amostra.

 

Gráfico 4: Análise de sentimento dos comentários com referência às deputadas

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Fonte: YouTube  | Elaboração: Democracy Reporting International (DRI)

 

  • Proporcionalmente, a quantidade de comentários classificados como positivos é a maior da amostra (representando 48,3% do total). Em segundo lugar, estão os comentários negativos (38,1%) e, por último, os neutros (13,6%). Assim como no caso daqueles a favor das deputadas, aproximadamente um terço dos comentários positivos está reunido nos vídeos do canal de Sâmia Bomfim, estando o restante distribuído, principalmente, entre canais de Mídia Alternativa.
  • O conteúdo dos comentários classificados como positivos não difere substancialmente daqueles a favor das parlamentares, apresentados na seção anterior, sendo a maioria para manifestar apoio a elas, elogiar seu posicionamento e destacar a importância de sua presença na Câmara. Há, ainda, aqueles que indicam a vontade de mobilização para além do ambiente virtual: “vamos fazer uma manifestacao geral no pais a favor das dputadas (sic) isso nao pod (sic) passar despercebidos (sic) aos nossos olhos vamos unir gente ir as ruas com cartazes em apoio a elas principalmente as mulheres que e a classe que elas representam tao bem!!!” 
  • O mesmo tom aguerrido é identificado em comentários de pessoas que indicam estar ao lado das deputadas: “Vamos pra cima mulheres guerreiras, estamos juntas”; “Orgulho de todas vcs! Estamos juntos com vcs mulheres!”; “TAMOS JUNTOS DEPUTADA VAMOS PRA CIMA ☝️ DESSES FACISTA”; “Samia querida, não desista estamos juntos contra essa escória”.
  • Comentários a favor, mas classificados como negativos, indicam o uso de palavras lidas pelo modelo como negativas, ainda que não estejam necessariamente relacionadas com críticas às deputadas. Este é o caso dos comentários mencionados anteriormente, que, ao defendê-las, também atacam o grupo que identificam como oposição: “Deputada Sâmia, não se intimide com os fascistas. Vá em frente”; “Eles são tão estúpidos com as mulheres que eu não consigo nem assistir a CPI. Tenho as mesmas preocupações que a Sâmia em relação aos processos disciplinares.”
  • O nome de Lira é citado pelo menos 90 vezes (dentre 320 comentários classificados como negativos e a favor das deputadas), sendo o presidente da Câmara chamado de “machista”, “corrupto”, “bolsonarista” e “abusador de mulheres”, este último em referência às acusações de sua ex-mulher quanto aos atos de violência sexual que Lira teria cometido contra ela. Nesse sentido, há associação entre a violência da qual é acusado e seu “ódio” às deputadas.
  • Do outro lado, os canais que lideram em termos de comentários classificados como negativos são os de Antônio Lopes da Silva, Jovem Pan News e Câmara dos Deputados. Os dois primeiros possuem viés partidário alinhado à extrema-direita, enquanto o da Câmara funciona como canal de mídia e transparência. 

Em geral, os comentários feitos a vídeos desses três canais acusam as deputadas de vitimismo, com insinuação de que elas não estariam sabendo lidar com a punição requerida pelo PL, afirmam que elas não possuem competência para ocupar os cargos aos quais foram democraticamente eleitas e manifestam apoio à cassação. Nesse sentido, a acusação comum é a de que as deputadas estariam alegando que a representação ocorreu porque são mulheres, por não saberem lidar com as “consequências” de seus atos — marcador que, em verdade, é utilizado pelas deputadas para destacar seu gênero como um dos catalisadores dos processos.



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 Fonte: YouTube | Elaboração: Programa de Diversidade e Inclusão (FGV Direito Rio)

 

  • Identificamos ainda outro tipo de ataque comum dirigido a mulheres que ocupam posições de poder no campo político:  reiterados comentários depreciativos sobre suas aparências e, mais especificamente, sobre seus corpos. Além disso, verificamos a veiculação de estereótipos negativos relacionados a como, alegadamente, desempenham suas atividades. 

