Crise Yanomami e participação de mulheres na política é destaque no início de 2023

Por: FGV Comunicação Rio

Por: FGV Comunicação Rio

 

Temas envolvendo mulheres e acontecimentos relevantes na política brasileira foram objeto de análise na frente de monitoramento de mídias sociais em fevereiro e março de 2023. Os relatórios semanais, apresentados individualmente e independentes entre si, foram compilados para subsidiar a proposição de linhas de ação e compor material orientativo para o terceiro eixo de trabalho do projeto Mídia e Democracia

A primeira seção, “Linhas de análise: o panorama bimestral”, contextualiza o panorama institucional de atuação do projeto no período em questão e retoma os materiais com ênfase em achados conclusivos e potencialmente propositivos. A título de exemplificação, também são apresentadas as versões compactas de análises disponíveis na íntegra em cada relatório semanal, disponíveis para consulta.

Os destaques subsidiam a segunda seção do documento. Em “Linhas de ação: direcionamentos temáticos”, indicamos possibilidades de trabalho e aprofundamento na elaboração de encaminhamentos à sociedade.

Sumário Executivo

  • Mapeando Twitter, Facebook e Telegram, foi possível indicar temas e articulações que caracterizaram o debate digital sobre a crise humanitária dos Yanomami. Ao considerar o período temporal de 20 de janeiro a 02 de fevereiro, notamos um considerável protagonismo do campo mais à esquerda, que explicitou uma articulada mobilização digital. Reunindo perfis de figuras políticas, ativistas e páginas de entretenimento, o campo procurou despertar engajamento em torno do caso a partir de emoções e afetos negativos direcionados a Jair Bolsonaro e a Damares Alves.  
  • Levando em conta o primeiro mês das atividades ministeriais do governo Lula e analisando Twitter, Facebook e Telegram, também foi possível caracterizar as menções a diferentes mulheres com atuação no cenário político nacional, como Janja da Silva, Michelle Bolsonaro, Gleisi Hoffmann, dentre outras. Com domínio da direita no debate, verificamos que a atual e a ex-primeira-dama são recorrentemente comparadas pelo campo alinhado a Bolsonaro: enquanto Michelle é alçada ao posto de “mulher ideal”, além de ser reconhecida enquanto um sujeito político, Janja é desqualificada por atributos pessoais, como sua aparência. Notamos ainda uma atuação signficativa de veículos hiperpartidários de direita enquanto atores que conseguem mobilizar o debate digital. 
  • A fim de ir além daquilo que é falado em relação a mulheres políticas, também analisamos, em estudo seguinte, as postagens das parlamentares eleitas durante todo o mês de fevereiro no Facebook. Partindo de mais de 4 mil publicações, sublinhamos o protagonismo de deputadas e senadoras da direita, sobretudo, daquelas que apresentam um alinhamento em relação ao ex-presidente Bolsonaro. Entre os temas mais debatidos pelas parlamentares, destacam-se, respectivamente,  as discussões sobre 1) mulheres, 2) povos indígenas, 3) agronegócio, 4) racismo, 5) economia, 6) democracia, 7) clima e 8) desinformação.
  • Considerando a relevância do Dia Internacional da Mulher, também monitoramos o debate digital em torno do 8 de março no Twitter, no Facebook e no Telegram. Dentre os tópicos que poderiam ser abordados nesta data, seja pela sociedade civil, seja de modo mais institucional, destacaram-se discussões acerca de mulheres trans. Com protagonismo de perfis alinhados à direita, foram evidenciadas publicações e mensagens de cunho transfóbico. Após o deputado Nikolas Ferreira endossar esta perspectiva em plenário, as mensagens se intensificaram, indicando como o debate digital está fortemente atrelado ao debate público de forma mais geral. 
  • Retornando ao ano eleitoral, mapeamos os planos de governo dos presidenciáveis de março a novembro de 2022, visando compreender como estas figuras políticas mobilizaram questões de gênero e/ou relacionadas às mulheres. As postagens dos principais presidenciáveis no Facebook e no Twitter também foram analisadas. Explicitamos, neste relatório, que a violência contra a mulher foi o tópico de maior destaque nos planos de governo. Nas redes sociais, enquanto os candidatos veicularam mensagens de deferência e apoio às mulheres, as candidatas mobilizaram mensagens de representatividade e solidariedade. Não foram mapeadas associações entre gênero e/ou mulheres e questões específicas ao contexto digital. 
  • Na sequência, as publicações dos presidenciáveis sobre gênero e direitos das mulheres foram objeto de maior aprofundamento de análise. Neste relatório, identificamos que o tema tende a ser discutido com recurso a léxicos lidos como negativos. No caso da página oficial de Jair Bolsonaro, os conteúdos sobre gênero estão diretamente associados a um maior número de reações, contribuindo para a já estabelecida liderança do político na plataforma e sinalizando para a utilização da pauta como instrumento mobilizador do campo conservador nas mídias sociais.
  1. Linhas de análise: o panorama bimestral

Focando em questões de gênero e direitos de minorias, os primeiros meses do projeto Mídia e Democracia geraram a produção de seis relatórios baseados no monitoramento e análise de mídias sociais. Os materiais apresentam achados pertinentes para o mapeamento do debate público e o embasamento de encaminhamentos direcionados à sociedade.

