De violência contra a mulher à ação da polícia: pauta da segurança pública foi recorrentemente politizada em 2023

 

Por:FGV ECMI

 

Por:FGV ECMI

  • Entre 2022 e 2023, episódios de violência nas escolas, violência contra as mulheres, violência política e violência urbana ganharam especial ressonância nas redes;
  • O Rio de Janeiro é, de longe, o estado de maior destaque quando o assunto é segurança pública; 
  • Há uma constante responsabilização de Bolsonaro e aliados pela normalização da violência e do discurso de ódio; 
  • Ações de brutalidade contra mulheres, crianças e adolescentes foram o principal destaque na discussão temática sobre diferentes tipos de violência em 2023;
  • Na cobertura da mídia local sobre o tema, a violência urbana é reiteradamente noticiada, com enfoque para a ação de forças policiais.

Olhar para a discussão sobre segurança pública no debate público digital auxilia a compreensão dos modos pelos quais este tema vem sendo percebido pela opinião pública. Tendo esse esforço de pesquisa em vista, é possível verificar pontos como a centralidade da violência contra a mulher, quando comparada a outras manifestações da violência, o protagonismo das menções a casos de homicídios, além de como a violência política se tornou um ponto de extrema importância entre 2022 e 2023. É o que mostra estudo da FGV Comunicação Rio, que analisou a repercussão deste tema no X e no Facebook, considerando um período mais amplo, de janeiro de 2022 a dezembro de 2023, mas também um período mais focado no ano de 2023. 

Debate sobre segurança pública nas redes: um mapeamento temático

Debate geral sobre segurança pública no X

Período: 1º de janeiro de 2022 a 31 de dezembro de 2023 |  20.954.980 posts 

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Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI

 

  • O volume de posts sobre segurança pública foi praticamente o mesmo em 2022 e em 2023, com um aumento de apenas 1,9% de um ano para o outro. A média anual de menções ao assunto ultrapassou 10 milhões de posts, o que indica um interesse alto e constante sobre o tema no debate digital;
  • Episódios relacionados à violência política e à violência contra as mulheres tiveram maior impacto em 2022. O assassinato de um apoiador de Lula por um eleitor de Jair Bolsonaro e o caso de um anestesista que abusava sexualmente de pacientes, em julho, motivaram um alto número de posts. Já em outubro, as tentativas de ataque à mão armada de Carla Zambelli e Roberto Jefferson movimentaram o debate no contexto eleitoral; 
  • No caso dos episódios de violência política, é interessante observar como os campos políticos direcionaram a discussão: enquanto a esquerda atribuiu os casos referidos ao posicionamento pró-armas do governo Bolsonaro, a direita alinhada ao ex-presidente - inclusive atores centrais, como o senador Flávio Bolsonaro - investiu em um discurso de desresponsabilização do governo
  • Outros temas, como a violência contra as mulheres, também foram motivo de disputa recorrente entre os campos, com insinuações e denúncias de que integrantes de um ou outro campo seriam perpetradores desse tipo de crime;
  • Em 2023, fatos associados à violência nas escolas e à violência urbana de modo mais amplo tiveram maior ressonância. O maior pico de menções foi em abril, em decorrência do ataque em uma creche em Blumenau. Em outubro e em novembro, respectivamente, o assassinato do irmão de Sâmia Bomfim e a suposta conexão entre Flávio Dino e o Comando Vermelho estiveram em evidência. Ainda no espectro da violência urbana, a onda de assaltos e outros crimes no Rio de Janeiro no período dos shows de Taylor Swift se destacou;
  • A disposição dos principais atores do debate também chamou a atenção, com atores políticos na dianteira da mobilização de discussões sobre diversos aspectos da violência. Entre eles, a violência política mais abrangente, com destaque para os ataques de 8 de janeiro, e a violência política de gênero, exemplificada pela denúncia da ministra Marina Silva a respeito de coação que teria sofrido por parte de eleitores bolsonaristas em um hotel durante as eleições de 2022; 
  • Para além de atores políticos e/ou institucionais, influenciadores digitais, portais de entretenimento, apresentadores e jornalistas também estiveram entre os principais fomentadores do debate.

