Debate sobre HIV e aids é marcado por ativismo, desinformação e polarização política
Por: FGV ECMI
Por: FGV ECMI
- O debate foi marcado pela diversidade de abordagens, com enfoque em campanhas governamentais, mobilizações ativistas, fake news e polarização de parlamentares em torno da agenda;
- No Telegram, mensagens desinformativas e conspiratórias tiveram destaque, como associações com vacinas de covid-19 e supostos planos de grupos políticos alinhados ao “globalismo”;
- Uso de inteligência artificial para propagar estigmas em relação à aids também foi um mecanismo identificado no Facebook, com a divulgação de cartazes de filmes que ironizam a enfermidade.
A discussão nas redes sociais sobre HIV/aids abrange desde campanhas informativas e discursos ativistas até a desinformação, o estigma e a polarização política. A falsa relação entre vacinas de covid-19 e a infecção do HIV, por exemplo, que foi propagada pelo ex-presidente Bolsonaro em 2021, permanece como um eixo desinformativo de destaque. É o que mostra estudo da FGV Comunicação Rio, que analisou o debate digital sobre o tema no X, no Facebook, no Instagram, no Telegram e no WhatsApp, entre 1º de junho e 26 de novembro de 2023.
No período analisado, celebridades impulsionaram a discussão a partir de diferentes perspectivas, ao exemplo de notícias sobre famosos que faleceram em decorrência da aids e de cobranças para que artistas se posicionem sobre a causa em seus shows. Já no debate parlamentar, a tônica polarizada foi proeminente, com disputa de narrativas acerca das políticas de saúde pública dos governos Bolsonaro e Lula.
Debate sobre vacinação
Evolução do debate sobre HIV/aids no Facebook
Período: de 1º de junho a 26 de novembro
Fonte: Facebook | Elaboração: FGV ECMI
- Com 10.937 posts e 555.831 interações no Facebook, o debate sobre HIV/aids foi marcado por uma diversidade de abordagens: histórias de superação, famosos diagnosticados com o vírus (entre especulações e casos confirmados), ações humanitárias e notícias ligadas à política institucional, entre abordagens polarizadas e anúncios de políticas públicas.
- O pico de postagens ocorreu no dia 13 de julho, quando o presidente Lula premiou a médica Adele Benzaken, ligada ao combate à aids e demitida do Ministério da Saúde no governo Bolsonaro. O tema ilustra a disputa polarizada de narrativas em torno de políticas de saúde pública de HIV/aids observada em outras redes. Já o pico de interações ocorreu no dia 10 de agosto, em decorrência de um relato de uma pessoa hemofílica que vive com aids.
Principais termos sobre HIV/aids no X
Período: de 29 de outubro a 28 de novembro
Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI
- Políticas públicas em relação ao HIV e à aids tiveram destaque importante na nuvem de termos, como sugere a presença de palavras e expressões como saúde, Brasil, Estado, Governo, SUS e responsabilidade social. Campanhas e divulgações governamentais impulsionaram a proeminência desses termos.
- O padrão é rompido por termos estimulados por episódios pontuais de grande apelo midiático, como celebridades internacionais que se apresentaram no país em novembro. Enquanto Taylor Swift foi criticada por não abraçar causas sociais como a aids publicamente, a banda RBD foi elogiada por ter se posicionado sobre o tema em seus shows, o que sugere a existência de uma pressão por parte da opinião pública para o envolvimento de artistas na causa.
- Entre os termos em destaque, ainda teve circulação expressiva a história de um homem que teria contraído HIV ao ser estuprado por 60 detentos, após ter sido preso injustamente por abuso infantil. Proferida em 2021, a afirmação de Jair Bolsonaro de que a “vacina de Covid-19 causava aids” também teve visibilidade importante, em tom majoritariamente crítico ao ex-presidente.
Debate parlamentar sobre HIV/aids no Facebook e no Instagram
Período: de 1º de junho a 26 de novembro
Fonte: Facebook e Instagram | Elaboração: FGV ECMI
- Com apenas 22 posts no Facebook e 6 no Instagram, o tema tendeu a ser abordado de maneira lateral pelos parlamentares. Em geral, ele foi discutido a partir de disputas políticas polarizadas ou através da divulgação de descobertas científicas ou de políticas públicas especializadas.
- A disputa polarizada de narrativas foi destaque. Enquanto governistas denunciaram uma omissão do governo anterior nesta seara, oposicionistas afirmam que o governo atual estaria dificultando o acesso a tratamentos como os de HIV e aids ao rever a isenção de impostos para medicamentos.
- O alcance dos posts varia de acordo com a rede, com relativo equilíbrio entre os campos políticos. Enquanto Gleisi Hoffmann (PT-PR) teve um alcance 206% maior do que Mário Frias (PL-SP) no Facebook, ele registrou 673% a mais de alcance no Instagram, exatamente com os mesmos conteúdos.