Com exceção do primeiro relatório, produzido na iminência da crise humanitária dos Yanomamis, o período foi dedicado à análise de temas que envolvem o debate público sobre mulheres, em referência direta ao contexto temático do mês de março. Dessa forma, os cinco relatórios restantes se dividiram em abarcar momentos atuais da cena pública e, retrospectivamente, resgataram dados coletados no contexto das eleições de 2022. Apesar da linha temática seguida, os documentos configuram relatórios independentes e que podem nortear diferentes abordagens e enfoques. Achados com potencial aproveitamento propositivo foram destacados na síntese de cada relatório, mas recomenda-se a leitura dos materiais na íntegra.

Em geral, os resultados mostram que os temas abordados ocuparam lugar de relevo no debate público digital e foram marcados pela participação ativa de usuários comuns e atores políticos institucionais, com características específicas do fluxo informacional online. Nesse aspecto, o eixo de discussão acerca do papel da mulher na política foi destaque, com diferentes associações e expectativas quanto à presença delas nessa atividade. Institucionalmente, chama a atenção como candidatas, ministras e parlamentares utilizaram as mídias sociais para pautarem temas variados, relacionados ou não à agenda feminina, sem no entanto incorporarem o debate sobre o impacto das plataformas digitais e da comunicação digital nesse âmbito.

Componentes específicos desse cenário midiático digitalizado, como veículos hiperpartidários de mídia vinculados à direita, perfis progressistas de entretenimento e contas oficiais de autoridades públicas, ficaram em evidência. Além disso, episódios de destaque político, como a crise Yanomami e as declarações do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) no 8 de março, exerceram impacto contínuo na pauta, impulsionando figuras políticas e delineando questões de agenda política, regulatória, acadêmica e civil.

As conclusões analíticas podem ser interpretadas e apropriadas à luz do panorama setorial brasileiro. No país, pautas como violência política de gênero em mídias sociais e a regulação de plataformas digitais têm estado em discussão, com ênfase no enfrentamento ao discurso de ódio e à desinformação.

Destacamos a aprovação da lei de combate à violência política contra a mulher (14.192/2021), aplicável aos meios de comunicação online. Além disso, em janeiro de 2023, foi anunciada a criação de grupo de trabalho para combater discurso de ódio e extremismo, no âmbito do Ministério Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. O tema, em seu sentido amplo, tem sido abordado por organizações da sociedade civil, agências de checagem e grupos acadêmicos.

Em realidade, diversos setores têm estado envolvidos no debate nacional sobre regulação de plataformas. O exercício de direitos humanos e políticos nesses espaços foi eixo central da fala da representante do Ministério das Mulheres em Audiência Pública sobre a revisão de constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet, realizada no Supremo Tribunal Federal entre os dias 28 e 29 de março de 2023. Colocações de empresas, como a Google/Alphabet, também ressaltaram ações e políticas direcionadas ao combate à desinformação, discurso de ódio, violência e assédio.

Para além desse recorte, a definição de responsabilidades em relação ao comportamento online de autoridades públicas também está em debate e plataformas digitais já possuem histórico de atuação na pauta e estão também inseridas no debate. Caso recente, monitorado pelo projeto Mídia e Democracia em relatório do dia 8 de março, insere-se neste contexto por meio de acontecimentos posteriores às declarações do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) no plenário da Câmara Federal, na data em questão. Para além do eixo destacado, o episódio suscitou movimentos de afirmação e negação de direitos humanos para pessoas trans em que a Internet ocupou lugar central.

Internacionalmente, a violência política de gênero em plataformas digitais tem lugar de destaque no panorama político-institucional contemporâneo e iniciativa recente da Unesco para a elaboração de diretrizes internacionais sobre o tema destaca a questão. O documento, apresentado em evento que contou com a participação de autoridades brasileiras, sugere medidas “to fight gendered disinformation and online gender-based  violence” (UNESCO, 2022, p. 23).

Nesse contexto, pesquisadores, sociedade civil, e representantes do poder público e das plataformas digitais, podem pautar o debate no âmbito na discussão sobre políticas públicas, marcos regulatórios, evidências científicas e mobilizações sociais relevantes para o fortalecimento da democracia em contexto digital, a partir do profícuo caso brasileiro, com destaque internacional.

1.1. Crise humanitária envolvendo os Yanomami mobiliza campos políticos nas mídias digitais em debate sobre causas e responsabilidades

O primeiro relatório do projeto, confeccionado ainda em fevereiro, tratou do debate digital sobre a crise humanitária dos Yanomami, mapeando Twitter, Facebook e Telegram  entre 20 de janeiro e 02 de fevereiro de 2023. O material completo pode ser acessado aqui.

A partir disso, foi possível observar, dentre outros tópicos, que o campo progressista pautou a discussão, com quase 80% das interações no Twitter. Apoiadores do ex-presidente Bolsonaro, por outro lado, atribuíram a crise ao regime venezuelano de Nicolás Maduro. 

O episódio, que colocou em destaque os Ministérios da Saúde, do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, contribuiu para o pico de engajamento em torno das ministras das pastas, algo verificado também nos relatórios a seguir. O tema será explorado no mês de abril, inteiramente dedicado à produção de estudos sobre povos indígenas.

