Decodificando campanhas de políticos nas redes sociais no Rio de Janeiro e Recife
Por: DRI
Por: DRI
Esta análise foi realizada pela Democracy Reporting International, em colaboração com a Agência Lupa.
- Os dados revelaram estratégias distintas de comunicação digital entre os candidatos em ambas as cidades. Embora o Instagram tenha sido a principal plataforma para todos, os candidatos conservadores no Rio de Janeiro demonstraram maior atenção ao TikTok e, em Recife, a presença ativa de João Campos no TikTok resultou em níveis de engajamento notavelmente altos.
- As métricas de engajamento demonstram a liderança nas reações públicas dos dois prefeitos em exercício sobre seus oponentes.
- Nas duas cidades, conservadores e progressistas promoveram agendas contrastantes ao longo da campanha. Os conservadores se concentraram em temas de "liberdade, patriotismo, religião e família", muitas vezes acompanhados de críticas dirigidas a oponentes, instituições e mídia tradicionais. Em contraste, os progressistas demonstraram uma gama ideológica mais ampla, discutindo tópicos como "anticapitalismo" e "antifascismo", bem como "representação de gênero, classe e raça".
- Ambos os candidatos enfrentaram campanhas de desinformação. Paes foi submetido a ataques mais pessoais, muitas vezes com foco em suas alianças políticas e comportamento. Campos, por sua vez, enfrentou ataques indiretos direcionados principalmente a sua parceira, Tabata Amaral, que estava concorrendo à prefeitura de São Paulo.
Nas eleições municipais de 2024 no Brasil, os partidos de centro e de direita garantiram vitórias na maioria das cidades. Uma tendência notável foi a de titulares nos cargos ganhando a reeleição. Entre os exemplos notáveis estão Eduardo Paes (Partido Social Democrata), no Rio de Janeiro, e João Campos (Partido Socialista Brasileiro), em Recife, ambos reeleitos no primeiro turno com margens de vitória significativas. Este estudo se concentra nesses dois prefeitos, selecionados por sua alta popularidade digital, conforme observado pela BBC Brasil um ano antes das eleições. O estudo examina suas estratégias digitais e respostas do público no Instagram e no TikTok em comparação com seus concorrentes em ambas as cidades.
Metodologia
Este relatório analisa postagens publicadas ao longo de toda a campanha política (de 16 de agosto a 6 de outubro) pelos principais candidatos em duas cidades: sendo oito candidatos no Rio de Janeiro, capital do estado de mesmo nome, e seis em Recife, capital do estado de Pernambuco.
Reunimos postagens do Instagram e TikTok, totalizando:
- 1.783 postagens no Rio de Janeiro (1.201 do Instagram e 582 do TikTok);
- 1.125 postagens em Recife (932 do Instagram e 187 do TikTok).
Com esses dados, realizamos análises para investigar a diferença de estratégias em relação aos candidatos conservadores. Primeiro, examinamos o volume de postagens em ambas as plataformas e, em seguida, fizemos uma análise mais detalhada das narrativas políticas usadas pelos candidatos, usando a modelagem de tópicos de BERT. Este último processo exigiu revisões qualitativas adicionais para obter uma melhor compreensão dos tópicos identificados automaticamente. Em seguida, avaliamos as respostas do público às mensagens dos candidatos, tanto geral quanto por tópico, analisando as métricas de engajamento (curtidas, comentários e compartilhamentos).
Na parte final da análise, examinamos as narrativas de desinformação em torno dos dois candidatos vencedores: Paes, no Rio de Janeiro, e Campos, no Recife. A Agência Lupa apoiou o mapeamento de narrativas-chave sobre esses candidatos. Usando essa lista, conseguimos coletar dados de fontes como sites e mídias sociais (especialmente X) por meio do BrandWatch, uma plataforma de inteligência de escuta social que permite a coleta de dados por meio de consultas direcionadas. Dessa forma, pudemos obter insights significativos sobre as tendências de desinformação, visando os dois candidatos, durante a campanha.