  • Na amostra analisada, os comentários ofensivos relacionados à aparência estiveram relacionados tanto às deputadas como um todo, chamando-as de “mulherada feia”, “ogras” e “trubufus”, como às deputadas Sâmia Bomfim, Fernanda Melchionna e Talíria Petrone, em específico. Bomfim foi atacada principalmente com comentários relacionados ao corpo e a supostos hábitos alimentares, tendo sido apelidada pejorativamente, com referência a esses aspectos, em algumas das publicações. 

  • Comentários direcionados a Melchionna e Petrone apareceram residualmente, com a primeira sendo chamada de “Fernanda Fiona” e a segunda sendo destacada como aquela, dentre o grupo de deputadas, que causaria “nojo”. Destaca-se o fato de que, embora Petrone não tenha sido citada nominalmente em comentários de apoio, é destacada negativamente em postagem que identifica as deputadas como “asquerosas” e “nata da sujeira”, indicando racismo, considerando ser ela a única deputada negra do grupo.

  • Alguns dos adjetivos baseados em estereótipos utilizados para  desqualificar as deputadas foram: barraqueiras, loucas, histéricas, grossas, malucas, transtornadas e doidas desvairadas. A maioria deles, portanto, imputa às deputadas uma falta de “controle emocional” para participar do debate na Câmara (em comparação, ainda que implícita, com seus pares homens). 

  • Nesse mesmo sentido, também foram associadas com o uso de drogas — mais especificamente, de maconha — para questionar sua capacidade cognitiva, e demonizadas, em comentários que, além de atacá-las, também veiculam racismo religioso (e.g. “Estas deputadas aí, são grossas, histéricas, gritam, esbravejam, parece que estão incorporando o espírito da pomba gira, tudo em prol do chefão delas, o belzebu presidente” e “Essas esquerdalhas endemoniadas tem que sair daí e que vão morar na Korea do norte. Bem longe daqui. Sai satanás”). 

  • Por fim, chama atenção que a deputada Célia Xakriabá foi individualmente atacada com comentários racistas que colocaram em questão sua identidade étnico-racial — afirmando, por exemplo, que ela seria uma “falsa índia” (sic) ou que estaria “fantasiada de índia” (sic). Para além disso, em um dos comentários, que se refere a todas as deputadas representadas como “lixos”, Xakriabá é identificada como “índia trans”, quando o usuário afirma que seria “mais índio do que ela” (sugerindo suposta inautenticidade de conotação também transfóbica).

  • Além disso, estereótipos estigmatizantes sobre povos indígenas também foram veiculados, quando Xakriabá foi chamada “India de iphone” (sic), ou quando disseram que ela “fuma maconha estragada”. Nestes casos, portanto, nota-se que a intersecção da violência baseada em gênero e raça é utilizada, principalmente, para sugerir que a deputada não cumpriria aquilo que se espera do estereótipo de uma mulher indígena.

 

Análise de toxicidade dos comentários que fazem referência às deputadas

O gráfico abaixo apresenta o total de comentários com conteúdo tóxico encontrados por categoria de canais. Para esta análise, o modelo Detoxify⁸ foi utilizado. Este é um modelo pré-treinado, especialmente projetado para detectar atributos tóxicos em dados de texto. Os níveis de toxicidade variam de 0 a 1, sendo 0 indicativo de comentários não tóxicos e 1 indicativo de comentários altamente tóxicos. Para entender quais canais contam com o maior número de comentários tóxicos, os autores e autoras deste relatório entenderam – ao analisar a amostra qualitativamente – que comentários que receberam um nível maior que 0.6 pelo modelo são considerados tóxicos. 

 

Gráfico 5: Número de comentários tóxicos por grupo de canais analisados

Made with Flourish

 Fonte: YouTube | Elaboração: Democracy Reporting International (DRI)

 