Em termos conclusivos, pode-se ressaltar:

  • A crise humanitária gerou debate polarizado entre campos políticos antagônicos. No grupo vinculado à direita (cluster em azul, na análise a seguir), narrativas desinformativas foram utilizadas para rebater críticas, entre elas a responsabilização de ONGs ou a negação da nacionalidade brasileira por meio da atribuição de culpa à Nicolás Maduro, já que os indígenas em questão seriam, em realidade, venezuelanos.
  • Mídias de direita e de esquerda se destacaram no mapa de links. Sao os casos, respectivamente, de:  Pleno News, Poder DF, Jornal da Cidade Online, Revista Oeste e Terra Brasil Notícias; Revista Fórum, Diário do Centro do Mundo e Jornal GGN. 
  • O caráter multiplataforma e em rede foi evidenciado pela reiteração da mensagem entre diferentes plataformas e atores, como deputados e senadores alinhados à base bolsonarista. Destaca-se a utilização de links de veículos hiperpartidários, links de YouTube e vídeos de TIkTok, em circulação, sobretudo, em mídias móveis.

1.1.1. Mapa interações do debate sobre a crise humanitária em território Yanomami no Twitter

Período: de 20 de janeiro a 02 de fevereiro

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Fonte: Twitter | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

Esquerda (Vermelho) - 56,8% perfis | 73,2% interações

Protagonista do debate nacional sobre a crise humanitária do povo Yanomami, a esquerda aglutinou perfis diversos, desde influenciadores, como @lazarorosa25, até figuras políticas, como @LulaOficial. Iniciando suas mobilizações online já no dia 21, o grupo defendeu a noção de que a supracitada crise é resultado de 4 anos de uma política de descaso com os indígenas.                                                                                                                                                                                  

Direita (Azul) - 27,6% perfis | 20,8% interações

Se Damares Alves foi um dos alvos majoritários do cluster da esquerda (vermelho), também foi uma das principais articuladoras da base de direita, composta ainda por @jairbolsonaro, @terrabrasilnot, entre outros. O cluster atuou de modo bastante defensivo, reagindo às críticas do campo progressista  seja afirmando que um relatório da Funai desmentiu a “narrativa de abandono dos Yanomami”, seja alimentando a noção de que existe uma “máfia das ONGs” interessada em tal situação. 

Perfis progressistas (Laranja) - 11,5% perfis | 4,9% interações

Formado por perfis e páginas progressistas e que não necessariamente têm o propósito de se voltar para o debate político, como @choquei e @siteptbr. Tratando, geralmente, de assuntos variados, estes usuários têm um grande potencial de dialogar com pessoas diversas e ainda não alinhadas a um espectro político-ideológico específico. 

1.1.2. Posts sobre a crise humanitária em território Yanomami no Telegram

Período: de 20 de janeiro a 02 de fevereiro

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Fonte: Telegram | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

Grupos de direita no Telegram se concentraram em responsabilizar uma série de atores pela crise humanitária do povo Yanomami, com ênfase nas ONGs que atuam na Amazônia, na “mídia manipuladora” e no governo Lula. O objetivo: afastar a gestão Bolsonaro de qualquer responsabilidade sobre o fato. Para disseminar estas narrativas sobre os Yanomamis, há uma mobilização multiplataforma de diversos atores políticos da direita. O Telegram opera, nesse sentido, como um espaço no qual links de diferentes plataformas são compartilhados. Desde notícias de veículos alternativos até vídeos de canais do YouTube.

1.2 Michelle e Janja protagonizam narrativas sobre lideranças femininas na política

O relatório abre a série temática sobre mulheres e teve como enfoque nomes proeminentes no cenário político, como Damares Alves, Janja da Silva, Michelle Bolsonaro e Gleisi Hoffmann, além das 11 ministras do atual governo. Foram analisadas postagens sobre o tema no Twitter, Facebook e Telegram entre 13 de janeiro e 13 de fevereiro de 2023. O material pode ser acessado na íntegra aqui.

Foi observado que o debate sobre as ministras é marcado pelo destaque das pastas, com predomínio de críticas relacionadas à baixa capacidade técnica e credibilidade. Já em relação à atual e à ex-primeira-dama, aspectos pessoais e fortemente vinculados ao debate sobre gênero ficaram em evidência. 

Em termos conclusivos, pode-se ressaltar:

  • Os resultados indicam como o debate público digital em um contexto político-institucional mobiliza valores e expectativas relacionados à presença de mulheres na política brasileira. A linha narrativa em questão esteve fortemente presente nos campos políticos progressista e conservador por meio de menções a Michelle Bolsonaro e a Janja da Silva.
  • Enquanto a ex-primeira-dama é associada à religiosidade, fomentando a constituição do que seria uma “mulher ideal” e, simultaneamente, uma pessoa com altas capacidades políticas, a atual primeira-dama é, não raro, classificada como pouco “refinada” e com baixa influência política.
  • De modo mais lateral, ambas são alvo de críticas generificadas, seja em comentários sobre a prótese mamária de Michelle, seja em postagens sobre as roupas de Janja. Em ocasião posterior e não monitorada pela análise, Janja Silva chegou a abordar o tema, dizendo ser mais atacada nas redes sociais do que Lula.
  • No Twitter e no Facebook, ficam em evidência o destaque obtido por perfis progressistas de entretenimento, como Choquei, Poptime e Tracklist e veículos midiáticos de direita, como Pleno News, Portal BR7 e Jornal da Cidade Online.
  • Em particular, pode-se ressaltar a forma como os veículos midiáticos de direita repercutem declarações de terceiros, danosas à imagem de Janja Silva, a partir da reiteração de ofensas relacionadas às expressões femininas de gênero, enquanto os perfis de entretenimento e política servem como vetores do debate sobre mulheres proeminentes na política. 