Principais termos por trimestre associados ao debate sobre segurança pública no X

Período: 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2023   

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Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI

  • O debate sobre segurança pública de janeiro a março de 2023 se dedica a discutir tópicos de 2022. Mesmo com o início do governo Lula, a discussão não se volta a novas propostas para a pasta, mas foca em episódios vivenciados no Governo Bolsonaro. Aqui, os direitos dos povos indígenas recebem atenção especial, com menções que responsabilizam Bolsonaro e Damares Alves pelo que foi chamado de “genocídio do povo Yanomami”. O tópico superou as menções à violência contra a mulher e ao assassinato de Marielle Franco, embora estas também tenham recebido visibilidade; 
  • As sessões da Comissão de Segurança Pública do Congresso Nacional ficam em proeminência entre abril e junho, com menções à participação de atores diversos na Comissão. Circulando cortes de vídeos e falas controversas, esse debate reflete um fenômeno mais amplo, no qual atores políticos utilizam estas sessões para produzir posts com potencial de viralização nas redes;
  • O segundo trimestre de 2023 é também pano de fundo para um debate focado em crianças e adolescentes. Mobilizada por dados de exploração sexual e pelos episódios de violência nas escolas, a discussão se volta às ações do governo federal para o enfrentamento desta violência. Chama atenção a forte mobilização emocional desta discussão, com comentários acalorados, que falam em consternação, grupos de ódio e pena de morte;
  • Entre julho e setembro, a discussão assume duas roupagens: por um lado, um tom local e cotidiano, e por outro um caráter mais político. Enquanto o primeiro reflete os problemas de segurança pública do Rio de Janeiro, que fica em evidência até o final de 2023; o segundo está relacionado à violência política, tratando do assassinato do então candidato à presidência do Ecuador, Fernando Villavicencio, e da lentidão das investigações do caso Marielle. Lateralmente, destaca-se também um teor moral motivado por discussões relacionadas ao aborto, classificado como “assassinato de bebês”;
  • Interessante notar ainda que, no último trimestre de 2023, o debate sobre segurança pública foi alvo de disputa política e ideológica entre os campos progressista e conservador. Por um lado, perfis mais alinhados ao bolsonarismo se mobilizaram em torno de críticas ao Ministro da Justiça, Flávio Dino, e de ataques a Alexandre de Moraes pela morte de um dos presos do 8 de janeiro. Já o campo progressista focou no conflito entre Israel e Palestina, condenando o suposto genocídio em Gaza

Debate temático sobre segurança pública no X

Período: 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2023 

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Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI

 

  • O debate sobre homicídios tem destaque em todo período. Com um crescimento de cerca de 56% entre setembro e outubro de 2023, há uma relação entre o volume desta discussão e casos de violência urbana, além de críticas à gestão pública da pasta. Nesse escopo, o Rio de Janeiro é um dos destaques, o que explicita como há, entre a opinião pública, uma percepção de violência “acima da média” no local; 
  • Alimentadas pelo caso envolvendo o médico Diego Bomfim, irmão da deputada federal Sâmia Bomfim, as menções à violência política emergem como um tópico relevante ainda dentro do debate sobre homicídios, sendo fortemente politizado por perfis progressistas, que culpam aliados de Jair Bolsonaro pela criação de uma esfera de autorização da violência;
  • Chama atenção ainda o pico nas menções a terrorismo em abril de 2023, motivados pelo ataque a uma creche, em Blumenau. Esta discussão, vale dizer, também respinga em Bolsonaro e aliados, circulando a noção de que o bolsonarismo teria contribuído para a normalização do discurso de ódio, o que, sob este ponto de vista, alimentaria ataques terroristas;
  • Já as discussões sobre roubos e furtos, tiroteios, narcotráfico e milícias permanecem relativamente estáveis durante todo o ano. Oscilando a partir de episódios específicos, são discussões que permanecem no imaginário popular, mas sem tanta força quanto casos de homicídios. 

Debate temático sobre violência no X

Período: 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2023 

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Fonte: X | Elaboração: FGV ECMI

 

