Debate sobre vacinas mobiliza desinformação e Lula sendo chamado de “genocida”

Por: FGV ECMI

 

Por: FGV ECMI

 

  • Diferentes eixos de desinformação sobre vacinas foram identificados no X, no Facebook, no Instagram e no Telegram, com associações entre imunizantes e doenças graves e morte de crianças;
  • Apoiadores e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro mobilizam argumentos para reverter narrativa de irresponsabilidade em relação à vacinação de Covid-19 e atribuem a Lula a classificação de “genocida”;
  • No Telegram, são abundantes ofertas de falsificação de cadernetas de vacinação no ConecteSUS por parte de grupos antivacina.

 

O debate sobre vacinas ainda está sujeito a diversos eixos de desinformação e discursos negacionistas nas redes, especialmente em relação a supostos efeitos negativos em bebês e crianças. Além disso, a polarização política permanece como um traço central da discussão, com uma notória tentativa de transferência do estigma de “genocida” em relação à política vacinal do ex-presidente Jair Bolsonaro para o presidente Lula. É o que mostra estudo da FGV Comunicação Rio, que analisou o debate digital sobre vacinas no X, no Facebook, no Instagram e no Telegram, entre 1º de junho e 10 de setembro de 2023.

Em termos de eixos de desinformação, grupos e perfis extremistas têm largo predomínio nas redes, em especial nos aplicativos móveis. Já no âmbito mais polarizado do debate, aliados e apoiadores de Bolsonaro têm maior ressonância e se articulam para inocentar o ex-presidente pela condução das vacinas na pandemia de Covid-19 e atribuem a Lula a classificação de genocida em decorrência de suposta negação de importação de vacinas contra a dengue.

 

Debate sobre vacinação



Evolução do debate sobre vacinação no X

Período: de 1º de junho a 10 de setembro

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Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI

 

  • No geral, o debate sobre vacinação registrou um alto volume de desinformação, especialmente sobre vacinas contra a Covid-19, e críticas ao atual governo a respeito da vacina contra a dengue. O maior pico registrado esteve associado à notícia sobre o governo ter, supostamente, optado por não importar vacinas contra a dengue do Japão e decidido aguardar a versão nacional do imunizante. Com a hashtag “#lulagenocida”, o episódio, negado pelo Ministério da Saúde, impulsionou uma narrativa que se contrapõe à ideia de que o ex-presidente Jair Bolsonaro teria sido irresponsável com a compra de vacinas de Covid-19;
  • A oposição ao governo Lula obteve marcado protagonismo na discussão a partir de dois vieses notadamente contraditórios: o negacionismo científico que questiona a efetividade e a segurança das vacinas e, por outro lado, ataques dirigidos ao presidente Lula sob o argumento de que o mandatário estaria boicotando a vacina contra a dengue;
  • Um outro pico expressivo no debate sobre vacinação, no dia 17 de agosto, esteve associado a uma campanha do Governo Federal com o objetivo de estimular a multivacinação de crianças e adolescentes contra doenças que voltaram a assolar esta população. Neste caso em especial, parte significativa das publicações tendeu a apoiar a iniciativa, com críticas a grupos antivacinas;
  • O caso do comandante Mauro Cid, associado à circulação de desinformação sobre a Covid-19 e a fraudes no sistema vacinal, teve destaque lateral no debate e foi mencionado, sobretudo, por críticos ao ex-presidente Bolsonaro. Assim como no caso da campanha governamental citada acima, este episódio foi um dos poucos tópicos protagonizados por perfis progressistas;
  • Ainda foram registrados ataques à ministra da Saúde, Nísia Trindade, em decorrência de declaração em que ela defende a punição a médicos que vierem a divulgar desinformação sobre vacinas. Em parte das mensagens veiculadas na rede, Trindade foi ironizada e tida como “autoritária” e “fascista”;
  • Além disso, a informação de que a OMS teria solicitado a retirada de vacinas de Covid-19 de circulação teve destaque. A fonte principal é o site Médicos Pela Vida Covid-19, do autodeclarado movimento Manifesto pela Vida, que relativiza a ciência e defende que a medicina deve ser exercida de maneira autônoma, sem “interferências externas”, e que, para além de evidências, “a perspicácia clínica e a experiência de vida jamais devem perder a soberania”.