Mapa de interações do debate sobre mulheres com proeminência no cenário político

Período: de 13 de janeiro a 13 de fevereiro de 2023

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Fonte: Twitter | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV                                                                                                                                                                                     

Grupo alinhado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (Azul) - 45,3% perfis | 48,8% interações

Grupo formado por atores políticos e perfis de notícias alinhados ao ex-presidente @JairBolsonaro. O mote central do conjunto é a defesa do legado social atribuído à ex-primeira-dama, @MichelleBolso22. Críticas à atual primeira-dama, @JanjaLula, também obtiveram destaque. Tendeu-se a se questionar o “refinamento” de Janja e a classificar sua união com o atual presidente como um relacionamento de “cadeia”. Os perfis de notícias @TerraBrasilNot, @RevistaOeste e @ATrombeta tiveram influência relevante.

Grupo alinhado ao Governo Federal (Vermelho) - 34,5% perfis | 40,6% interações

Conjunto de perfis alinhados ao Governo Federal, que em geral orbitam em torno dos perfis de @LulaOficial e da primeira-dama @JanjaLula. O grupo teve como enfoque principal a ex-ministra Damares Alves, a quem são atribuídos atos de violação de direitos humanos em relação à crise humanitária envolvendo os Yanomamis. 

Perfis de entretenimento progressistas (Laranja) - 9% perfis | 5,5% interações

Com visível aderência ao cluster vermelho, o conjunto laranja orbita em torno dos perfis de entretenimento progressistas @Choquei, @PopTime e @tracklist. Em tom predominantemente bem-humorado, esses perfis promovem enquetes inusitadas. Em uma destas, é perguntado em qual das hipotéticas candidatas os usuários votariam para ocupar a Presidência da República - entre Janja, @MichelleBolso22, @Gleisi e @SimoneTebetBR

Links com maior interação associados a Janja da Silva no Facebook

Período: de 13 de janeiro a 13 de fevereiro de 2023

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Fonte: Facebook | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

Se Michelle Bolsonaro é enquadrada enquanto um sujeito político de relevância para a cena nacional, como observado na íntegra do relatório, o oposto pode ser observado nos links de destaque associados à Janja. Pautado, principalmente, por veículos alternativos, Pleno News, Portal BR7 e Jornal da Cidade Online, o debate sobre a atual primeira-dama gira em torno de suas roupas, de um suposto uso de drogas ilícitas e de sua participação em eventos de lazer. Vale dizer que estes veículos não ofendem Janja, apenas repercutem ofensas de terceiros, enfatizando a reação da primeira-dama frente a tais episódios. Trata-se, por exemplo, de um processo que Janja iniciou contra o conselheiro do Corinthians, Manoel Ramos Evangelista, após este xingá-la no Twitter, chamando-a de “putana”, “esgoto” e “lixo”, ou ainda de uma disputa judicial entre a primeira-dama e a comentarista da Jovem Pan, Pietra Bertolazzi, após insinuação sobre Janja ser usuária de drogas.

1.3 Do racismo à economia: parlamentares mulheres reforçam disputa entre governo e oposição no Facebook

O relatório procura ir além de um estudo sobre Michelle Bolsonaro e Janja da Silva, dentre outras mulheres de destaque na política nacional, estendendo a análise para parlamentares em exercício na atual legislatura. Partindo das publicações que deputadas federais e senadoras confeccionaram no Facebook durante o mês de fevereiro de 2023, coletamos mais de 4 mil postagens, identificando e analisando os principais enfoques destes conteúdos. Ele pode ser acessado na íntegra neste link

Os posts, feitos no mês que precede o Dia Internacional da Mulher, mostram que as parlamentares utilizam suas redes sociais para pautar agendas relacionadas às mulheres, debate proeminente em relação aos demais, e também para cobrirem temas de destaque no cenário político no período em questão. Destacam-se os seguintes eixos temáticos: 1) Mulheres; 2) Povos Indígenas; 3) Agronegócio; 4) Racismo; 5) Economia; 6) Democracia; 7) Clima; e 8) Desinformação. 

Em termos conclusivos, pode-se ressaltar:

  • O debate sobre gênero é marcado pela valorização e enaltecimento autorreferenciado da presença feminina na política e pela menção das parlamentares a mulheres de destaque, colocadas como exemplos.
  • O uso das contas oficiais das parlamentares para pautar o debate regulatório sobre desinformação e discurso de ódio, com manifestações marcadas pela disputa política entre campos antagônicos e mobilização das chaves da liberdade de expressão e da qualidade informacional do debate público.
  • Apesar das pautas de gênero e desinformação estarem individualmente presentes, não foram mapeadas menções à relação entre elas, diferente do que ocorre no debate público ao pensar, por exemplo, a relação entre mídias sociais, discurso de ódio e violência política de gênero.