Apresentação dos Candidatos no Rio de Janeiro e Recife
Rio de Janeiro
- Reeleito com forte maioria no Rio de Janeiro (60,4%), Eduardo Paes (PSD) entra em seu quarto mandato como prefeito, tendo vencido anteriormente em 2008, 2012 e 2020. Este quarto mandato coloca Paes em uma posição inédita no Rio de Janeiro desde a redemocratização do país em 1985. Seu atual governo tem altos índices de aprovação e, dado que o Rio de Janeiro é tradicionalmente um reduto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), vale ressaltar que a postura progressista e as alianças de Paes com partidos de esquerda, e particularmente sua associação com o presidente Lula durante a campanha, não afetaram negativamente seu desempenho eleitoral.
- Eduardo Paes recebeu o dobro de votos do segundo colocado, Alexandre Ramagem (PL), candidato do partido de Bolsonaro (PL). Para muitos analistas, esta eleição sinalizou uma diminuição na dinâmica polarizada que caracterizou as recentes eleições no Brasil. Por exemplo, a campanha de Paes se concentrou nas conquistas de seu governo, evitando cuidadosamente um posicionamento que o alinhasse com um lado específico do espectro político. Sua trajetória política no Rio de Janeiro é particularmente reconhecida em áreas como saúde, esporte, cultura e lazer e infraestrutura.
Tabela 1: Perfis dos candidatos a prefeito monitorados no Rio de Janeiro
Recife
- O prefeito do Recife (PE), João Campos (PSB), foi reeleito no primeiro turno com 78,12% dos votos. Alcançando uma das maiores contagens de votos entre as capitais brasileiras, ele se tornou o candidato mais votado na história do Recife desde a redemocratização do Brasil.
- Embora posicionado na centro-esquerda do espectro político, o esmagador sucesso eleitoral de Campos é uma das poucas exceções em meio à tendência geral nas capitais, onde políticos centristas e de centro-direita ganharam terreno. Durante seu mandato, Campos fez investimentos significativos em saúde, infraestrutura e educação. Ao longo de sua campanha, sua presença e engajamento ativo nas redes sociais foram focos de críticas dos opositores, que consideraram seu desempenho superficial, "típico dos filtros das redes sociais". Só no Instagram João Campos tem 2,7 milhões de seguidores, superando toda a população do Recife que é de aproximadamente 1,5 milhão.
- João Campos pertence a uma das famílias políticas mais proeminentes de Pernambuco: ele é filho do ex-governador do estado Eduardo Campos, candidato presidencial de 2014 que morreu em um acidente de avião durante a eleição, e é bisneto de Miguel Arraes, outro ex-governador e uma figura ilustre na história política local.
Tabela 2: Perfis dos candidatos a prefeito monitorados no Recife
- A classificação da filiação política dos candidatos foi baseada em suas filiações partidárias (da extrema-esquerda à extrema-direita), bem como em suas posições sobre políticas públicas e questões políticas (distinguindo "progressista" e "conservador"), como será demonstrado nas seções subsequentes.
Desvendando as estratégias políticas nas redes sociais
- De acordo com a pesquisa da Quaest publicada em outubro de 2023 na CNN Brasil, Paes (80,4/100) e Campos (63,7/100) foram os dois prefeitos com os maiores índices de popularidade nas plataformas digitais no Brasil. Essas pontuações levaram em consideração 27 variáveis de diferentes plataformas, incluindo Facebook, Instagram, X (antigo Twitter), Google, Wikipedia, YouTube e TikTok.
- Como demonstrado pela DRI em um relatório anterior, os políticos no Brasil costumam contar com as mídias sociais e canais digitais para consolidar apoio, obter consenso e mobilizar eleitores, especialmente durante as campanhas.
- Um estudo da FGV Comunicação Rio, mostrou que o Instagram e o TikTok dominaram as interações eleitorais nas capitais, durante essas eleições.
- Nas secções seguintes analisaremos as estratégias de comunicação dos principais candidatos nestas duas plataformas, destacando a diferença de abordagens em ambas as cidades.
I. Análise de volume
- Na primeira parte, examinamos o volume geral de postagens em ambas as plataformas. A quantidade e a frequência das postagens são elementos estratégicos a serem considerados durante o planejamento e a implementação de uma estratégia eficaz de mídia social, especialmente em contextos políticos.
