Candidaturas à Prefeitura no Brasil: mulheres mais escolarizadas, mas diversidade ainda é um abismo em partidos
Por: FGV Direito
Por: FGV Direito Rio
- Candidaturas pretas e pardas à prefeitura representam, respectivamente, 4,4% e 32,8% do total registrado junto ao TSE. Mulheres pretas são apenas 1% e pardas, 4,7%.
- Menos de ⅕ do total de registros de candidaturas à prefeitura enviados ao TSE são de mulheres. Comparando a desigualdade de gênero por região, verificamos que no nordeste há mais registros de mulheres, 18,5%, enquanto o sul tem a menor proporção dessas candidaturas, 12,6%.
- Mulheres candidatas têm maior escolaridade do que os candidatos homens. Entre as candidaturas para prefeitura, 79,5% das mulheres possuem ensino superior completo, enquanto apenas 55,3% dos homens completaram o ensino superior. Enquanto 36% das mulheres graduadas são nordestinas, 28,4% são sudestinas.
- A esquerda apresenta um maior número de candidaturas de pessoas pretas e indígenas para cargos de maior relevância, além de concentrar a maior quantidade de candidatas pretas e pardas.
Apresentação
A sub-representação de mulheres nos espaços políticos institucionais tem sido alvo de preocupação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pelo menos desde 2019 (1), quando sanções passaram a ser aplicadas a dezenas de partidos por não cumprirem o direcionamento mínimo de verbas do Fundo Partidário para estimular a participação feminina.
Recentemente, a situação tem sido agravada devido a diversas tentativas de retrocesso na legislação sobre reserva de vaga e financiamento de campanha de minorias políticas, por parte do Poder Legislativo - como demonstrado em relatório anterior da FGV Direito Rio (2). Um exemplo foi a aprovação recente da PEC 9/2023, conhecida como "PEC da Anistia" que, em nome do princípio da autonomia partidária, possui o intuito de anular multas a partidos políticos que não cumpriram as regras para reserva de vagas e financiamento de campanhas de mulheres e pessoas negras, permitindo o uso do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) (3) para pagamento de possíveis sanções que possam vir a sofrer.
Neste cenário, o presente relatório tem como objetivo analisar as características associadas à representatividade dos grupos politicamente minoritários nas candidaturas a prefeito e vice-prefeito nas eleições municipais de 2024. Analisamos tal quadro a partir dos dados oficiais de candidaturas registradas no TSE no dia 15 de agosto de 2024.
Metodologia
Para analisar a diversidade da representação nas candidaturas municipais, utilizamos informações disponibilizadas publicamente pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na segunda quinzena de Agosto, o Tribunal divulgou os percentuais de candidaturas por gênero e por raça, calculados sobre o total de candidaturas recebidas via pedidos coletivos e individuais no território nacional para destinação Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Entretanto, os dados agregados não permitem inferências mais precisas e com outras variáveis, como cargos disputados ou informações sobre raça e escolaridade exatamente como autodeclaradas pelas candidatas e candidatos.
Desse modo, optamos pela utilização de um banco de dados brutos referentes a todos os registros de candidaturas encaminhados ao TSE, incluindo variáveis autodeclaradas pelas candidatas e candidatos sobre raça, gênero e escolaridade, por exemplo, e, portanto, mais completo. As informações foram extraídas do Portal de Dados Abertos do TSE no dia 22/08/2024 às 12h30. Nesse momento, havia um total de 458.133 registros de candidaturas de todo o Brasil, sendo 15.433 à prefeitura e 15.571 à vice-prefeitura.
Complementando os dados do TSE e para aprimorar as análises, realizamos uma classificação dos partidos políticos conforme seu posicionamento no espectro político-ideológico, distinguindo-os entre “esquerda”, “centro” e “direita”. Assim, será possível avaliar a representatividade das candidaturas também por espectro político. O quadro abaixo mostra a classificação adotada.
Quadro 1: Classificação dos partidos por espectro político
Elaboração própria com base em Borges e Vidigal (2023, p. 7)
(*) Partidos que mudaram de nome e/ou não constam na referência de Borges e Vidigal (2023) foram classificados a partir de sua autodeclaração ideológica.
Como a diversidade está representada nas candidaturas para o executivo municipal?
Para análise da diversidade de raça, gênero, escolaridade e região nas candidaturas para prefeitura e vice-prefeitura, elaboramos algumas perguntas orientadoras para as análises desenvolvidas em cada categoria:
- Como a desigualdade de gênero e raça se reflete nos registros de candidaturas aos cargos do executivo municipal em cada região do país?
- Qual espectro político partidário possui mais candidaturas femininas e negras?
- Onde estão as mulheres? Em quais cargos encontramos, proporcionalmente, mais candidaturas femininas? Essa proporção se repete nas diferentes regiões?
- O grau de escolaridade das mulheres é uma variável independente em relação ao cargo ao qual se candidata?