Debate sobre Mulheres no Facebook

Período: de 1° a 26 de fevereiro de 2023

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Fonte: Facebook | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV
 

Proeminente em relação aos outros debates, a discussão sobre mulheres foi destaque no Facebook. Embora parlamentares progressistas, como Gleisi Hoffmann (PT-PR), Benedita da Silva (PT-RJ) e Maria do Rosário (PT-RS), sejam mais atuantes neste debate, figuras conservadoras, como Bia Kicis (PL-DF) e Júlia Zanatta (PL-SC), mobilizaram alto engajamento com publicações únicas.

Nesse sentido, a atuação de Michelle Bolsonaro como presidente do PL Mulher foi um episódio bastante citado pela direita, sobretudo em tom comemorativo. A ex-primeira-dama é enquadrada de modo bastante elogioso e positivo, enquanto uma mulher admirável. Já o campo progressista se dividiu entre postagens que tratam do voto feminino e outras que celebram a relevância de Glória Maria para um jornalismo mais diverso. 

Debate sobre Desinformação no Facebook

Período: de 1° a 26 de fevereiro de 2023

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Fonte: Facebook | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

O tema é majoritariamente acionado a partir de uma disputa em torno da regulação das mídias sociais, aquecida a partir da recente movimentação do Ministério da Justiça em torno da pauta e das declarações de autoridades do governo em fórum da Unesco. 

Deputadas como Carla Zambelli, Júlia Zanatta, Carol De Toni e Adriana Ventura endossam o coro de que a abordagem do governo faria parte de um projeto de enfraquecimento da democracia. O argumento central é de que a regulação seria um mecanismo autoritário de silenciamento de opositores políticos. Há menção também aos riscos que seriam representados pelo retorno do PL das Fake News (2.630/2020) nessa seara.

Por outro lado, deputadas alinhadas ao governo atual, ao exemplo de Jandira Feghali e Juliana Cardoso, argumentam que a regulação das redes sociais poderia auxiliar no combate à desinformação, limitando as decisões privadas das plataformas digitais no âmbito do debate público.

1.4 Discurso transfóbico e disputa por protagonismo político marcam menções ao Dia Internacional da Mulher

Sem se restringir ao eixo político-institucional, o relatório abordou o debate público nas mídias sociais durante o Dia Internacional da Mulher, analisando publicações no Twitter, no Facebook e no Telegram. O relatório pode ser acessado na íntegra neste link.

Os significados em torno do dia foram objeto de disputa entre atores políticos. O tópico de engajamento mais notório foi a questão das mulheres trans, abordada tanto por um prisma de afirmação e orgulho quanto por um viés de preconceito e intolerância, com destaque para a declaração transfóbica do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) na Câmara Federal, evento originado em âmbito offline e fortemente marcado pela repercussão e interpretação digitalizada.

Em termos conclusivos, pode-se ressaltar: 

  • No campo conservador, a análise indicou que publicações com teor de intolerância contra mulheres trans vinham sendo disseminadas no Twitter e no Telegram desde as primeiras horas da manhã.
  • No entanto, as falas de Nikolas Ferreira contribuíram para a “institucionalização” e aumento no volume das declarações, especialmente ao fim do dia. O acontecimento repercutiu fortemente em ambos os campos políticos e gerou discussões online sobre transfobia, misoginia e machismo.
  • Nesta repercussão, perfis oficiais de parlamentares alinhados à direita, no Twitter, se destacaram ao divulgarem mensagens que questionavam a legitimidade na presença de mulheres trans nas homenagens da data. No Telegram, o canal oficial de Ferreira foi utilizado para replicar mensagens transfóbicas.
  • No debate sobre a imunidade parlamentar no âmbito do PL 2.630/2020, as contas de Ferreira - ameaçadas de suspensão judicial por apoio ao atentado de 8 de janeiro -, são alvo de ação iniciada pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), sob acusação de veiculação de mensagens transfóbicas. O aumento no número de seguidores do deputado também foi noticiado.
  • Ainda no Twitter, plataforma tradicionalmente caracterizada pela relevância no debate político, usuários alinhados ao campo progressista mobilizaram ações de apoio à pauta trans com uso de hashtags e endossos aos pedidos de cassação. Posteriormente, a Internet também foi utilizada como ferramenta para a mobilização de assinaturas pela sua cassação.

Mapa de interações sobre o dia 8 de março no Twitter

Período: 08 de março de 2023

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Fonte: Twitter | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

Esquerda (Vermelho) - 9,6% de perfis | 14,5% das interações

O grupo é formado por lideranças políticas, veículos de comunicação e perfis de esquerda. Destacou-se a presença do presidente @LulaOficial e das deputadas @ErikaHilton e @SamiaBomfim. Tiveram centralidade mensagens lembrando a importância da data e destacando o caráter político do 8 de março, com ênfase nos índices alarmantes de violência contra a mulher.  O discurso do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) na Câmara dos Deputados foi alvo de críticas do grupo, que repercutiu pedidos de representação contra o deputado no Conselho de Ética da Câmara. 

