Debate sobre eleições dos EUA reforça associações com contexto político nacional

Por: FGV ECMI

Por: FGV ECMI

  • Direitas do Brasil e dos EUA se engajam em narrativas sobre perseguição judicial e acusações de fraude eleitoral. Vitória de Trump na Suprema Corte americana é usada como gatilho para críticas ao judiciário brasileiro;
  • Impulsionada por parlamentares e influenciadores de direita, como Eduardo Bolsonaro, a ideia de que Trump interviria no judiciário brasileiro caso fosse eleito teve alta circulação e demarcou postagens esperançosas de uma suposta nova vitória de Jair Bolsonaro no país;
  • Na repercussão sobre as eleições dos EUA, direita brasileira enfatiza propostas de Trump contra “simpatizantes do Hamas”, enquanto perfis progressistas atribuem má aprovação de Biden à posição pró-Israel;
  • Imagens geradas por inteligência artificial, especialmente Trump à frente de uma multidão de pessoas pretas, geraram impacto no debate e sinalizam uma gradual importação de táticas com fins eleitorais para o contexto brasileiro.

A correspondência entre os cenários políticos brasileiro e estadunidense foi o traço mais proeminente do debate digital sobre as eleições dos Estados Unidos, com ataques ao judiciário e à mídia, discurso de fraude nas urnas e articulações em prol do fortalecimento da extrema-direita a nível global. É o que mostra estudo da FGV Comunicação Rio, que analisou a repercussão deste tema no X, Facebook e Instagram, entre 5 de fevereiro e 5 de março.

As análises do X, cujo debate permitiu mensurar de maneira mais acurada os níveis de polarização existentes na discussão, sinalizaram um amplo protagonismo de grupos pró-Trump no debate nacional, alinhados sobretudo ao ex-presidente Jair Bolsonaro. O grupo de direita contabilizou 66,9% dos perfis e 81,3% das interações no âmbito do debate monitorado, enquanto perfis progressistas tiveram influência limitada na discussão, demonstrando articulação pouco expressiva em torno do tema.

Eleições presidenciais estadunidenses de 2024

Evolução do debate sobre as eleições nos EUA no X

Período: 5 de fevereiro a 5 de março 

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Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI

 

  • No debate digital sobre as eleições dos Estados Unidos, paralelos com o cenário eleitoral do Brasil motivam os posts de maior alcance. Nesse sentido, há uma ênfase na alegada interferência dos sistemas judiciários de ambos os países nos seus respectivos pleitos. Tendo como ponto de partida associações entre Jair Bolsonaro e Donald Trump, a narrativa de maior visibilidade sustenta que os Estados Unidos teriam uma democracia plena e um judiciário independente, o que não ocorreria no Brasil, pois Bolsonaro foi considerado inelegível, enquanto Trump foi absolvido de um processo de inelegibilidade por unanimidade. Sustenta-se ainda que o judiciário brasileiro seria “militante” e “persecutório”, além de supostamente desprezar a Constituição Federal;
  • Uma possível vitória de Donald Trump é lida por perfis de direita como uma conquista da extrema-direita a nível mundial e, a nível nacional, um sinal de fortalecimento do bolsonarismo. É interessante observar que esta questão extrapola um sentido mais simbólico de fortalecimento político e abrange ideias de ordem prática, como uma suposta intervenção direta de Trump no judiciário brasileiro. Nesse sentido, pondera-se que Trump, caso seja eleito, poderia entrar em “rota de colisão” contra o Superior Tribunal Federal para defender Bolsonaro de um suposto conluio contra a sua elegibilidade;

     
  • Apesar de soar contraditório frente ao discurso de que os Estados Unidos teriam uma democracia estabelecida, circula ainda a ideia de que Trump e Bolsonaro teriam tido suas respectivas candidaturas à reeleição “roubadas” devido a “fraudes” nas urnas eleitorais e na mídia de modo geral, a partir de um aparelhamento “globalista”. Isso teria ocorrido através da disseminação de fake news, informações manipuladas, agendas político-ideológicas divergentes e narrativas deturpadas para influenciar votos contrários a ambos;

