Ministro da Justiça destaca importância de regulação digital

O Ministro Flávio Dino alertou para a urgência da implementação de uma regulação de plataformas digitais no país

“Para a construção de uma maioria política apta é eficaz, precisamos avançar no Brasil na regulação. Repito, antes que seja tarde” alertou o Ministro da Justiça Flávio Dino durante a instalação do Conselho Mídia e Democracia, em reunião virtual nesta quarta-feira, 28/06.

O conselho integra o projeto Mídia e Democracia, iniciativa da Delegação da União Europeia e da FGV Escola de Comunicação, Mídia e Informação, composto ainda por outras duas frentes de trabalho: monitoramento e análise de mídias digitais e checagem de informações, em colaboração com a FGV, Agência Lupa e o centro alemão de análise do debate público, Democracy Reporting International (DRI).  Esse espaço de debate digital está composto por 25 organizações e entidades que atuam na defesa de direitos dos mais diversos segmentos e agendas e atuam para monitorar, propor, contribuir com o ambiente digital, contra a desinformação e a integridade democrática.

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A reunião virtual contou com dois momentos: a abertura com instalação do Conselho e a reunião plenária que produziu enunciados e pontos de consenso para se posicionar e colocar questões importantes sobre o debate em torno da regulação do ambiente digital.

O coordenador do Projeto na FGV ECMI, Amaro Grassi, deu as boas-vindas e apresentou os detalhes da iniciativa e os propósitos específicos do conselho.  

Na sequência, o embaixador da União Europeia no Brasil, Ignacio Ybáñez, destacou o interesse comum, para benefício da cidadania, que o Brasil e a União Europeia trabalhem juntos, compartilhando boas práticas, inclusive na regulação de plataformas digitais e aspectos relativos a conteúdo digital ilegal e desinformação.

“Queremos construir fortes parcerias digitais internacionais, com parceiros que compartilham essa mesma abordagem centrada no ser humano para uma transformação digital e como um pilar fundamental do nosso compromisso. É por isso que lançamos recentemente a Aliança Digital União Europeia, América Latina e Caribe, que aborda cooperação em transformação digital e inovação com esses países”, pontuou o embaixador. Ybáñez também apontou o desenvolvimento de duas leis básicas que hoje são uma inspiração e parâmetro para os governos democráticos em todo o mundo: a lei dos serviços digitais e a lei dos mercados digitais. Nesse sentido, o embaixador reiterou o potencial da cooperação entre União Europeia e Brasil em soluções neste complexo arcabouço político e regulatório.

Representando as conselheiras e conselheiros, a pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital e coordenadora da organização Desinformante, Nina Santos, destacou que o Conselho reúne pessoas e organizações que têm tido atuações importantíssimas e diversas nessas discussões em torno da comunicação digital, dedicadas à checagem de fatos, à educação midiática, à produção de informação de qualidade, ao monitoramento e produção contínua de dados, a discussões em torno de um sistema de publicidade ético, busca de soluções legais e regulatórias e sobre os impactos digitais. Nina citou três desafios, mas considerou como o mais urgente como construir uma regulação ampla, estruturada, democrática, das plataformas digitais, que garanta e amplie direitos e fortaleça atuação cidadã.

“Um segundo desafio, que eu acho que vale a pena mencionar é o desafio de encarar os problemas da nossa sociedade, que ganham novas conotações com o digital, mas que não surgem com ele e não estarão resolvidos apenas com uma boa regulação de plataformas digitais. Cito aqui como exemplo a questão do racismo, sabendo que ele vem junto com uma série de outras questões e ressalto que entender esses elementos sociais, culturais, históricos que compõem o nosso território e que se transformam a partir do digital, mas não se restringem ao digital, é absolutamente essencial para que a gente consiga avançar”, ressaltou a pesquisadora. O terceiro desafio seria do fortalecimento de um espaço digital que siga outras lógicas que não a construção apenas de um espaço digital, segundo a lógica comercial, norte cêntrica, segundo a lógica da desigualdade, que é o que tem dominado as redes.

O ministro Flávio Dino iniciou sua palestra referindo o voto do ministro do TSE Benedito Gonçalves, pronunciado na última terça-feira no julgamento sobre inelegibilidade do ex-presidente. Para o ministro, o voto tem um alcance muito mais largo do que ele em si mesmo, porque pode funcionar também como uma referência para os debates institucionais e também no âmbito da sociedade civil, uma vez que a desinformação, as fakes news transformadas em ferramentas de construção de hegemonia política provavelmente terá consequências, também no terreno das sanções, o que seria uma novidade no Brasil.

“O que é esse exame no TSE? Com certeza, é um dos primeiros em que nós teremos uma sanção significativa para um agente político. Já houve outros, a bem da verdade, tivemos uma cassação. Tivemos algumas pessoas que têm sido chamadas a responder inquérito, ações penais, mas sem dúvida, esse caso é bastante significativo e emblemático. Ao lado dele, as ocorrências agora cotidianamente reveladas de múltiplos crimes contra crianças e adolescentes por intermédio das redes sociais ou redes digitais a revelar mais uma vez que nós estamos diante de um quadro grave e emergencial, e é essa percepção que eu trago. É na minha prática política aqui no Ministério da justiça. Todos os dias tentando frisar não só essa essencialidade ou imprescindibilidade da resolução de novos marcos normativos para esse tema, como também da urgência da premência disso”, alerta o ministro.