  • Alguns pontos chamam atenção ao olharmos para o debate sobre segurança pública a partir de diferentes manifestações da violência. A começar pela centralidade da violência contra a mulher e, em alguma medida, da violência contra crianças e adolescentes. Interessante notar que estas discussões não se voltam a episódios específicos, mas tratam de ocorrências diversas, que têm em comum um forte caráter emocional, mobilizando sentimentos de indignação e raiva. Além de ambas as formas de violência terem demonstrado crescimento em 2023, tratam-se de violências que, particularmente, engajam ao despertarem emoções negativas no público;
  • Por outro lado, um movimento inverso é observado em relação à violência rural. Ainda que a violência no campo tenha crescido entre 2022 e 2023, com diversos casos de conflito de terras, por exemplo, o tópico não mobiliza o suficiente para angariar algum destaque no X;
  • Já em relação à violência nas escolas, pode ser observado o mesmo teor emocional mapeado nos debates sobre violência contra a mulher e contra crianças e adolescentes. Sendo a violência de maior destaque no mês de abril, a discussão que envolve ataques a escolas é mais episódica e associada a ocorrências específicas. Não há, portanto, uma preocupação constante em relação ao assunto, que apresenta tendência de oscilação no debate público;
  • Por fim, os dados acima indicam ainda como as menções à violência urbana e à violência policial caminham juntas no debate mapeado no X, sobretudo a partir do segundo semestre de 2023, o que pode indicar uma percepção pública de que estariam relacionadas. Ambas refletem episódios diversos de violência, com ênfase em troca de tiros, invasão de comunidades e periferias e combate ao tráfico ilegal de drogas e armas.

Percepções sobre violência na cobertura de mídia local

Evolução de posts sobre as violência urbana e rural no Facebook

Período: 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2023 | 66.344 posts



Fonte: Facebook | Elaboração: FGV ECMI

  • A violência urbana foi recorrentemente tratada pelas mídias locais em todo ano de 2023, sendo o maior pico no mês de agosto, com 5.346 postagens sobre o assunto; 
  • Entre os eventos noticiados com maior repercussão, estão a operação da Polícia Militar na Baixada Santista, o assassinato da “Mãe Bernadete”, líder quilombola em Simões Filho (BA), a ameaça de tiro em Lula na cidade de Santarém (PA) e o assassinato do então candidato à presidência do Equador, Fernando Villavicencio; 
  • Nota-se, com isso, um forte interesse da cobertura de mídia local no Facebook em relação à violência política, aqui entendida como atos de violência (ou ameaça de) contra figuras e lideranças políticas.

Mapa de posts sobre as violências urbana e rural no Facebook

Período: 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2023 | 66.344 posts

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Fonte: Facebook | Elaboração: FGV ECMI

  • Ao detalharmos estes dados a partir da região geográfica na qual os veículos noticiosos estão cadastrados, é possível verificar quais Estados se dedicam mais a esta cobertura noticiosa, assim como os tipos de crime e de violência mais comuns em cada local. Nesse escopo, São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro são os protagonistas ao mapearmos posts de violência urbana, enquanto Alagoas, novamente Bahia e Mato Grosso se destacam em casos de violência rural;
  • No estado de São Paulo, os posts noticiosos de maior repercussão se concentram no tópico da violência nas escolas. Na Bahia, que se destaca tanto por posts de violência urbana, quanto rural, as notícias sobre violência com maior interação no Facebook se concentram em episódios de resolução de conflitos em Feira de Santana, importante cidade industrial do interior baiano. No estado do Rio de Janeiro, as principais notícias têm a característica de serem mais nacionalizadas, como o evento do 8 de janeiro. Possivelmente é devido à característica de que parte considerável dos meios de comunicação nacionalizados estão sediados na cidade do Rio de Janeiro;
  • Em Alagoas, que lidera o maior número de posts sobre violência rural, as duas notícias com maior interação no Facebook, estão relacionadas a episódios de feminicídio. Enquanto no Mato Grosso, as notícias de destaque tratam do tráfico de drogas e de confrontos com a polícia. 

Principais termos usados na cobertura de mídia local sobre violência 

Período: 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2023 |  66.344 postagens

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Fonte: Facebook | Elaboração: FGV ECMI

  • Os quatro termos mais citados nos posts noticiosos sobre violência são: polícia, cidade, crime e ano;
  • Nas 5 regiões brasileiras, o termo “polícia” é utilizado em notícias que destacam principalmente a ação das forças policiais em três frentes principais: prisão, confronto e investigação. No Norte, por exemplo, destacam-se notícias relacionadas à formação policial, enquanto no Centro-Oeste, são comuns posts que apontam o papel da mídia na prisão de foragidos. 
  • Já os termos “cidade”, “crime” e “ano” são protagonistas pelo próprio teor informativo dos posts mapeados, na medida em que o lead das matérias jornalísticas aponta para informações relacionadas, por exemplo, ao que ocorreu, onde, como, quando e por quem.
  • Além disso, “drogas” também é um termo que recorrentemente aparece em posts noticiosos sobre violência em todas as regiões, com maior ou menor intensidade na lista do 20 mais citados, o que denota ser um problema nacional