Debate climático-ambiental pauta eventos extremos, mas é atravessado por desinformação e ataques a ambientalistas

Por: FGV Comunicação Rio

Por: FGV Comunicação Rio

 

Em alta em 2023, o debate público sobre clima foi marcadamente afetado pelos eventos extremos vivenciados no país ao longo do ano. Em meio à experiência de convívio com quadros agravados pelas mudanças climáticas, os monitoramentos do projeto Mídia e Democracia apontam para a complexa combinação entre manifestações de espanto e preocupação, por um lado, e conteúdos conspiratórios, por outro, negando o papel das atividades humanas nesse processo. No caso das ondas de calor, a via do humor também se destaca.

Nesse sentido, o documento aqui apresentado foi elaborado a partir da compilação de materiais semanais selecionados para subsidiar a proposição de linhas de ação e para compor um material orientativo para o Conselho do projeto Mídia e Democracia.

O panorama do debate sobre mudanças climáticas entre janeiro e setembro de 2023 é apresentado na primeira seção deste policy paper, intitulada como “Linhas de análise: o panorama bimestral”. A seção também é complementada por resultados consonantes, encontrados no âmbito do debate mais amplo sobre o tema, vindos das pautas meio ambiente, Amazônia e povos indígenas.

A título de exemplificação, também são apresentadas as versões compactas de análises disponíveis na íntegra nos relatórios semanais, disponíveis para consulta.

Os destaques subsidiam a segunda seção do documento. Em “Linhas de ação: direcionamentos temáticos”, indicamos possibilidades de trabalho e aprofundamento na elaboração de encaminhamentos à sociedade. Já na terceira parte, denominada “Retrospectiva”, é apresentado um panorama da atuação do projeto, destacando os principais trabalhos desenvolvidos entre agosto e outubro.

  1. Linhas de análise: o panorama bimestral

O quarto bimestre de atividades do projeto Mídia e Democracia resultou na produção de 10 relatórios semanais de monitoramento de mídias sociais e 12 verificações de fact-checking, abarcando uma agenda diversificada de temas relacionados ao debate público na internet. Em conformidade com a linha temática indicada pelo conselho do projeto, deu-se especial atenção a resultados relacionados a mudanças climáticas e meio ambiente. Destacamos, neste policy paper, resultados de monitoramentos específicos sobre desmatamento, mudanças climáticas e a Cúpula da Amazônia. Os documentos estão disponíveis na íntegra.

A estreita relação entre os dilemas das democracias contemporâneas e a agenda ambiental faz com que a pauta já tenha sido tema de vários monitoramentos publicados pelo Mídia e Democracia. Em janeiro, monitoramos em tempo real o debate público sobre a crise humanitária envolvendo os povos indígenas Yanomami. O tema foi retomado em abril, em três levantamentos que cobriram detidamente a discussão pública sobre povos indígenas: entre apoiadores e opositores ao governo Jair Bolsonaro ao longo dos anos de 2020, 2021 e 2022, e entre público-geral, nos primeiros meses do governo Lula. Debates a respeito de políticas públicas da área também foram analisados no final de maio.

Em 2023, o debate sobre mudanças climáticas apresentou marcada intensidade, com alto número de publicações sobre as ondas de calor e desastres, como as inundações no litoral paulista, em fevereiro, e no Rio Grande do Sul, em setembro. Nesse âmbito, manifestações de surpresa pela agressividade dos episódios são combinadas com reações diversificadas, que vão desde o reconhecimento explícito da relação entre os fenômenos e as mudanças climáticas até a negação do papel das atividades humanas nesse tema.

Para além das manifestações sobre o impacto de eventos climáticos extremos no cotidiano brasileiro, achados do período em questão e de relatórios anteriores do projeto mostram que o tema é particularmente marcado por dinâmicas próprias da desordem informacional contemporânea. Disputas pela caracterização de causas e fenômenos associados à crise climático-ambiental são permeadas por discursos fortemente marcados por componentes desinformativos e conspiracionistas, por vezes com forte associação com argumentos pseudocientíficos e de origem internacional. Manifestações de hostilidade e negatividade a atores e organizações que tratam  do impacto negativo das atividades humanas no clima global também são frequentes.