- Há diferença entre os espectros políticos partidários em relação à escolaridade na definição dos candidatos aos cargos para prefeitura e vice-prefeitura?
Considerando que os números absolutos de registros de candidaturas para prefeitura e vice-prefeitura, por espectro político, são discrepantes (a direita possui 16.644 registros, o centro 7.610 e a esquerda 6.750), optamos por trabalhar os dados de forma isolada, considerando proporcionalmente os registros a partir de cada espectro político.
I. Raça
O Gráfico 1 mostra a distribuição dos registros de candidaturas conforme autodeclaração racial realizada junto ao TSE para a disputa da prefeitura nessas eleições.
Gráfico 1: Autodeclaração racial das candidaturas registradas para prefeitura por espectro político
Fonte: TSE | Elaboração: FGV Direito Rio
- Pela leitura do Gráfico 1, verificamos que o registro de candidaturas de pessoas pretas, pardas e indígenas à prefeitura é significativamente baixa em comparação com o perfil racial da população brasileira. Olhando especificamente para o alinhamento político-ideológico dessas candidaturas, os partidos à esquerda possuem mais candidaturas ao cargo de chefia do Executivo municipal de pessoas pretas e indígenas em comparação com o centro e a direita.
Gráfico 2: Autodeclaração racial das candidaturas registradas para vice-prefeitura por espectro político
Fonte: TSE | Elaboração: FGV Direito Rio
- No Gráfico 2, que trata da vice-prefeitura, também há uma baixa representatividade de candidaturas pretas, pardas e indígenas no geral. À direita, contudo, percebemos um aumento no número de candidaturas de pessoas pretas e indígenas em comparação com o cargo mais alto neste mesmo espectro visto no gráfico anterior.
II. Gênero
O Quadro 2 abaixo mostra o número de registro de candidaturas recebidas pelo TSE para prefeitura e vice-prefeitura por gênero, conforme o espectro político-ideológico.
Quadro 2: Gênero das candidaturas registradas para prefeitura e vice-prefeitura
Fonte: TSE | Elaboração: FGV Direito Rio
- Analisando a Tabela 1, é possível constatar que, do número total de registros de candidaturas, menos de ⅕ são mulheres, o que diverge significativamente da representatividade desse grupo na composição populacional brasileira em geral. Avaliando a participação feminina por espectros, identificamos um número ligeiramente maior de registros de candidatas em partidos de esquerda do que nos demais espectros;
- Comparando a presença das mulheres nas disputas de cada um dos cargos do Executivo, verificamos que elas estão mais presentes na disputa à vice-prefeitura, abrangendo 23,15% dos registros de candidaturas, contra apenas 15% do número total de candidaturas ao cargo de chefia desse poder;
- Também em relação aos registros de candidaturas de mulheres pretas, encontramos uma maior presença no espectro político de esquerda (49%) do que no espectro político de direita (34,5%).
III. Escolaridade e Profissão
O Gráfico 3 abaixo mostra a distribuição dos registros de candidaturas conforme escolaridade realizada junto ao TSE para a disputa da prefeitura e vice-prefeitura nessas eleições.
Fonte: TSE | Elaboração: FGV Direito Rio
- Em uma análise geral dos dados, não verificamos uma grande discrepância numérica entre a escolaridade das candidaturas registradas. Todavia, ao adicionarmos a variável de gênero, identificamos que as mulheres possuem significativo maior grau de escolaridade do que os homens;
- Em relação aos registros de candidaturas de mulheres ao cargo de prefeita, 79,5% delas possuem ensino superior completo, enquanto apenas 55,3% dos homens são formados na universidade. Já nos cargos de vice-prefeitura, temos 65,6% dos registros de candidatas mulheres com ensino superior completo e apenas 40,7% entre os homens.
Gráfico 4: Escolaridade das candidaturas registradas por gênero e cargo
Fonte: TSE | Elaboração: FGV Direito Rio
Quadro 3: Escolaridade dos registros de candidaturas aos cargos do executivo municipal por espectro político
Fonte: TSE | Elaboração: FGV Direito Rio
- De acordo com o Quadro 3, verificamos que o espectro político de esquerda possui, relativamente, um número maior de registros de candidaturas com menor escolaridade, do que o espectro político de direita. Além disso, o único registro de candidatura autodeclarado analfabeto pertence ao espectro político de esquerda.
- Esse dado pode indicar que há uma maior abertura nos partidos políticos de esquerda para candidaturas de pessoas advindas de classes sociais mais baixas, ampliando a diversidade de classe em seus registros no TSE.
- Ao analisar as candidaturas à prefeitura e vice-prefeitura, notamos que “empresário” é a ocupação mais comum entre os homens (6.189 registros), seguida por “agricultores” (3.486). Em contraste, as mulheres destacam-se como “professoras” (653 registros), seguidas por outras ocupações (576) e “empresárias” (547).
