Debate indígena é marcado por equilíbrio entre os campos políticos e inversão de narrativa de “genocida” direcionada a Lula

Por: FGV ECMI

 

Por: FGV ECMI

 

● No X, perfis de direita somaram 36% das interações no debate sobre indígenas ao longo de abril, enquanto perfis progressistas registraram 37,5%. Denúncias sobre episódios de violência contra Tapajós e crise humanitária dos Yanomamis dominaram o debate, sendo este último tema fortemente vinculado a Lula na ala da direita; 

No Facebook, no Instagram e no TikTok, os principais atores do debate sobre os povos originários são os próprios indígenas, que obtêm destaque ao atuar como influenciadores digitais e narrar aspectos de sua cultura e de seu cotidiano nas plataformas; 

No Facebook e no Instagram, além de perfis de indígenas, tiveram alcance neste debate veículos de imprensa da mídia tradicional e progressista, organizações ambientais e instituições governamentais.

Denúncias de descaso e violência contra indígenas, em especial a crise humanitária dos Yanomamis e os ataques contra o povo Tapajó, na Bahia, foram os tópicos de maior destaque no âmbito do debate sobre os povos originários no X. Entre perfis de direita, a tentativa de classificar Lula como “genocida” pela persistência da crise Yanomami foi majoritária, com forte atuação de parlamentares alinhados a Jair Bolsonaro. É o que mostra o estudo da FGV Comunicação Rio, que analisou postagens no X, no Facebook, no Instagram e no TikTok, entre 1º e 15 de abril de 2024. No âmbito deste debate, ainda foram mapeados os principais atores das plataformas, sendo os influenciadores indígenas os protagonistas da discussão. 

Mapa de interações sobre povos indígenas no X 

Período: de 1º de janeiro a 15 de abril de 2024 

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Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI 

O debate em torno da pauta indígena registrou um relativo equilíbrio entre os campos políticos, com ligeira vantagem para o campo progressista, se considerarmos a soma dos grupos alinhados a este segmento. Enquanto um grupo único de páginas conservadoras concentrou 30,6% dos perfis e 36% das interações, os três grupos progressistas observados somaram 34,1% dos perfis e 37,5% das interações, entre atores políticos, comunicadores e lideranças indígenas. É interessante observar que os grupos progressistas estão relativamente conectados entre si, enquanto o grupo conservador se apresenta isolado e mais denso1. 

Direita (Azul) - 30,6% de perfis | 36% de interações 

A crise humanitária dos Yanomamis foi o tema mais mobilizado pelos perfis de direita ao longo de 2024. No geral, eles se utilizaram do caso para tentar inverter a ideia de que o governo de Jair Bolsonaro teria sido prejudicial para a pauta indígena, direcionando essa avaliação negativa ao atual governo. Nesse sentido, busca-se atribuir a Lula a pecha de “genocida”, sob a alegação de que o número de indígenas mortos teria crescido em seu mandato. Em grande medida, a discussão se restringe a tentativas de desqualificação do governo Lula, e não a um debate mais amplo a respeito das questões indígenas propriamente ditas. Ainda foram registrados ataques à classe artística - a respeito de suposto silêncio diante da crise mencionada - e a ONGs ambientais, que são classificadas como corruptas e insensíveis à situação. Atores políticos como a senadora Damares Alves, o vereador Rubinho Nunes e o deputado federal Carlos Jordy estão em evidência, assim como a influenciadora Elisa Brom e os perfis de mídia Revista Oeste e O Antagonista.

Progressistas (Laranja) - 21% de perfis | 24,8% das interações 

Atores políticos, jornalistas, historiadores e perfis ambientais compõem este grupo, que se dedica a divulgar denúncias relacionadas a crimes contra indígenas e a enaltecer a cultura dos povos originários. Nesse sentido, é ressaltada a associação entre atores da oposição a crimes ambientais, como garimpo ilegal e invasão e exploração de territórios nativos. O anúncio de medidas governamentais em prol da população indígena está em destaque, ao exemplo de recursos destinados para a mitigação da crise dos Yanomamis e a criação de creches e escolas. O presidente Lula é um dos principais perfis deste conjunto, ao lado da influenciadora indígena Karibuxi e do perfil ambiental Fiscal do Ibama. Jornalistas como Sônia Bridi e veículos de esquerda como Brasil 247 também têm influência relevante no grupo. 

Lideranças indígenas e aliados (Verde) - 11,1% de perfis | 10,8% das interações O grupo é formado por lideranças indígenas e outros perfis que obtiveram destaque ao denunciar ações violentas contra os povos originários. Ataques a tiros direcionados a integrantes do povo Pataxó por parte de fazendeiros e policiais militares no município de Potiraguá, na Bahia, em janeiro, constituíram o assunto de maior destaque. Lideranças indígenas, como Fabrício Titiah e Thyara Pataxó, obtiveram maior protagonismo neste conjunto, que teve o alcance consideravelmente ampliado a partir da repercussão de perfis aliados. 