As conclusões analíticas podem ser interpretadas e apropriadas à luz do panorama setorial brasileiro e internacional. Os aspectos problemáticos do debate contemporâneo sobre clima, em especial na sua interface protagonizada pelas mídias sociais e aplicativos móveis de conversação, formam parte da agenda contemporânea de pesquisa, incidência civil e formulação de políticas públicas. Não por acaso, o tema está na agenda de eventos globais da área e do Congresso Nacional brasileiro, além de ter motivado linhas de investigação na sociedade.

Nesse escopo, políticas específicas sobre desinformação climática já são definidas pelos termos de uso das plataformas de mídias sociais mais utilizadas no Brasil, apesar de diagnósticos negativos quanto à implementação efetiva desses procedimentos. Ainda em segundo plano, a relação entre o desenvolvimento sustentável de novas tecnologias e a mitigação de mudanças climáticas também ganha espaço nas discussões mais fortemente relacionadas ao setor privado.

Apesar das iniciativas e esforços desenvolvidos, a faceta da desinformação ambiental como instrumento de difusão de negacionismo climático tem sido reiteradamente observada. Ela aparece como parte proeminente da disputa pela atribuição de sentido a eventos climáticos extremos, frequentemente em associação com o cenário de polarização política a nível nacional e global

Em diálogo direto com este cenário e no âmbito deste ciclo de produção de monitoramentos semanais, os resultados trazem a identificação de publicações de parlamentares brasileiros que contestam a existência de mudanças climáticas em seus perfis oficiais no antigo Twitter, no Facebook, no Instagram e no Telegram. Afirmações sobre dados ambientais e percepções referentes ao desmatamento, aos povos indígenas e à Amazônia também são apropriados como instrumentos de disputa político-partidária.

Por fim, chama a atenção como o questionamento à legitimidade da atuação em pautas climático-ambientais é ponto mobilizador para ataques a pessoas, organizações e causas. Lideranças indígenas e ambientalistas se destacam entre os alvos de conteúdos desinformativos e hostis.

Entre a desordem e a urgência, a articulação entre os dados levantados, as discussões promovidas no conselho e o contexto institucional a respeito do tema reforçam a existência de desafios urgentes para a promoção de uma maior integridade do debate climático.

1.1 Debate sobre mudanças climáticas

Evolução do debate sobre mudanças climáticas

Período: de 1º de janeiro a 19 de setembro de 2023

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Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI

  • A discussão sobre mudanças climáticas foi diversa ao longo do ano, mas episódios relacionados a eventos extremos e à política institucional motivaram os maiores picos do debate: a onda de calor no fim do inverno brasileiro, a participação de Lula na ONU, no dia 19 de setembro e as tempestades e inundações no litoral paulista, em fevereiro;
  • Os dados sugerem que efeitos concretos no cotidiano das pessoas motivam uma discussão mais robusta sobre as consequências das mudanças climáticas. As mensagens de maior destaque associam diretamente os eventos extremos aos impactos negativos das atividades humanas no meio ambiente, linha explicativa adotada, em geral, em perfis engajados na agenda ambiental;
  • Cobranças, críticas e elogios ao governo Lula a respeito da condução da agenda climática se destacam, além de declarações institucionais na ocasião de eventos internacionais. Críticas à falta de infraestrutura e de recursos para prevenir ou aplacar as consequências de tragédias estão em evidência.