- No Rio de Janeiro e em Recife, os níveis de publicação foram comparáveis entre os candidatos e consistentes ao longo do tempo, o que nos permitiu aprofundar as escolhas estratégicas dos candidatos ao se comunicarem nas plataformas online.
- O Gráfico 1 mostra que, no Rio de Janeiro, Tarcísio Motta (PSOL) - totalizando 395 posts - e Alexandre Ramagem (PL) - com 358 posts - que ficaram em terceiro e segundo lugares na disputa, respectivamente, foram os mais ativos em termos de número total de posts.
- Enquanto todos os candidatos preferiram o Instagram, os candidatos conservadores foram visivelmente mais ativos no TikTok, representando 64 por cento do total de postagens nessa plataforma (Gráfico 2).
Gráfico 1: Volume total de postagens no Instagram e TikTok no Rio de Janeiro por candidato
Fonte: Instagram e TikTok Elaboração: Democracy Reporting International
Gráfico 2: Porcentagem de postagens no Instagram e TikTok por progressistas e conservadores
Fonte: Instagram and TikTok Elaboration: Democracy Reporting International
- Em Recife, o prefeito reeleito João Campos ocupa o primeiro lugar no número de publicações em geral e se destaca como o candidato mais ativo no TikTok, estando entre os poucos que realmente adotaram a plataforma e a utilizaram ativamente (Gráfico 3).
Gráfico 3: Volume total de postagens no Instagram e TikTok em Recife
Fonte: Instagram e TikTok Elaboração: Democracy Reporting International
II. Análise de engajamento
- Nesta pesquisa, consideramos o engajamento médio, que é a soma do total de interações (curtidas, comentários e compartilhamentos) dos usuários, dividido pelo número total de publicações do candidato.
- A verdadeira disputa entre os candidatos se desenrolou em termos de engajamento, destacando a clara diferença na reação do público aos titulares nos cargos e seus oponentes.
- No Rio de Janeiro, Eduardo Paes não apenas se destacou como o candidato com a maior média de engajamento, mas também liderou em engajamento no TikTok, apesar de ter sido menos ativo na plataforma em comparação com o Instagram (Gráfico 3).
Gráfico 4: Média de engajamento por candidato no Rio de Janeiro
Fonte: Instagram e TikTok Elaboração: Democracy Reporting International
- Em Recife embora os principais candidatos tenham apresentado um volume equilibrado de postagens no Instagram, há uma clara disparidade na média de engajamento, com o candidato João Campos dominando a plataforma quase que inteiramente. Campos foi o único candidato que usou o TikTok efetivamente, como também pode ser visto nos seus níveis de engajamento significativamente mais altos na plataforma (Gráfico 5).
Gráfico 5: Média de engajamento por candidato em Recife
Fonte: Instagram e TikTok Elaboração: Democracy Reporting International
III. Modelagem de tópicos - Progressistas vs. Conservadores
- Para explorar a discussão principal em torno de conteúdo e agendas, realizamos uma análise de modelagem de tópicos de BERT considerando dados de ambas as plataformas.
- Para esta análise específica agregamos pelas ideologias dos candidatos em vez de comparar tópicos entre candidatos individualmente. Por esse motivo as comparações de tópicos estão disponíveis entre os grupos de candidatos "progressistas" e "conservadores". Dentro de cada um dos grupos, os candidatos desenvolveram discussões em torno de dois tópicos principais:
- Valores ideológicos ("direita" ou "esquerda") ou;
- Debates sobre políticas públicas, que é uma categoria comum, incluindo propostas de agendas sobre diversos temas (saúde, educação, políticas urbanas etc.).
No Rio de Janeiro (Gráfico 6), os debates conservadores sobre políticas públicas mostraram mais diversidade, indo de "segurança pública" e "políticas ambientais" à "economia" e "políticas urbanas". Os candidatos progressistas se concentraram mais em "educação", "políticas sociais" e "políticas urbanas".
- Em relação aos "Valores ideológicos", os candidatos conservadores se destacaram por falar principalmente sobre "liberdade, patriotismo, religião e família" seguido de ataques a "oponentes políticos", a "instituições políticas" e à "mídia tradicional".
Os candidatos progressistas discutiram principalmente tópicos ligados ao "anticapitalismo e antifascismo", à "representação e igualdade" (especialmente em relação a gênero, classe e raça) e à "equidade e justiça social".