- No campo governista, críticas à falsa afirmação de Bolsonaro sobre a vacina de Covid-19 transmitir HIV tiveram relevância, assim como a divulgação de descobertas científicas com potencial de cura ou prevenção facilitada.
Principais posts sobre HIV/aids no Facebook e no Instagram
Período: de 1º de junho a 26 de novembro
Fonte: Facebook e Instagram | Elaboração: FGV ECMI
- A discussão sobre HIV e aids é abordada sob diferentes vieses no Facebook e no Instagram. Histórias de vida, missões humanitárias e celebridades que foram diagnosticadas com HIV têm maior proeminência nas redes. Em tom de homenagem ou de curiosidade, Renato Russo, Cazuza e Freddie Mercury estão entre os famosos mais associados à pandemia da aids.
- Notícias de viés religioso ou científico também tiveram centralidade. Na seara da religião, tiveram destaque posts sobre santos padroeiros de pacientes de aids e um suposto relato de um indivíduo que teria deixado de ser soropositivo por ter se declarado cristão. No aspecto científico, descobertas relacionadas a casos de remissão da aids e a uma possível vacina se sobressaíram.
- Especulações a respeito de celebridades que teriam ou não hiv ou aids e imagens geradas a partir de inteligência artificial com caráter alegadamente cômico estão entre os posts que buscam estigmatizar ou ridicularizar pessoas que vivem com HIV ou aids. Uma das imagens produzidas via IA, por exemplo, simula um cartaz de um falso filme de animação. No pôster, uma mulher abraça um chimpanzé, animal ao qual se atribui a transmissão inicial do HIV para seres humanos, em um cenário paradisíaco e com conotação sexual implícita.
Principais links sobre HIV/aids no Facebook
Período: de 1º de junho a 26 de novembro
Fonte: Facebook | Elaboração: FGV ECMI
- Casos marcantes de mortes de artistas por desdobramentos da infecção pelo vírus HIV e atualizações contemporâneas em relação à doença se combinam com notícias sensacionalistas sobre o tema.
- Notícias sensacionalistas e desinformativas estão marcadamente presentes. Enquanto Clique Notícias retoma desinformação estigmatizante sobre alegada infecção de Anitta, O Tempo relembra associação feita por Jair Bolsonaro entre a vacina da Covid-19 e a infecção por hiv.
- Em tom de memória e homenagem, os casos de Freddie Mercury e Renato Russo são retomados por Revista Cifras e Rádio Rock, veículos associados à cobertura sobre o cenário musical. Em uma perspectiva mais contemporânea, a entrevista de Lucinha Araújo para o Estadão, mãe de Cazuza, retoma o caso do filho.
- Avanços recentes em relação aos medicamentos para o enfrentamento à infecção por HIV ficam em destaque em RealTime1 e g1. O projeto ainda recentemente desenvolvido pela organização Médico Sem Fronteiras no Malawi também ficou em evidência.
Debate sobre HIV/aids no Telegram
Período: de 1º de junho a 26 de novembro
Total de posts coletados no Telegram: 148 mensagens
Fonte: Telegram | Elaboração: FGV ECMI
- Acusações desinformativas e conspiratórias que se utilizam de associações estigmatizantes em torno da aids ficam em destaque no Telegram.
- Reunindo milhares de visualizações e centenas de compartilhamentos, são várias as mensagens que reproduzem a desinformação sobre a alegada presença do vírus HIV nas vacinas de covid-19. Fontes variadas são mencionadas para legitimar as alegações, a exemplo de “estudos” e “dados oficiais”, além de referência ao “vencedor do Prêmio Nobel”.
- A representação do vírus HIV como uma “arma” oculta que integra o rol de ações de grupos e instituições políticas classificadas como aliadas ao “globalismo” e à “nova ordem mundial” também é recorrente e popular nos grupos e canais da plataforma.
Debate sobre HIV/aids no WhatsApp
Período: de 1º de junho a 26 de novembro
Total de posts coletados no WhatsApp: 2.592 mensagens
Fonte: WhatsApp | Elaboração: FGV ECMI
- As mensagens de maior destaque se dividem entre publicações informativas, de um lado, e a divulgação de histórias sensacionalistas que buscam acionar o medo em relação à aids e ao HIV, de outro.
- Novidades sobre medicamentos de prevenção e exames de detecção do vírus, como o kit desenvolvido pela Fiocruz, além de campanhas de conscientização a respeito do tema, são os tópicos informativos que mobilizaram maior interesse na plataforma.
- Com circulação mais restrita, mensagens com histórias sensacionalistas de supostos episódios de infecção pelo HIV obtiveram destaque.