Debate parlamentar sobre mudanças climáticas no Facebook e no Instagram

Período: de 1º de janeiro a 19 de setembro de 2023

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Fonte: Facebook e Instagram  | Elaboração: FGV ECMI

 

  • A oposição ao governo teve predominância no debate parlamentar tanto no Facebook quanto no Instagram. Como apresentado em relatórios anteriores, o argumento mais proeminente corresponde a tentativas de associar Lula a uma agenda ambiental e climática negativa a partir de dados que apontam para o aumento de desmatamento de biomas como a Amazônia e o Cerrado;
  • Tenta-se ainda associar o atual presidente ao chamado globalismo, sob a ideia de que o Brasil estaria se “vendendo” para países ricos a partir de “falsas narrativas” sobre mudanças climáticas. Reforçando a tendência identificada nas análises acima, posts que acusam Lula de ter sido desumano em meio às inundações do Sul tiveram destaque importante no debate.;
  • Já os posts de maior repercussão de parlamentares alinhados ao governo buscaram enfatizar, ao contrário, como o presidente estaria preocupado com desastres associados a mudanças climáticas. Nesse sentido, houve destaque para a ida de Lula ao litoral de São Paulo, nas inundações de fevereiro;
  • Observa-se, no geral, que o debate parlamentar sobre mudanças climáticas ocorre muito mais em um nível de disputa político-partidária do que propriamente em um nível propositivo e programático a respeito do tema em questão. Essa disputa envolve, sobretudo, a atribuição de responsabilidades e de significados para a postura de atores envolvidos em cada caso.

Eixos desinformativos sobre mudanças climáticas no Telegram

Período: de 1º de janeiro a 19 de setembro de 2023

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Fonte: Telegram | Elaboração: FGV ECMI

  • Em maior evidência no conjunto de mensagens coletados, os principais eixos desinformativos sobre clima no Telegram são pautados pela contraposição negacionista às “narrativas sobre mudanças climáticas”, denominadas como uma agenda ideológica e globalista de debate, com ataques diretos à legitimidade de ambientalistas;
  • Nesse sentido, perspectivas conspiracionistas são acionadas para explicar desastres climáticos como produtos das ações autointeressadas de um conjunto abstrato de promotores de tal “agenda global”, que agem para manipular climaticamente o mundo e para criar situações que possam justificar intervenções baseadas em “farsas” climáticas;
  • Os interesses existentes nesse tema envolvem, por exemplo, a tentativa de criação de um controle governamental a nível global ou a obtenção  de benefícios econômicos com o mercado de crédito de carbono;
  • Diferentes atores, instituições e tipos de conteúdos compõem o ecossistema desinformativo sobre clima na plataforma. Por vezes com origem em outras plataformas, depoimentos de lideranças conservadoras a nível internacional, traduzidos, mesclam-se com relatos textuais e audiovisuais em língua portuguesa, sendo distribuídos em variados canais/grupos.

1.2 Politização do debate ambiental

Para além do debate mais geral sobre mudanças climáticas, algumas análises indicam que a discussão ambiental é recorrentemente politizada nas redes. Assim, esta politização é acionada por diferentes grupos políticos para atacar oponentes e para disseminar perspectivas favoráveis à sua própria agenda.

Principais links do debate sobre desmatamento no Facebook

Período: de  1º  de janeiro a 13 de julho de 2023

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Fonte: Facebook | Elaboração: FGV ECMI

  • Veículos de notícias hiperpartidários de direita, portais ambientalistas e sites da mídia tradicional hospedaram os links de maior circulação no Facebook sobre o tema, o que indica uma alta disputa de narrativas acerca do assunto;
  • Enquanto o Jornal da Cidade Online ganhou notoriedade ao classificar a gestão da ministra do Meio Ambiente Marina Silva e do presidente Lula como incompetente e criminosa, em referência a recordes de desmatamento em fevereiro; portais ambientalistas, como O Eco e Revista Cenarium Amazônia, ressaltaram consequências ambientais oriundas do governo Bolsonaro;
  • Em veículos de mídia tradicional e em portais voltados para o agronegócio, teve destaque a notícia sobre restrições de bancos a ruralistas que criam gado em áreas desmatadas ilegalmente na Amazônia. O episódio foi associado ao veto aprovado pelo Parlamento Europeu à importação de produtos de áreas desmatadas ilegalmente, no final de 2020.