  • Dos cinco grupos de canais analisados, três concentram a maior parte  das mensagens consideradas como tóxicas (407 de 488), sendo eles: Mídia Alternativa, com 156 mensagens; Mídia Tradicional, com 133; e Criador de Conteúdo, com 118. Ainda que em menor quantidade, foram encontrados comentários tóxicos também nas categorias Parlamentar (72) e Governo (9). Não é possível falar, portanto, em espaço isento de toxicidade com base nos dados analisados.
  • Ao observarmos a distribuição de comentários por nível de toxicidade, 210 comentários foram classificados com valor igual ou maior que 0.9, 135 comentários entre 0.8 e 0.89, 68 comentários entre 0.7 e 0.79, e 75 comentários entre 0.6 e 0.69. Desse modo, existe na amostra uma prevalência significativa de mensagens altamente tóxicas (345 comentários com valor igual ou acima de 0.8), de conteúdo explicitamente violento, especialmente aquele direcionado às deputadas representadas, conforme explicado acima.
  • Na mesma linha do que foi sinalizado anteriormente, o teor dos comentários envolve xingamentos, acusações de vitimização, críticas ao exercício do cargo parlamentar e comentários ofensivos à imagem e à honra das deputadas. Também foram identificadas, em menor número, críticas e ofensas aos apoiadores do processo instaurado no Conselho de Ética. Em razão da sensibilidade e violência de determinadas palavras empregadas nos comentários, os autores e autoras deste relatório optaram por não reproduzir o conteúdo explicitamente.
  • A linguagem tóxica empregada nos comentários e identificada pelo modelo é caracterizada sobretudo pelo uso de adjetivos negativos sobre o espectro político-ideológico, a capacidade das parlamentares exercerem suas atividades, ofensas e agressões diretas às suas características físicas e à forma como  se expressarem durante as sessões parlamentares. 
  • Entre os comentários altamente tóxicos, um conjunto menor de mensagens direcionadas aos parlamentares que apoiam o processo no Conselho, principalmente ao Presidente da Câmara, configuram o episódio da representação como um exemplo da existência de “ódio” às mulheres e da intolerância à presença feminina no governo.

 

Relação entre toxicidade e posicionamento expresso pelos comentários



O gráfico abaixo apresenta a porcentagem de comentários classificados como contra, a favor ou neutros em relação às deputadas representadas no processo dentro do conjunto de comentários tóxicos (488) por categoria de canais.

 

Gráfico 6: Porcentagem de comentários contra, a favor e neutros dentro da amostra de comentários tóxicos

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Fonte: YouTube | Elaboração: Democracy Reporting International (DRI)

 

  • Nos canais associados às categorias Governo (88,89%), Mídia Tradicional (81,2%) e Criador de Conteúdo (67,8%), a maioria dos comentários tóxicos estão alinhados a um posicionamento contrário às deputadas. Naqueles de Mídia Alternativa, por sua vez, vale notar que a distribuição de posicionamentos contra (47,74%) e a favor (47,1%) das parlamentares já é um pouco mais equilibrada, mas, ainda assim, prevalecem os comentários desfavoráveis às parlamentares. 
  • Ao observarmos, portanto, o posicionamento contrário, favorável ou neutro veiculado nos comentários considerados tóxicos, identificamos que a linguagem tóxica está majoritariamente associada às mensagens contra as parlamentares em quatro dos cinco grupos de canais analisados. Isso reforça a correspondência encontrada anteriormente neste relatório entre o sentimento positivo e o apoio às parlamentares, de um lado, e o sentimento negativo e posicionamento contrário a elas, por outro.
  • No canal “Sâmia Bomfim” (Parlamentar), a maioria dos comentários considerados tóxicos pelo modelo são favoráveis às deputadas. Isso se deve possivelmente a uma combinação de fatores contextuais associados ao fato de que, além de nesse canal residir a maior parte de mensagens de apoio às parlamentares, há uma combinação simultânea de palavras de apoio a elas e críticas ao processo instaurado e aos parlamentares que apoiam a representação na mesma mensagem.
  • Nos canais dos grupos Governo, Criador de Conteúdo e Mídia Tradicional, a toxicidade identificada nos comentários analisados é explicitamente mais direcionada às deputadas que sofreram as representações no Conselho do que aos demais parlamentares. Do conjunto de 345 mensagens altamente tóxicas (igual ou maior que 0.8), por exemplo, 211 direcionam algum tipo de violência diretamente contra as parlamentares. 

 

Notas de rodapé

1.  Como determinados comentários utilizam palavras críticas e/ou com alto teor discriminatório, especialmente mensagens sobre violência física e de cunho sexual, as autoras e autores deste relatório optaram por não reproduzir todo o conteúdo encontrado. Quando possível, foram utilizados alguns exemplos pontuais para contextualizar a análise.

2.  Uma regra de filtro linguística é um conjunto de critérios ou parâmetros definidos para selecionar e filtrar determinados tipos de dados ou conteúdo com base em características linguísticas específicas. Para este relatório, agradecemos à equipe da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV pela elaboração do conjunto de palavras que orientaram a busca dos vídeos.