Influenciadores antirracistas (Roxo) - 2,1% de perfis | 1,9% das interações Influenciadores antirracistas, em geral comunicadores ou educadores, como a jornalista Daiane Oliveira, compõem o grupo, que também denuncia episódios de violência contra indígenas. É interessante observar que este conjunto registrou uma notória intersecção entre as pautas da militância de pessoas pretas e indígenas, com postagens que aproximam os dois grupos sociais na luta antirracista no Brasil. 

Principais perfis no debate indígena no Facebook 

Período: de 1º de janeiro a 15 de abril de 2024 

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Fonte: Facebook | Elaboração: FGV ECMI 

No Facebook, os principais destaques no debate sobre indígenas são os próprios indígenas, como Ysani, da cultura Alto Xinguana, além de figuras e páginas progressistas, como a página Pará Terra Boa, dedicada a tópicos como o reflorestamento. 

Há, pelo menos, três vertentes principais ao tratarmos do debate indígena no Facebook. A primeira, protagonizada por veículos de mídia, como O Globo, traz um enfoque negativo e relacionado à violência contra povos indígenas, relatando o avanço do garimpo ilegal, por exemplo. Já a segunda, alimentada por políticos como Gleisi Hoffmann, mobiliza a pauta como instrumento de campanha política, tanto para atacar a oposição, quanto para enfatizar ações do próprio governo. Por fim, a terceira vertente é protagonizada por indígenas, como Ysani e Daniel Munduruku, e por páginas dedicadas ao tema, como Educação e Território, compartilhando informações interessantes sobre as culturas dos povos indígenas. Nesse escopo de divulgação cultural, chama atenção a relevância do programa Big Brother Brasil para o tema, com vários conteúdos sobre a então participante Isabelle ser um símbolo da representatividade amazonense

Outro tópico a ser ressaltado diz respeito à ausência de atores políticos alinhados à direita entre os principais perfis desse debate. Embora nomes como Jair Bolsonaro e Bia Kicis alcancem um alto número de interações em posts que tratam da suposta venda da Amazônia a estrangeiros, por exemplo, estes perfis não são significativos considerando o todo do debate

Principais perfis no debate indígena no Instagram 

Período: de 1º de janeiro a 15 de abril de 2024 

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Fonte: Instagram| Elaboração: FGV ECMI 

O tom do Facebook se mantém no Instagram, onde páginas de ativismo progressista, indígenas e veículos de mídia se destacam. Aqui, nomes como o da ativista ambiental Samela Mawé e do escritor Ailton Krenak são destaque, disseminando posts sobre a atuação de indígenas em altos cargos de poder, além de tópicos como moda indígena e reivindicação de direitos para mulheres indígenas

Ainda que o debate no Instagram tenha forte caráter cultural, o viés político também chama bastante atenção, seja com posts que retratam ações do Exército brasileiro em terras indígenas, seja com notícias sobre a crise no território Yanomami. Este último, vale dizer, carrega críticas, tanto da oposição, quanto de ativistas indígenas, ao governo Lula e à gestão de Sonia Guajajara à frente da pasta, cobrando mais atenção estatal aos problemas desse povo. 

Principais perfis no debate indígena no TikTok2 

Período: de 1º de janeiro a 15 de abril de 2024 

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Fonte: TikTok | Elaboração: FGV ECMI 

O debate sobre os povos originários no TikTok é, em grande medida, protagonizado por influenciadores digitais indígenas, que apontam para uma pluralidade relevante quanto a perspectivas sobre o seu povo, as suas lutas e o seu cotidiano, especialmente nas aldeias. Em geral, os vídeos são constituídos por abordagens leves, prosaicas e bem-humoradas, que vão desde dicas de amamentação até debates sobre diversidade sexual entre indígenas. 

É perceptível uma tentativa de desmistificação e desestigmatização da população nativa brasileira, como o combate à ideia de que indígenas não poderiam ter acesso a tecnologias como internet e smartphones. Existe ainda um esforço notório em divulgar a cultura indígena e a sua relação com a natureza, além de romper com ideias preconceituosas sobre práticas e hábitos atribuídos a indígenas, entre aspectos relacionados à alimentação, à vestimenta e às festividades sagradas

Influenciadores como Alice Pataxó, Kauri (@Odaldeia), We’e’ena Tikuna e Maira Gomez (@Cunhaporanga) se destacam na veiculação dos conteúdos supracitados. É interessante observar o destaque conquistado na rede pela amazonense Isabelle Nogueira, ex-participante do Big Brother Brasil, que elevou o interesse na cultura indígena de modo geral a partir da divulgação de aspectos culturais de seu estado e, especificamente, do Festival Folclórico de Parintins, no qual atua como dançarina. 

Notas de rodapé:

1.Os 35,2% de perfis restantes no mapa de interações correspondem a grupos isolados que não concentraram mais de 2% dos perfis e, por isso, não foram considerados para esta análise.

2.No caso do TikTok, foi considerada uma lista prévia de perfis de influenciadores digitais indígenas, o que explica a não ocorrência de veículos de notícias, instituições e outros atores no monitoramento.