     
  • O pico do debate sobre as eleições foi no dia 4 de março, com a divulgação da notícia de que a Suprema Corte dos EUA manteria Trump como pré-candidato à presidência. O episódio foi repercutido com alcance mais expressivo entre perfis alinhados a Bolsonaro, que argumentaram que a prática de tornar adversários políticos inelegíveis seria fruto de uma democracia vulnerável, com menções diretas ao Brasil;

     
  • Na discussão sobre a decisão da Suprema Corte, é interessante observar que imagens manipuladas por inteligência artificial tiveram influência relevante no debate, como uma imagem de Trump à frente de uma multidão de pessoas pretas. A montagem foi utilizada por Sérgio Camargo, ex-presidente da Fundação Cultural Palmares no governo Bolsonaro, para sinalizar que Trump revogaria os programas de igualdade, diversidade e inclusão e os substituiria por questões de “valor do mérito e competência”, chamando ainda o movimento Black Lives Matter de corrupto. Nesse contexto, é relevante considerar que tanto Bolsonaro quanto Trump foram acusados de falas racistas durante os seus governos, o que implicou esforços para revitalizar a imagem de ambos perante eleitores pretos com um discurso que, de forma contraditória, busca deslegitimar a atuação de movimentos sociais voltados para pautas raciais.

Principais termos sobre as eleições nos EUA no X

Período: 5 de fevereiro a 5 de março 

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Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI 

  • Na nuvem de termos, atores políticos norte-americanos e brasileiros figuraram com destaque no debate. No centro da discussão, Donald Trump registrou mais do que o dobro de menções em relação ao seu principal concorrente, Joe Biden. Outros líderes de direita, como Benjamin Netanyahu, de Israel, e Javier Milei, da Argentina, também foram incorporados à discussão sob a tônica de uma alegada revitalização global deste espectro político;
  • Entre os atores nacionais de destaque, estiveram o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o influenciador digital Paulo Figueiredo. A retórica central envolvendo estes dois nomes diz respeito a uma conversa que ambos teriam tido com Trump sobre o contexto político brasileiro. No encontro, Trump teria afirmado que, caso fosse eleito, o Brasil seria um “assunto pessoal” para o seu mandato, o que foi lido como uma suposta ameaça às autoridades e instituições democráticas brasileiras, em especial o Judiciário. A figura do ministro Alexandre de Moraes é evocada como principal “alvo” de Trump;
  • Circula ainda a ideia de que Joe Biden teria pressionado militares norte-americanos para apoiar Lula no último pleito presidencial. Essa perspectiva reforça a narrativa de que as eleições presidenciais brasileiras de 2022 teriam sido fraudadas a partir de um conluio composto por diversas frentes, como o judiciário e a mídia brasileiros e o governo norte-americano;
  • As propostas de Trump a respeito do conflito em Gaza, como o cancelamento do visto de estrangeiros que seriam “simpatizantes do Hamas”, ainda tiveram destaque, evidenciando uma apropriação da guerra dentro de uma agenda extremista que encontra correspondência com o contexto brasileiro.

Grafo do debate sobre as eleições nos EUA no X

Período: 4 a 6 de março, até às 15h

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Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI 

Perfis de direita - 66,9% de perfis | 81,3% de interações

A decisão da Suprema Corte dos EUA, que reverteu a decisão de retirar Trump das primárias, foi celebrada pelo grupo, formado por parlamentares e influenciadores alinhados à direita. Os perfis tratam a decisão como uma vitória contra a esquerda e relacionam o caso com a inelegibilidade de Jair Bolsonaro. Para o grupo, a decisão também abre caminho para a vitória de Trump, que já estaria sendo vista como uma certeza, uma vez que o caminho estaria livre sem a interferência da justiça norte-americana.