Em relação à discussão em torno da lei brasileira de liberdade, responsabilidade e transparência na Internet, o PL 2630, Dino considera que há um debate reducionista em torno da ideia de liberdade de expressão e da censura. “Isso é típico do momento de impasses que nós atravessamos. É o fim de uma hegemonia global e a construção de outras hegemonias mundiais. Produz uma série de perplexidades, inclusive no terreno axiológico valorativo ideológico”.

Diante dos riscos democráticos que a nova conjuntura virtual, no padrão de consumismo e no mercado das ideias, ajuda a produzir, Flávio Dino entende que há urgência de regulação e reconhece que não se trata de tarefa simples, até porque não se dá em um ambiente ideal, mas em um ambiente concreto, cheio de contradições.

 

Razões que dificultam o debate em torno ao PL 2630

Para ele, são três as razões que tornaram o debate em torno do PL 2630 bem difíceis. A primeira delas é que os donos do negócio, agem. “Os donos do negócio não são neutros. O dono do negócio, o dono da arena onde nós fazemos a contenda estão contra nós. É como se se nós fôssemos lutar, jogar uma partida de futebol e o dono do campo programa o campo de modo a que o nosso terreno seja esburacado, seja um terreno hostil, enquanto os outros mais ou menos vão caminhando ali no gramado verde, lisinho e amigável”, caracteriza. “Os anúncios, talvez sejam a forma mais evidente, mas eu tenho como hipótese que houve também mecanismos sub-reptícios a serem investigados posteriormente. É de formação de opinião”, analisa.

A segunda razão, na opinião do ministro, é a capacidade da direita em simplificar os debates. “Então quais foram os ataques a nós naquele momento? Vocês querem censura? E vocês querem proibir a bíblia? Ponto. O discurso era esse, por mais absurdo e abjeto que fosse. É um discurso que circula mais rapidamente do que o nosso, sempre permeado de tantas nuances”, exemplifica.

A terceira razão, no entendimento de Dino, de transitar a ideia de regulação, de modo geral, são aspectos próprios do parlamento. “O parlamento atual brasileiro, este concreto que aqui existe e que está aqui na minha janela não é propriamente receptivo acerca de teses que nós representamos historicamente, entre as quais de que a nós precisamos de regras que contenham a lei da selva. Nós temos muitos adeptos da lei da selva. É no jogo político. E inclusive representados no parlamento”, explica.  

Diante do quadro, Flávio Dino reiterou que se deve insistir, perseverar, em duas linhas principais. A primeira é buscar interferência urgente.

“Vamos parar a roda da história porque essa revolução científica e tecnológica será desastrosa por nossos interesses?  Se não parar a roda da história, porque seja impossível, pelo menos diminuir a sua velocidade”, defende.

Flávio Dino aponta que um problema hoje está no contraste entre a qualidade e velocidade das mudanças tecnológicas e a velocidade dos processos decisórios estatais. Por isso, segurar a ideia de que uma regulação forte é imprescindível. “E, portanto, reafirmar esse caminho o tempo todo, mesmo que isto signifique uma tentativa utópica de deter a roda da história. Se não fizermos, nós vamos perder”.

Para além de insistir que é necessário perseverar na busca de marcos regulatórios, Dino também chama a tenção para uma segunda questão, quem fará isso. Ele declara ter dúvidas se esse seria um papel do parlamento.

Do ponto de vista político, Flávio Dino anunciou que haverá uma nova tentativa no segundo semestre.” Eu mesmo estou me dedicando a isso. Conversei com outros colegas de governo, para que a gente tente recolocar o debate no segundo semestre”. Dino acredita que superada a pauta econômica e a provação do arcabouço fiscal, se abra espaço para recolocar o debate da regulação no parlamento. Se isso não for viável, o Ministro pondera que devem ser acessadas outras agências estatais “que podem fazer isso, ou nós vamos defender a legitimidade de outras agências estatais? Aí me refiro especialmente ao supremo, mas não só”, alerta.

Como exemplo de medidas coordenadas que possam ser produzidas, Dino refere a experiência que considera vitoriosa, que foi a portaria sobre violência de escolas editada logo após a tragédia de Blumenau em março deste ano. “Ela é cumprida em momentos decisivos. Agora, com essa tragédia no Paraná. As plataformas em menos de 2 horas tinham cumprido a portaria e foi possível identificar o assassino e descobrir que não havia agido sozinho”.

Após a exposição, o Ministro Flávio Dino debateu diversos pontos com os conselheiros. A reunião plenária definiu questões, estratégias e posicionamentos que serão aprovados numa nota de convergência. As temáticas abordadas pera o próximo ciclo de discussão também foram sugeridas e serão definidas ao longo da próxima semana.

 

Como funciona

O conselho se organiza em ciclos compostos por etapa formativa, de diagnóstico e de convergência das posições, partindo dos relatórios semanais e dos temas pactuados na reunião de planejamento.

O tema escolhido do primeiro ciclo foi a lei brasileira de liberdade, responsabilidade e transparência na internet, também conhecido como PL 2630.

participantes do conselho

Quem integra

Agência Diadorim; Anvisa; Barão de Itararé; Coalizão Direitos na Rede; Coletivo Bereia; Democracia em Xeque; Desinformante; Fundación Chile 21; Instituto da Hora; Instituto de Referência Negra Peregum; InstitutoTerra, Trabalho e Cidadania; Instituto Kaingáng; Instituto Marielle Franco; Instituto Vero; Internetlab; Intervozes; ISER; Mães e Pais pela Democracia; Mulheres Negras Decidem;  Observatório da Comunicação Pública UFRGS; Purpose  Brasil; Rede Nacional de Combate à Desinformação; Rede Trabalho em Cena; Sleeping Giants Brasil Washington Brazil Office.