3.  Este léxico foi desenvolvido para os relatórios deste projeto, compreendendo conjunto de termos e expressões usados para atacar, ofender e discriminar pessoas com base em seu gênero e raça.

4.  Nestes canais, há um grande aproveitamento de recortes de vídeos produzidos pelos canais oficiais do governo, assim como da mídia tradicional. Neste sentido, o material de tais canais se trata, em boa parte, de um trabalho de curadoria por parte das assessorias de imprensa e/ou de comunicação dos parlamentares. No caso das parlamentares aqui em questão, elas também agem como produtoras de conteúdo para seus apoiadores em seus canais. As representantes do Psol Sâmia Bomfim, Talíria Petrone, Fernanda Melchionna e a representante do PT, Juliana Cardoso, possuem playlists dedicadas à comunicação com os internautas como uma forma de accountability e marketing político. Por exemplo, são identificados materiais em que apresentam sua atuação parlamentar e temas afins, tais como lives, podcasts e/ou vídeos.

5.  A média de interação foi calculada a partir da soma do número de comentários, curtidas e visualizações dos vídeos do canal dividida pelo número de vídeos postados pelo mesmo canal.

6.  Em termos de produção de conteúdo, é perceptível que o canal se assemelha mais aos criadores independentes ou à mídia alternativa de direita. No entanto, apesar do viés partidário pronunciado, o canal recebe financiamento de grandes grupos de mídia que possuem uma forte presença em veículos de televisão, jornal, revista e rádio. Devido a esse fato, mesmo com um perfil  de alinhamento partidário evidente já identificado em outros relatórios do projeto Mídia e Democracia, classificamos a Jovem Pan como "Mídia tradicional".

7.  A acusação de que a esquerda é responsável por disseminar o uso de drogas, como parte de uma estratégia comunista para direcionar jovens à subversão, contra os valores da família e da ordem nacional, tem sido um tema recorrente na historiografia, evidenciado por autores como Gilberto Velho, Rodrigo Motta e Britto. Para além deste debate, a identificação de um indivíduo ao uso de drogas serve à tentativa de redução de sua racionalidade, operando da mesma forma que estereótipos sobre desvio e loucura. Cf., nesse sentido,  MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil, 1917-1964. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002; VELHO, Gilberto. Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. Zahar, 1987; BRITO, Antonio Mauricio Freitas. A droga da subversão: anticomunismo e juventude no tempo da ditadura. Revista Brasileira de História, v. 41, p. 39-65, 2021. GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade. Tradução: Mathias Lambert, v. 4, 1988. BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 2008.

8.  O modelo Detoxify é uma ferramenta de análise de texto desenvolvida pela Unitary AI. Projetado para detectar atributos tóxicos em dados textuais, o Detoxify é um modelo pré-treinado de alta precisão que atribui pontos de toxicidade a diferentes partes do texto. Esses pontos variam de 0 a 1, indicando o grau de toxicidade de cada trecho analisado. Com base em um amplo conjunto de dados, o Detoxify é capaz de discernir entre conteúdo tóxico e não tóxico, ajudando moderadores de conteúdo, administradores de plataformas e pesquisadores a identificar e lidar com comentários, mensagens e publicações prejudiciais ou ofensivas em ambientes online. Seu código-fonte está disponível no repositório GitHub da Unitary AI (https://github.com/unitaryai/detoxify).

 

Elaborado por:

Ligia Fabris (Professora da FGV Direito Rio e Coordenadora do Projeto “Mídia e Democracia” na Escola de Direito)

Victor Giusti (Pesquisador da FGV Direito Rio/ Projeto “Mídia e Democracia”)

Beatriz Saab (Pesquisadora de Democracia Digital na Democracy Reporting International)

Yasmin Curzi (Professora da FGV Direito Rio, Coordenadora do Programa de Diversidade & Inclusão e do Projeto “Mídia e Democracia” na Escola de Direito)

Giullia Thomaz (Pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio/ Projeto “Mídia e Democracia”)

Lorena Abbas (Pesquisadora do Programa de Diversidade & Inclusão da FGV Direito Rio/ Projeto “Mídia e Democracia”)