Direita (Azul) - 6,8% de perfis | 8,4% de interações

O conjunto formado por lideranças políticas e influenciadores de direita, protagonizado por @kimpaim e @MichelleBolso22, deu enfâse a uma diferenciação entre mulheres conservadoras e “feministas”, que não estariam interessadas realmente nos interesses associados ao feminino. Se destacam postagens homenageando mulheres conservadoras e ressaltando a sensibilidade e força das mulheres. A homenagem dirigida à primeira-dama Janja Silva e a iniciativa do Governo Federal de promover uma lei de igualdade salarial também foram criticadas pelo grupo. Menções ofensivas a “mulheres com pênis” estiveram presentes no grupo antes mesmo do discurso do deputado Nikolas Ferreira. 

Esporte e Entretenimento (Lilás) - 3,5% de perfis | 3,8% de interações

Formado por perfis de times de futebol e perfis de mulheres, o grupo se divide em parabenizações pelo Dia Internacional da Mulher, no caso dos clubes esportivos, e postagens que se utilizam do humor para criticar empresas que, como forma de valorizar as mulheres, colocaram equipes 100% femininas para trabalhar na data.

Mensagens sobre o discurso do deputado Nikolas Ferreira no Telegram

Período: 08 e 09 de março de 2023

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Fonte: Telegram | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

Após o discurso do deputado federal Nikolas Ferreira no Plenário da Câmara, o Telegram se tornou palco de uma série de mensagens e comentários acerca da transsexualidade. Nota-se, nesse escopo, um forte teor transfóbico em grande parte das mensagens, sendo estas publicadas e compartilhadas pelo próprio Nikolas, em seu canal oficial no Telegram. O deputado, de modo similar ao comportamento observado em seu discurso, questiona a legitimidade da identidade e do corpo trans. Ao longo dos dias 8 e 9, Nikolas tenta ainda iniciar uma mobilização no Twitter, por meio da hashtag #SomosTodasNikole.

Teor similar foi observado para além do canal de Nikolas, a partir da circulação de memes e charges que utilizam o humor para atacar mulheres trans. Dessa maneira, os argumentos acionam questões biológicas, contrapondo os termos “mulher” e “transsexual”, como se estes fossem opostos, antônimos e incongruentes. Expressões como “mulheres originais” também foram mapeadas, disputando os significados em torno do “ser mulher”.

1.5 Entre violência e empoderamento: como as candidaturas à Presidência da República endereçaram questões de gênero em 2022

Ainda no segmento temático sobre mulheres, o relatório inaugura análises centradas em dados das eleições de 2022. Com enfoque nas abordagens de candidatos e candidatas à presidência sobre direitos das mulheres e questões de gênero, foram analisados planos de governo e postagens feitas no Facebook e Twitter entre 1º de março a 30 de novembro de 2022. O material pode ser acessado aqui.

Os resultados mostram que o debate efoi permeado por discussões sobre violência contra a mulher, empoderamento e representatividade, participação política, maternidade, acesso à educação e aborto. A violência contra a mulher é o principal tema nos planos de governo e nas postagens de todas as candidaturas analisadas.

Em termos conclusivos, pode-se ressaltar:

  • Apesar da violência contra a mulher ser unanimidade enquanto problema a ser combatido, os planos de governo e as comunicações online divergem em valores, expectativas e políticas públicas associadas à menção ao grupo demográfico em questão. 
  • Nesses termos, a pauta é mencionada por Lula e Tebet com destaque para o combate à violência doméstica e ao feminicídio. O feminicídio é ponto também citado no plano de governo de Jair Bolsonaro, apesar da ausência de menções à violência doméstica. A abordagem da segurança pública é destacada por Ciro Gomes.
  • A participação política de mulheres foi tema de todos os planos de governo, com diferentes ênfases e significados. Lula e Tebet se destacam por mencionarem a relevância da presença do grupo em espaços políticos de poder e os baixos índices de representatividade. Apesar da menção, os demais candidatos passam pelo tema com poucos detalhes.
  • Em três dos cinco planos analisados, as referências ao combate à violência e redução de desigualdades agregam grupos como mulheres, juventude negra e a população LGBTQIA+. O plano apresentado por Lula, contudo, é o único a mencionar o direito à identidade de gênero e suas diferentes expressões. O plano também enquadra as agressões aos grupos como sintoma da incompletude da democracia.
  • Em geral, o uso do termo gênero também varia entre campos políticos antagônicos. Mesmo mencionando “mulher” e “mulheres” em 33 ocorrências - mais que o triplo de vezes em comparação com Lula -, o plano de governo de Bolsonaro não menciona a palavra “gênero” ou a sigla “LGBTQIA+”. Já o plano de Simone Tebet é o que possui mais referências ao termo “gênero”.
  • Por sua vez, a análise dos conteúdos digitais apontou para relevante distinção na abordagem narrativa de candidatos e candidatas: enquanto eles usam as mídias sociais para veicular mensagens de deferência e apoio, elas mobilizam mensagens de representatividade e solidariedade entre mulheres, se posicionando politicamente a partir desse marcador demográfico. 
  • Embora o debate sobre mídia e Internet, em particular o combate à desinformação e discurso de ódio, não tenha sido objeto específico de análise nos planos de governo e nas comunicações online, não foram encontradas ocorrências de associação explícita entre gênero e/ou mulheres e questões referentes ao contexto digital.