 

Principais termos sobre vacinação no X 

Período: de 1º de junho a 10 de setembro

nuvem de palavras

Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI

  • No debate sobre vacinação, mensagens que afirmam que as vacinas de Covid-19 teriam sido mal-sucedidas têm destaque importante. Apesar de haver um grande número de publicações em defesa da imunização, existe a tentativa de validar um posicionamento negacionista a partir de dados “alternativos” que são apresentados em linguagem pseudocientífica;
  • Ainda foram divulgadas com alarde notícias sobre projeto de lei que obrigaria pais a vacinarem seus filhos e supostos danos cardíacos causados por injeções de mRNA Covid - que, conforme apontam outras postagens, teria sido classificado como “arma biológica ilegal”. Por outro lado, a repercussão de uma denúncia sobre o governo Bolsonaro ter escondido relatórios da Abin e GSI com projeções de casos e mortes de Covid-19 teve alcance relevante ao estabelecer um contraponto à narrativa negacionista predominante;
  • O episódio da vacina contra a dengue e as alegações de que Lula seria “genocida” por supostamente dificultar o acesso ao imunizante também teve destaque na nuvem de palavras, com proeminência de críticos do presidente.

 

Debate parlamentar sobre vacinação no Facebook e no Instagram

Período: de 1º de junho a 10 de setembro

post facebookpost instagrampost instagram

Fonte: Facebook | Elaboração: FGV ECMI

 

  • No debate parlamentar do Facebook e do Instagram, é notório um esforço coletivo para contrapor a narrativa de que o ex-presidente Jair Bolsonaro teria sido omisso em relação à compra de vacinas de Covid-19. O arquivamento de uma ação contra o governo anterior, por parte do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal, foi o principal argumento utilizado para validar a ideia de que Bolsonaro não teria cometido crimes de prevaricação. Alia-se a esta linha argumentativa a ideia de que Lula deveria ser penalizado por supostamente ter sido omisso em relação à compra de vacinas de dengue;
  • Um outro argumento de destaque na discussão, sustentado por este mesmo grupo político, criticou a ministra da Saúde, Nísia Trindade, por ter se colocado a favor da punição a médicos que compartilhassem desinformação sobre vacinas. Nesse sentido, a estratégia utilizada para legitimar a afirmação de que vacinas seriam prejudiciais se ancora em manchetes de veículos de notícias, ao exemplo de suposta indenização do governo britânico a “vítimas de vacinas” e restrição da vacina contra Covid-19 Janssen nos Estados Unidos.
  • No campo progressista, com alcance limitado na discussão em ambas as redes, mensagens de apoio à ministra da Saúde e endosso à campanha de multivacinação para crianças e adolescentes obtiveram maior relevância.

 

Principais links sobre vacinação no Facebook

Período: de 1º de junho a 10 de setembro

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Fonte: Facebook | Elaboração: FGV ECMI

 

  • Os links de maior circulação no Facebook denotam a disputa de narrativas entre discursos negacionistas e científicos. Nesta análise em específico, discursos científicos e progressistas obtêm destaque mais relevante do que observado no X. Notícias sobre punições, efetivas ou possíveis, a respeito de desinformação sobre vacinas se destacam tanto em veículos progressistas e hiperpartidários de esquerda quanto da chamada mídia tradicional;
  • Uma notícia sobre a organização de um abaixo-assinado para o SUS oferecer vacina contra meningite B após a morte de um bebê não vacinado também teve destaque, assim como artigo que associa Bolsonaro a uma agenda negacionista que teria contribuído para a volta de doenças antes consideradas erradicadas;
  • No campo favorável ou não crítico ao negacionismo científico, notícias que associam vacinas de Covid-19 ao risco de morte tiveram alcance importante, assim como a divulgação de um estudo que apresentaria supostas evidências a respeito do “fracasso de proporções gigantescas” que teria sido a instauração de lockdown para mitigar os efeitos da pandemia.