Gráfico 6: Temas discutidos por candidatos conservadores e progressistas no Rio de Janeiro
Fonte: Instagram e TikTok Elaboração: Democracy Reporting International
- Em Recife, os candidatos progressistas discutiram "políticas urbanas", "políticas sociais", "educação" e "saúde", enquanto os conservadores discutiram "economia", "políticas urbanas" e "segurança pública".
- Quando se trata de valores ideológicos, os conservadores enfatizam "liberdade, patriotismo, religião e família", enquanto os progressistas se concentram em "igualdade e representação".
Gráfico 7: Temas discutidos por candidatos conservadores e progressistas no Recife
Fonte: Instagram e TikTok Elaboração: Democracy Reporting International
Avaliação do impacto das narrativas de desinformação contra os candidatos
- Embora o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tenha trabalhado para combater a desinformação durante as eleições municipais, o problema permaneceu, com um pico perceptível no X, principalmente após a reintegração da plataforma após a proibição.
- A Agência Lupa, de verificação de fatos e literacia midiática, acompanhou de perto a campanha para desmintir as narrativas de desinformação e estabelecer processos para facilitar a sinalização de notícias falsas pelos usuários.
- Com o apoio da Agência Lupa pudemos monitorar as narrativas de desinformação em torno dos dois candidatos vencedores no Rio de Janeiro e emRecife, a partir de discussões pré-desmentidas que circulam online desde agosto de 2024.
- No Rio de Janeiro, as narrativas em torno de Eduardo Paes visavam principalmente sua imagem política, criticando seu comportamento (por exemplo, alegações de que ele estava bêbado em público), acusações fabricadas (por exemplo, rotulando-o como um "mafioso") e questionando suas alianças (por exemplo, sugerindo apoio da organização criminosa Comando Vermelho).
Veja aqui a Tabela 2: Narrativas de desinformação em torno de Eduardo Paes
- A análise das tendências dessas narrativas ao longo do tempo mostra que a narrativa 3 foi mais prevalente nas duas primeiras semanas da campanha. Em contraste, a narrativa 1, apesar de ter sido desmentida anteriormente, atingiu o pico de reações no X (Tabela 2) em 6 de outubro, o dia exato da eleição. Isso sugere um possível esforço coordenado para prejudicá-lo (Gráfico 8).
Gráfico 8: Tendências de narrativas de desinformação em torno de Eduardo Paes durante a campanha
Fonte: BrandWatch Elaboração: Democracy Reporting International
Tabela 4: Enfoque da narrativa 1, compartilhada no X em 6 de outubro
- Em Recife, as narrativas de desinformação em torno de Campos visavam principalmente sua parceirar , Tabata Amaral, uma política que também conconrreu à prefeitura de São Paulo. A DRI já relatou a extensão e a variedade dos ataques contra ela em um relatório anterior.
- As narrativas de desinformação, reveladas pela Agência Lupa, incluem a circulação de imagens alteradas digitalmente, ou fotomontagens, que retratam falsamente a candidata Amaral nua.
- As falsas narrativas em torno de Campos parecem alavancar campanhas de desinformação que inicialmente visavam Amaral, com intenção misógina e difamatória. Ao queparece, essas narrativas não apenas falham em infligir danos diretos à reputação e imagem de Campos, mas também indicam falta de evidências substanciais para prejudicar sua posição.
Veja aqui Tabela 2: Narrativas de desinformação em torno de João Campos
- Além das narrativas desmentidas da Lupa, também decidimos incluir ataques pessoais sobre o suposto uso de jatos particulares e fundos públicos para visitar seu namorado em Recife. Essas acusações foram levantadas por sua oponente, Marina Helena, durante um debate televisionado em 17 de setembro, o que explica o aumento de menções mostrado no Gráfico 8. Embora não verificadas, é importante notar que Helena levantou essas acusações sem fornecer nenhuma evidência de apoio, aparentemente com o objetivo de prejudicar a reputação de Amaral e Campos em um momento crítico da eleição.
Gráfico 9: Tendências das narrativas de desinformação em torno de João Campos durante a campanha
Fonte: BrandWatch Elaboração: Democracy Reporting International