Empoderamento e Representatividade

O segundo tópico mencionado por quase todas as candidaturas agrega postagens sobre empoderamento feminino e representatividade, de forma ampla. São publicações que exaltam lideranças femininas e associam palavras como “luta”, “força”, “coragem” e “guerreiras” às mulheres;

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Fonte: Facebook | Elaboração: Programa de Diversidade e Inclusão (FGV Direito Rio)

Soraya Thronicke, Lula e Ciro Gomes possuem, cada um(a), mais de 30% de postagens associadas ao tópico. A candidata do União Brasil, contudo, se destaca pelo tom convocatório e de solidariedade das mensagens, em contrapartida aos colegas homens, que parecem assumir postura de deferência e reconhecimento das demandas de mulheres.

Mulheres na Política

Padrão semelhante pode ser observado nas postagens de Simone Tebet sobre o tópico “Mulheres na Política”. Liderando as menções ao tema, a candidata estabelece paralelos entre sua própria trajetória política, seu envolvimento em projetos para aumentar a participação de mulheres na política e a importância de lideranças femininas. Durante o período oficial de campanha, Tebet liderou as menções ao tópico, seguida por Soraya Thronicke. Ambas adotaram tons mais incisivos de proteção de suas próprias candidaturas e de defesa dos direitos das mulheres em geral. 

1.6 Polemizações sobre gênero e ataque a direitos das mulheres por candidatos(as) à Presidência da República geraram maior engajamento online em 2022

Dando sequência ao relatório anterior, o material analisou postagens feitas pelos(as) candidatos(as) no Facebook e Twitter, no período entre 1º de março a 30 de novembro de 2022. O material pode ser acessado na íntegra neste link.

A partir de análise com modelo lexical para classificar como os(as) candidatos(as) discutem os tópicos relacionados à gênero e direitos das mulheres, identificou-se o frequente uso de palavras lidas como negativas(1). Os resultados sugerem que pautas associadas à igualdade de gênero ainda são temas críticos no debate político. 

Em termos conclusivos, destaca-se:

  • As publicações de Jair Bolsonaro foram as que mais se destacaram por apresentar níveis de engajamento substancialmente maiores. O dado brasileiro converge com estudos teóricos realizados em outros países que sugerem o uso de gênero e dos direitos das mulheres para mobilizar sentimentos e afetos, bem como categoria mobilizadora e aglutinadora de apoio para pautas políticas de extrema-direita(2). O dado foi reiterado pelo alto engajamento obtido em publicações sobre o tema “aborto” na página do candidato.
  • Em geral, as comunicações de Facebook e Twitter dos candidatos revelam que o sentimento negativo é frequentemente mobilizado ao pautar o tema. O padrão identificado não indica, necessariamente, que as postagens sejam negativas em relação a mulheres, mas sugere que as discussões de suas pautas políticas ou de episódios dos quais fazem parte estão reiteradamente associadas a assuntos ou termos lidos como negativos.

Diferença entre a média de reações em postagens gerais e em postagens relacionadas a gênero no Facebook

Período: de 1° de março a 30  de novembro de 2022


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Fonte: Facebook | Elaboração: Democracy Reporting International (DRI) 

Os valores negativos indicam que as postagens que discutem questões de gênero receberam menos reações, em média, do que aquelas sobre outros tópicos. Os valores positivos, por sua vez, sinalizam a média do aumento de reações em postagens de gênero. Ou seja, cada postagem feita pelo ex-Presidente Jair Bolsonaro relacionada a gênero recebeu em média 32 mil reações a mais do que uma postagem sua sobre outros assuntos.

Ainda sobre os níveis de engajamento, Bolsonaro aparece muito à frente dos(as) demais candidatos(as) no Facebook. Esta análise converge com o padrão que tem se delineado nos últimos relatórios do projeto “Mídia e Democracia” em relação à expressividade online de figuras públicas associadas ao espectro político conservador. 

Das dez primeiras postagens de Bolsonaro com maior número de interações, e que estão relacionadas a gênero, quase a metade (quatro) tematizam o aborto, tanto de forma contextual, quanto de modo associativo à “esquerda” ou à imprensa. No total, Bolsonaro mencionou a palavra “aborto” em 25% das suas publicações relacionadas a gênero no Facebook. 

Diferença entre a média de sentimento negativo em postagens gerais e em postagens relacionadas a gênero no Facebook

Período: de 1° de março a 30 de novembro de 2022

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Fonte: Facebook | Elaboração: Democracy Reporting International (DRI) 

Em média, postagens do Facebook cujo tema estava relacionado a gênero e a direitos das mulheres foram classificadas pelo nosso modelo como sendo 70% mais negativas que aquelas sobre outros assuntos (apenas Soraya Thronicke desvia do padrão). No Twitter, a média baixou para pouco mais de 44%, sendo o desvio identificado nas postagens de Felipe D’Avila (cf. Gráfico 3, abaixo).

 Diferença entre a média de sentimento negativo em postagens gerais e em postagens relacionadas a gênero no Twitter

Período: de 1° de março a 30  de novembro de 2022

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Fonte: Twitter | Elaboração: Democracy Reporting International (DRI) 

Grande parte dos tweets classificados como negativos fazem menção explícita a casos de violência, ao aborto — com destaque para Bolsonaro, Sofia Manzano e Vera Lúcia —, à fome, à vulnerabilidade, ao racismo, ao feminismo e ao fascismo. No Facebook, o padrão se repete, com publicações que abordam temas como violência doméstica, estupro, machismo e miséria. 