Perfis progressistas - 20,3% de perfis | 12,9% de interações

Grupo formado por influenciadores progressistas, jornalistas e veículos de comunicação. A decisão da Suprema Corte também é mencionada de modo lateral em tom informativo, no entanto, o principal tema é o conflito entre Israel e Palestina. Neste tópico, o impacto da posição do governo norte-americano no conflito, em especial na baixa aprovação de Biden, é repercutido por jornalistas e comentaristas políticos. Outro tema que se destaque no grupo é a discussão sobre desinformação, em especial a notícia de que a apoiadores de Trump teriam usado inteligência artificial para criar imagens para atrair eleitores negros para o candidato republicano. Semelhanças entre Trump, Javier Milei e Jair Bolsonaro também repercutem. Nesse sentido, o conflito na faixa de Gaza e reemergência de líderes de direita é vista por parte do grupo como um fenômeno mais amplo de avanço do totalitarismo no mundo.

Críticas ao judiciário - 4,4% de perfis | 2,6% de interações

Formado também por perfis ligados majoritariamente à direita, esse grupo repercute com mais intensidade críticas ao judiciário norte-americano e brasileiro. Nesse sentido, são feitas comparações entre a Corte norte-americana, que não estaria interferindo excessivamente no processo eleitoral, com o judiciário brasileiro, que na percepção de parte desse grupo, agiria de modo autoritário e sobrepujando os demais Poderes.

 

Principais argumentos no debate sobre o tema no Facebook e no Instagram

Período: 5 de fevereiro a 5 de março de 2024

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Fonte: Facebook e Instagram  | Elaboração: FGV ECMI

 

  • O debate sobre as eleições nos EUA tem influência expressiva de parlamentares de direita alinhados a Jair Bolsonaro, como Carla Zambelli (PL-SP) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Nesse sentido, o argumento sobre as eleições norte-americanas de maior circulação, tanto no Facebook quanto no Instagram, corresponde à ideia de que há uma suposta perseguição político-ideológica por parte do Governo Federal, da mídia e do judiciário brasileiro contra aliados políticos e apoiadores de Jair Bolsonaro. Para reforçar a ideia de “perseguição deliberada” ao bolsonarismo e à direita como um todo, reforça-se que esta perseguição ocorreria a nível global, como na Argentina, com Javier Milei, e que a eleição de Trump poderia impulsionar esforços políticos e econômicos para combater a alegada ameaça à direita;
  • A ideia de que “a verdade prevalecerá” é recorrente nas reações de parlamentares a respeito da absolvição de Trump pela Suprema Corte, sob a sugestão de que o mesmo ocorreria no Brasil, com Bolsonaro, a partir da suposta revelação de um conluio institucional contra o ex-presidente. Ressaltou-se com recorrência que a vitória de Trump representaria o fim de um suposto projeto de perseguição que seria liderado por Alexandre de Moraes;
  • Em ambas as redes, ataques a jornalistas da mídia tradicional e progressista tiveram alta visibilidade, especialmente Miriam Leitão (Rede Globo) e Reinaldo Azevedo (Band). Classificados como “jornalistas militantes” e “desesperados”, Leitão e Azevedo foram criticados por terem se manifestado contra a decisão que tornou Trump novamente elegível. Por esse viés, busca-se descredibilizar a imprensa de modo a associá-la a tentativas de “censura” ao campo político de oposição ao atual governo, o que justificaria, por exemplo, notícias negativas sobre Bolsonaro, Donald Trump e outros políticos de direita;
  • O discurso religioso referente às eleições norte-americanas também teve alta circulação, especialmente no Facebook. Em páginas de cunho cristão, foi ressaltada uma fala atribuída a Trump de que a sua absolvição pela Suprema Corte seria um indício do suposto apoio de Deus para vender a “esquerda radical”. No discurso referido, o político afirmou que seria um cristão que estaria lutando em defesa dos valores da direita conservadora, sugerindo, ainda, que a esquerda praticaria perseguição de cunho político, moral e religioso;
  • Denúncias de “perseguição política” feitas por parlamentares brasileiros, como Gustavo Gayer (PL-GO) e Nikolas Ferreira (PL-MG), a autoridades ou personalidades norte-americanas também circularam nas redes, ressaltando a tentativa de articulação internacional em torno de nomes da direita e a busca por validação estrangeira para a alegada luta contra em prol da democracia brasileira.