- Entre as mulheres com ensino superior completo, há uma maior diversificação de ocupações em comparação ao grupo feminino geral. Professoras continuam liderando com 617 registros, mas há um aumento na participação de advogadas (353) e servidoras públicas (343), enquanto a presença de empresárias cai para 295.
- Comparando gêneros, as candidaturas masculinas concentram-se em profissões de maior poder econômico e em cargos políticos tradicionais, como vereadores (2.510) e prefeitos (1.775), enquanto as mulheres têm maior presença em áreas como educação e serviço público.
- No espectro político, as candidaturas da direita são marcadas por uma alta concentração de empresários (2.871 registros) e cargos políticos. Já na esquerda, embora haja maior diversidade de profissões, empresários (786) e agricultores (570) ainda figuram entre as ocupações mais citadas.
IV. Região
O Gráfico 5 abaixo mostra a distribuição dos registros de candidaturas conforme a região do Brasil para a disputa da prefeitura e vice-prefeitura nessas eleições.
Gráfico 5: Região dos registros de candidaturas por gênero
Fonte: TSE | Elaboração: FGV Direito Rio
- De acordo com o Gráfico 5, verificamos que o Nordeste é a região com mais registro de candidaturas de mulheres à prefeitura e o segundo com mais registros de candidaturas à vice-prefeitura, atrás apenas da região Norte. E se adicionarmos a variável escolaridade nessa análise, ainda identificamos que o Nordeste possui mais registros de candidaturas de mulheres com ensino superior completo, 36%, seguido da região Sudeste com 28,4%.
- Já na região Sul, encontramos a maior diferença entre o número de candidaturas registradas de homens e de mulheres: enquanto eles abrangem 87,4% do total de candidaturas da região, elas correspondem a 12,6%. Essa região também é a que menos possui registros de pessoas pretas e pardas no pleito municipal, sendo 90,9% das candidaturas registradas de pessoas brancas e apenas 1% de pessoas autodeclaradas pretas.
Considerações finais
Neste relatório, observamos que a garantia da diversidade nos registros de candidaturas ainda é um grande desafio a ser enfrentado pelas instituições políticas e partidárias no Brasil. Os números aqui encontrados revelam o reflexo das desigualdades de gênero e raça da sociedade brasileira no pleito municipal, especialmente em relação à presença das mulheres nos cargos de mais alto escalão, e também de pessoas pretas e indígenas.
A fim de contribuir com o avanço das análises sobre a situação da representação da diversidade na política institucional, cabe ressaltar a importância do refinamento das informações solicitadas pelo TSE no ato do registro de candidaturas. Um dos aprimoramentos possíveis seria a ampliação da noção de gênero adotada pelo Tribunal para além do binômio 'feminino' e 'masculino', considerando também identidades diversas.
Por fim, ressaltamos a importância de trabalhar os dados da autodeclaração racial dos candidatos de forma desagregada, como proposto neste relatório. Ao tomar o binômio 'branco' e 'não-branco' como parâmetro organizativo dos registros de candidaturas, a dimensão da diversidade racial brasileira acaba sendo invisibilizada. Além disso, mantém a categoria 'branco' como referência analítica, o que acaba por reproduzir as desigualdades raciais que deveriam ser combatidas.
Notas de rodapé:
- Disponível em: Decisões do TSE reforçam iniciativas de incentivo à participação feminina na política Acesso em: agosto de 2024
- Projetos de lei sobre candidaturas de minorias: homens são a maioria dos autores de propostas que retrocedem a participação política de mulheres
- Disponível em: TSE divulga percentual de candidaturas femininas e de pessoas negras por partido político — Tribunal Superior Eleitoral. Acesso em: 21 ago. 2024.
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Esta classificação teve como respaldo o artigo “Para Entender a Nova Direita Brasileira”, de André Borges e Robert Vidigal (2023, p. 7), com o objetivo de estabelecer um posicionamento fixo para cada partido.
Elaborado por:
Este relatório foi produzido pelo Centro de Tecnologia e Sociedade no âmbito do Projeto Mídia e Democracia.
Autoria:
Yasmin Curzi (Professora da FGV Direito Rio e Coordenadora do Projeto "Mídia e Democracia" na Escola de Direito)
Carolina Peterli (Pesquisadora do Projeto "Mídia e Democracia")
Fernanda Gomes (Pesquisadora do Projeto "Mídia e Democracia")
Giullia Thomaz (Pesquisadora do Projeto "Mídia e Democracia")
Hana Mesquita (Pesquisadora do Projeto "Mídia e Democracia")
Iris Rosa (Pesquisadora do Projeto "Mídia e Democracia")
Isabella Markendorf Marins (Pesquisadora do Projeto "Mídia e Democracia")
Lorena Abbas (Pesquisadora do Projeto "Mídia e Democracia")
Nikolas Carneiro (Pesquisador do Projeto "Mídia e Democracia")