2. Linhas de ação: direcionamentos temáticos

Os resultados obtidos nos relatórios semanais, parte deles destacados e contextualizados nas páginas anteriores, mostram que gênero e direitos de mulheres estiveram em alta no debate digital, mas ainda são marcados pelo debate negativo e pela baixa relação entre aspectos tradicionais dessa pauta e as especificidades de ambientes digitais.

Em geral, as análises reiteram que atores específicos têm se destacado nessa esfera, como autoridades públicas, influenciadores digitais, perfis de entretenimento e, sobretudo, veículos hiperpartidários de mídia vinculados à direita. Padrões de circulação multiplataforma e em rede são acionados, sobretudo, pelo campo político composto pelo campo da direita.

Parte das conclusões bimestrais foram incorporadas em linhas de ação que chamam a atenção para os atores em questão e para pontos de possível aprofundamento no debate pautado pelo projeto Mídia e Democracia, podendo ser apropriadas por representantes dos setores atinentes. 

2.1 Políticas públicas

2.1.1 A educação midiática e o respeito aos direitos humanos em ambientes digitais devem compor a agenda de trabalho de formuladores de políticas públicas, haja vista o uso massivo das plataformas digitais para veicular discursos políticos e civis que atribuem significados, valores, arquétipos e expectativas às mulheres, com conteúdo particularmente violento em direção às mulheres trans e a mulheres com atuação política, mas não vinculadas a cargos públicos, ao exemplo de primeiras-damas.

2.2 Ambiente regulatório

2.2.1 A criação de grupos de trabalho, com composição diversa, multissetorial e pautados por evidências científicas, que se dediquem a compreender o papel desempenhado por esses segmentos de atores no ecossistema informacional contemporâneo, delineando possíveis diretrizes, ações e prerrogativas jurídicas aplicáveis a cada caso e com enfoque em discursos aplicáveis às mulheres.

2.2.2 Em particular, destaca-se o debate já existente sobre veículos hiperpartidários de mídia no âmbito de organizações inseridas na discussão sobre o uso de mídias sociais para a veiculação de conteúdo jornalístico e o debate regulatório em torno da extensão de imunidade parlamentar no âmbito das plataformas digitais.

2.3 Mecanismos internos de plataformas de mídias sociais

2.3.1 O contínuo aprimoramento de termos de uso, ferramentas de denúncia e mecanismos de transparência aplicáveis aos produtos oferecidos, em conformidade com o interesse público e privado de combate ao discurso de ódio, à desinformação, à violência de gênero online, ao fortalecimento da participação política de mulheres e do debate positivo de gênero, dentro do respeito às diretrizes de boas práticas e deferência ao ordenamento jurídico aplicável. Destacamos os possíveis benefícios do enfoque não apenas em conteúdos específicos, mas no robustecimento institucional da operação das plataformas e na ação direcionada aos líderes de engajamento, como os grupos já destacados.

2.3.2 Por fim, análises específicas de situações envolvendo direitos de mulheres e a atuação de parlamentares mulheres nas mídias sociais podem ser cases de interesse em estudos internos, como no âmbito do Conselho de Supervisão da Meta (Oversight Board) e nas atividades regulares das empresas do setor.

2.4 Produção de evidências científicas

2.4.1 A criação de grupos de trabalho, com composição diversa, multissetorial e pautados por evidências científicas, que se dediquem a estudar métodos e mecanismos de pesquisa com base em aplicativos móveis. Ressaltamos que o necessário esforço de compreensão desses conteúdos e práticas comunicacionais deve levar em conta as especificidades de aplicativos de mensageria, o direito à privacidade e proteção de dados, bem como o debate sobre o sigilo das comunicações e a ética da pesquisa acadêmica. Além disso, destacamos a relevância da contínua garantia de acesso qualificado e responsável a dados públicos de APIs de mídias sociais, por vezes ameaçada ou dificultada em detrimento do interesse público.

2.5 Partidos, mandatos e candidaturas

2.5.1 A relevância do contínuo envolvimento de partidos, candidaturas e mandatos no combate à violência política de gênero e à violência de gênero em ambientes digitais, em diálogo com outros setores, com apoio sistematizado às candidatas mulheres, em especial às mulheres trans e demais lideranças políticas atacadas em função de atributos de gênero, e com especial enfoque nas particularidades dos ambientes digitais.

Referencias:

1.Parâmetro explicado na seção “Análise de Sentimento no Twitter e Facebook” na íntegra do documento semanal.

2.Cf. GRZEBALSKA, W.; KOVÁTS, E.; PETÖ, A. Gender as symbolic glue: how ‘gender’ became an umbrella term for the rejection of the (neo)liberal order. Political Critique, 2017. Disponível em: http://politicalcritique.org/long-read/2017/gender-as-symbolic-glue-how…. Acesso em: 21 mar. 2023; DIETZE, G.; ROTH, J. Right-wing populism and gender: a preliminary cartography of an emergent field of research. Right-Wing Populism and Gender, European Perspectives and Beyond, p. 7–21, 2020; SAUER, B. Authoritarian right-wing populism as masculinist identity politics. The role of affects. Em: DIETZE, G.; ROTH, J. (Eds.). Right-Wing Populism and Gender: European Perspectives and Beyond. [s.l.] transcript-Verlag, 2020. p. 23–40.