Principais termos sobre o debate ambiental no X (antigo Twitter)

Período: de 01 a 09 de agosto, às 10h

Fonte: Facebook | Elaboração: FGV ECMI

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Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI

  • A centralidade da Cúpula da Amazônia no debate ambiental no X fica explícita ao observarmos os termos mais frequentes desta discussão. O debate foi pautado, sobretudo, por atores governistas, como Lula, Janja e Geraldo Alckmin, que ressaltam a importância do evento para o Brasil e para o mundo. Na oposição e de modo lateral, a Cúpula foi abordada com ênfase na possível vinda de Nicolás Maduro ao Brasil, com insinuações de que Lula estaria se aproximando de regimes comunistas; 
  • Entre os temas tratados de modo menos central, também há um predomínio de perfis progressistas, que abordaram, de forma positiva, a visita de Lula ao Rio Tapajós, demarcando oposição ao garimpo ilegal e apontando a suposta relação do ex-presidente Bolsonaro com crimes ambientais. Já a oposição se ancorou em perfis de parlamentares e influenciadores para questionar a legitimidade de lideranças indígenas, como o chamado Bira Sompré, e afirmar que Lula deseja entregar a Amazônia para países estrangeiros, como os Estados Unidos e a Noruega.

2. Linhas de ação: direcionamentos temáticos

As evidências mapeadas e analisadas nos monitoramentos semanais são taxativas ao apontarem para a existência de um volumoso debate público sobre mudanças climáticas e meio ambiente ao longo do ano de 2023. Os picos de circulação e o teor das publicações em destaque mostram como a agenda entra em pauta amplamente durante episódios de eventos extremos e em direto atrelamento com os enquadramentos político-partidários existentes.

Apesar do impacto manifesto em parte expressiva das publicações que reagem aos desastres climáticos do país, por vezes com reconhecimento explícito da existência de mudanças climáticas agravadas pela ação humana, conteúdos de origens internacional e nacional negam tal realidade. Acusações conspiratórias a respeito de “farsas globalistas” ganham tração em grupos e canais de extrema-direita no Telegram, frequentemente amparadas em argumentos pseudocientíficos. Parlamentares e veículos hiperpartidários de direita também se destacam.

Com essa questão em vista, estabelecer eixos de ação que possam ser produtivos a médio e longo prazo contribuem para o enfrentamento à baixa integridade e ordem informacional que marcam esse cenário. Nesse sentido, as conclusões bimestrais foram incorporadas em linhas de ação e pontos de possível aprofundamento no debate pautado pelo projeto Mídia e Democracia, podendo ser apropriadas por representantes dos setores atinentes.

2.1 Políticas públicas

2.1.1 Promover a comunicação de informações íntegras a respeito de eventos extremos e mudanças climáticas, se apropriando da dimensão de alerta e interesse público sobre a pauta;

2.1.2 Promover políticas que gerem intervenções positivas no debate público para combater temas e padrões discursivos nocivos, mas facilmente identificados no debate climático.

2.2 Empresas de plataformas digitais

2.2.1 Avaliar a extensão de protocolos de crise, atualmente aplicados a contextos eleitorais e sanitários, para responder a eventos climáticos extremos;

2.2.2 Disponibilizar dados estruturados a respeito do combate à circulação de conteúdos desinformativos sobre mudanças climáticas em seus serviços, bem como a respeito das medidas adotadas para conter riscos informacionais à área ambiental, em especial no que diz respeito à Amazônia.

2.3 Produção de evidências científicas

2.3.1 Atuar positivamente para a melhor compreensão política e social de dados ambientais e fenômenos climáticos, frequentemente atravessados por argumentos de difícil entendimento, que exploram elementos sinuosos da pseudociência e da disputa política;

2.3.2 Articular iniciativas de divulgação científica e educação midiática para combater o papel que conteúdos distribuídos como “científicos” apresentam no ecossistema desinformacional relacionado à clima;

2.3.2 Avaliar novas possibilidades metodológicas de comparação entre a desinformação político-ambiental e a desinformação político-eleitoral, em contexto de barreiras ao acesso a dados para pesquisa acadêmica e jornalística.

2.4 Partidos, mandatos e candidaturas

2.4.1 Os partidos políticos, bancadas legislativas e membros da classe política podem atuar para a qualificação do debate promovido nesta pauta a nível de plataformas digitais, combatendo a difusão de desinformação entre os pares.