 

Principais posts sobre vacinação no Facebook e no Instagram

Período: de 1º de junho a 10 de setembro

post facebookpost instagrampost instagram

Fonte: Facebook e Instagram | Elaboração: FGV ECMI

 

  • Nos posts de Facebook e Instagram, veículos de imprensa de diferentes espectros políticos e perfis institucionais de partidos detiveram as publicações de maior alcance. Seguiu central a disputa de narrativas sobre a responsabilidade do ex-presidente e do atual presidente em relação às vacinas - de Covid-19, no caso de Bolsonaro, e da dengue, no de Lula;
  • O arquivamento de processo contra Bolsonaro é mobilizado para inocentar o político de acusações de prevaricação. Por outro lado, denúncias sobre omissão de alertas de casos e mortes de Covid-19 tentam restabelecer a ideia de que o ex-presidente teria agido de forma criminosa na pandemia;
  • Em menor grau, em tom comparativo com o governo anterior, destacam-se elogios à abordagem sobre a vacinação no governo atual, sendo citado como exemplo a presença do personagem Zé Gotinha no desfile do 7 de Setembro.

 

Eixos desinformativos sobre vacinação



Os eixos desinformativos relativos às vacinas seguem em evidência nas redes sociais. Isso ocorre tanto em relação às vacinas contra Covid-19, ainda em maior destaque devido à proximidade temporal da pandemia, quanto sobre vacinas em geral, ao exemplo do imunizante contra a meningite. Em geral, essas mensagens adotam um tom alarmista e fazem associações entre a imunização e a morte iminente, especialmente no caso de bebês e crianças. No X, enquanto o debate tende a ser associado a atores políticos e partidos, no Telegram ele se apresenta de maneira mais generalizada, ainda que circule com maior frequência em grupos alinhados à extrema direita. Em termos de recortes temáticos desses eixos desinformativos, existe uma diversidade que abrange desde ofertas de serviços de falsificação de cadernetas de vacinação à associação entre a imunização e a aquisição de diferentes doenças graves.

 

Eixos desinformativos sobre vacinação no X

Período: de 1º de junho a 10 de setembro

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Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI

 

  • Diferentes eixos de desinformação sobre vacinas foram identificados no debate registrado no X ao longo do período analisado. Entre eles, estão argumentos que defendem que: a vacina contra Covid-19 poderia transmitir o vírus HIV; o Reino Unido estaria indenizando pessoas que teriam tido problemas com vacinas de Covid-19; teriam morrido mais pessoas vacinadas do que não vacinadas; a Fiocruz estaria encobrindo supostas mortes associadas à vacina de Covid-19 AstraZeneca; e a sequência de doses de vacinação de Covid-19 e gripe poderia afetar o sistema imunológico. No caso do X, postagens e declarações de parlamentares, como o deputado estadual carioca Caporezzo (PL) e o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), foram estratégias utilizadas para atribuir legitimidade à desinformação sobre vacinas.

 

Eixos desinformativos sobre vacinação no Telegram

Período: de 1º de junho a 10 de setembro

Total de posts coletados no Telegram: 2.242 mensagens

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Fonte: Telegram | Elaboração: FGV ECMI

 

  • No Telegram, a maior parte das mensagens mais compartilhadas sobre vacinação incluíram desinformação. No geral, as vacinas foram tratadas como um risco à vida, especialmente em se tratando de bebês e crianças. Foram identificadas diversas mensagens diferentes que divulgavam supostos serviços de falsificação de cadernetas de vacinação, que teriam efeito imediato no sistema ConecteSUS. O argumento central para a adesão a este serviço é o de que assim se poderia proteger aqueles que não desejam “injetar o veneno”;
  • Foram identificadas diversas mensagens em tom de teoria da conspiração. Nesse sentido, houve afirmações de que a vacina de Covid-19, que teria fetos mortos em sua composição, acarretaria doenças como o câncer e a síndrome de Guillain Barré. Falou-se ainda que a OMS estaria testando uma vacina esterilizante como forma de controle populacional. Em outra mensagem, em tom alarmista, assegurou-se que a vacina contra meningite seria letal para bebês, baseado em caso ocorrido em 2013.